Apple, Disney, AT&T e Netflix redefinem a maneira de se produzir e distribuir filmes e séries.
2019 será lembrado como o ano em que a Guerra Total do Streaming ou OTT (Over The Top) começou. 2020 entrará para a história como ano em que esse conflito atingiu seu auge. No ano que se encerra, Apple, Disney, AT&T lançaram-se furiosamente contra a companhia dominante neste serviço, a Netflix. O que esse movimento combinado significa para o futuro da televisão é sim-plesmente a redefinição da maneira de se produzir e distribuir filmes e séries. É um jogo de algu-mas centenas de bilhões dólares. O Brasil não vai ficar imune ao combate. A Globosatplay entrou forte no streaming. A Netflix anunciou que em 2020 vai investir 350 milhões de dólares em pro-duções brasileiras destinadas não apenas ao público nacional, mas a toda sua rede mundial. Stre-aming terá sobre os canais tradicionais de distribuição de media o mesmo poderoso e irreversível impacto que a música via internet teve sobre os CDs. É o fim de uma era e começo de outra.
A era do Streaming
Nenhuma grande companhia de mídia pode dizer que foi surpreendida. Há 14 anos, o YouTube e há 12, a Netflix e o menos conhecido no Brasil, Hulu, foram aos poucos mudando os hábitos de milhões de telespectadores que passaram a dar mais e mais tempo ao conteúdo que lhes chegava via as conexões de alta velocidade da internet. Ao mesmo tempo que aumentavam as taxas de cancelamento de serviços de TV a cabo ou via satélite, subia a audiência do YouTube, Hulu e Netflix. Uma pesquisa de outubro passado feita pela Hub Entertainment Research nos Estados Unidos mostrou que 63% dos americanos já assistem seus shows favoritos online. Não tem volta.
Os consumidores só têm a ganhar. A chegada de Apple TV+, Disney+ (ainda não disponível no Brasil) e AT&T, que lançará o HBO Max nos próximos meses, é uma promessa de que a competi-ção entre elas vai melhorar a qualidade e a variedade das séries.
Apple TV+
Custa 9,90 reais por mês no Brasil. É o mais intrigante dos passos recentes da Apple, que tem seu peito as medalhas do mérito de ter reinventando indústrias inteiras, entre elas a de música e a de telefonia celular. A Apple TV+ quer reinventar a produção e distribuição de séries. Pelas primeiras delas que foram exibidas em 2019, dá para sentir que a Apple entra no novo negócio de streaming com a intenção de bater de frente com a Netflix mesmo saindo com um catálogo minimalista em relação à companhia dominante. Mas a qualidade Apple começa a sobressair e o catálogo vai ser enriquecido com a chegada de uma nova série por mês em 2020. A Apple abriu seu jogo online com três principais produções:
“The Morning Show”, uma moderna releitura do clássico do cinema “Network”, chamado no Bra-sil de “Rede de Intrigas.” Com Jennifer Aniston (extraordinária), Reese Whiterspoon (convincen-te) e Steve Carrel (tentando ser dramático) “The Morning Show” é diversão segura, com narração rápida, ritmo e a sempre surpreendente adaptabilidade de novela, com a ação mudando, com toda certeza, na direção apontada pelas pesquisas de audiência.
“For All Mankind” — Tem Joel Kinnaman no papel central do herói americano no espaço, mas não é uma série de atores. A trama se desenvolve na ficção em um campo que, segundo Pedro Malan, no Brasil é realidade — ou seja, a situação em que até o passado é surpreendente. For All Man Mankind é a continuação da Guerra Fria no espaço pela extensão ficcional do Projeto Apol-lo, que levou o homem à Lua em 1969. A guerra entre capitalismo e comunismo continua na Lua à beira de um cratera — fonte de gelo e, portanto, de água. As bases permanentes americana e russa na Lua foram plantadas a apenas 18 quilômetros de distância na borda da cratera. As interações, mesmo proibidas oficialmente pelos dois governos, são inevitáveis.
“See” — A mais cara e menos cativante das apostas iniciais da Apple na ficção televisiva. No futuro distante, por alguma razão genética misteriosa, a espécie humana perde a capacidade da visão, mas consegue desenvolver extraordinárias estratégias de sobrevivência baseada apenas nos demais sentidos. O nascimento de gêmeos capazes de enxergar muda drasticamente a vida, sub-vertendo a ordem estabelecida com a mudança do eixo de poder e tudo que isso acarreta.
Disney+
Por enquanto, para ser visto no Brasil o serviço OTT da Disney exige que o usuário tenha um car-tão de crédito emitido nos Estados Unidos e instale uma VPN no desktop, celular ou tablet de modo que o endereço de IP seja também de um servidor localizado em território continental ame-ricano. É muita ginástica. Mas o conteúdo inédito Disney e seu catálogo de atrações universais originais já tornou o serviço o mais badalado. Alguns analistas americanos chegaram a apostar que o Disney+ de tal forma eclipsaria o Apple TV+ que o melhor caminho para a empresa fundada por Steve Jobs seria sair do negócio de OTT. Exagero. Mas, tomando como exemplo a febre mundial em torno do “Baby Yoda”, apresentado pela série “The Mandalorian”, a Disney+ deu uma peque-na sinalização das dificuldades que os concorrentes terão em enfrentá-la.
“The Mandalorian” — Para os apaixonados por “Star Wars” é fácil confundir o “Mandalorian” com “Boba Fet” do primeiro filme da série “A New Hope”, lançado por George Lucas em 1977. Ambos são caçadores de recompensa, mas “Mando” tem suas convicções éticas e a tendên-cia inconsciente de ficar sempre do “lado bom da força.” Tentado por remanescentes da hierar-quia militar do “Império do Mal”, Mando aceita uma missão complexa mas muito bem recompen-sada de resgatar ou matar determinado alvo. Bem, o alvo é o encantador Yoda ainda bebê e isso muda tudo. Mando passa a ser o protetor do Baby Yoda. Para quem não se lembra — ou esteve por muito anos a mais de dois parsecs de distância de Tatooine, o planeta de dois sóis de Luke Skywalker — Yoda é o sábio adorável e rigoroso que dá o polimento final nos cavalheiros Jedi para que se tornem capazes de enfrentar o Imperador e seus asseclas. Mas estamos indo longe demais. Velhinho, Yoda já encantava. Sair-se com um Baby Yoda é genial.
HBO Max
Certamente também chegará ao Brasil em 2020. Nos Estados Unidos custará 4,90 dólares. Vem com todo o formidável conteúdo conhecido do HBO (“Sopranos” , “Game of Thrones” e “Friends”) e a promessa de uma série nova a cada dois meses. )
Será a morte da TV a cabo? As forças que atuam sobre os mercados nos Estados Unidos e no Brasil são as mesmas, embora com potências e dinâmicas distintas. Aqui os fenômenos disruptivos demoram mais para realizar seu trabalho de “destruição criativa”, mas eles chegam. A TV a cabo nos Estados Unidos sobrevive em grande parte pelo monopólio das transmissões esportivas ao vivo. Mas é cedo para dizer se no Brasil o desenlace será o mesmo.