Pesquisa XP/Ipespe, contudo, revela que a maioria dos brasileiros não conhece a proposta. Estudo do CLP mostra que inclusão de juízes e militares na reforma, além de outras carreiras de poder, pode trazer economia de R$ 31 bilhões aos cofres públicos ao longo da próxima década.
Uma pesquisa XP/Ipespe revelou que a reforma administrativa é apoiada por 7 em cada 10 brasileiros que conhecem a proposta. Além disso, 33% dos entrevistados afirmaram que o texto deveria ser mais duro do que o atual em discussão no Congresso. É um indicativo do potencial de apoio que essa reforma poderá conquistar na opinião pública, caso a proposta seja mais debatida com a sociedade.
A questão é que a maioria dos brasileiros ainda desconhece o tema: 74% dos 1.000 entrevistados disseram desconhecer a proposta de reforma. O desconhecimento deverá diminuir em breve, com o avanço na tramitação do projeto na Câmara. Foi instalada a comissão especial para debater o projeto e existe a perspectiva de ele ser levado a votação no segundo semestre.
O texto base, por enquanto, é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, apresentada pelo governo. Para muitos especialistas, o projeto é muito acanhado e nem mesmo pode ser considerado uma reforma administrativa de fato. Suas limitações são diversas. Em primeiro lugar, trata apenas dos servidores do Executivo. Ficam de fora os militares e o Judiciário. A PEC, além disso, limita-se ao governo federal, deixando de fora estados e municípios. Por fim, as novas regras valerão apenas para os novos servidores — algo controverso do ponto jurídico e que reduzirá significativamente o impacto fiscal da reforma.
Alguns argumentam que será melhor aprovar uma reforma tímida do que não aprovar nada. É um engano. Como alertam os especialistas em finanças públicas, há um grande desgaste político para aprovar uma reforma como essa. Se passar um ajuste desidratado, haverá a sensação de que a reforma já foi feita e ela será retirada da agenda de prioridades. Seria uma sabotagem aos princípios que devem guiar uma reforma que de fato consiga alcançar os seus objetivos centrais de incentivar a atuação dos bons funcionários e injetar produtividade aos serviços prestados à população.
Em um artigo na “Folha de S.Paulo”, o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e autor do livro “Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?”, argumentou que mudanças profundas mexem com interesses organizados. Por causa das resistências, elas devem ser enfrentadas em início de mandatos, com governos fortes politicamente. “O governo atual caminha para o último ano de mandato, com popularidade desgastada. No Congresso, é refém do Centrão”, disse Mendes. “Mesmo assim insiste em duas reformas complexas: tributário e administrativa. Não é mais o momento. A aprovação pode custar caro, e as reformas sairão distorcidas, gerando ineficiência e custo econômico por décadas à frente”.
Pressões intensas
A tentativa de reforma dá ainda os seus primeiros passos, como a formação da comissão especial e início dos debates. O relator do projeto na Câmara, deputado Arthur Maia (DEM-BA), pretende entregar o parecer final da comissão até o fim de agosto. O grande risco certamente será desidratar ainda mais o projeto, em vez de aprimorá-lo.
As pressões vão ser intensas, sobretudo da parte dos militares, dos policiais e de servidores das carreiras jurídicas. Um dos pontos-chave será a definição de quais carreiras serão classificadas “de estado” e, por isso, poderão eventualmente contar com estabilidade, além de outras prerrogativas. Tais definições poderão ficar para leis complementares.
As lideranças políticas e na sociedade civil defensores de uma reforma administrativa profunda precisarão atuar para aprimorar o projeto. Se isso não for possível, a estratégia deverá ser aprofundar os debates para conquistar o apoio mais amplo da opinião pública e preparar o terreno para uma reforma verdadeira no início do próximo governo. Seria similar ao que ocorreu com a reforma previdenciária, que foi apresentada pelo governo Michel Temer mas foi aprovada apenas no Congresso apenas no início do governo de Jair Bolsonaro. O essencial, neste momento, será impedir retrocessos e distorções.
Impacto nas contas públicas
É cedo para saber se a reforma vai vingar e qual o seu escopo final. Mas algumas análises demonstram a sua importância para o equilíbrio das finanças públicas. Um estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, estimou o tamanho do impacto em diferentes cenários. A conclusão é que poderiam ser economizados até R$ 128 bilhões ao longo da próxima década, caso as novas regras sejam válidas para o governo federal e para os estados. Foram considerados os servidores civis e estatutários (militares, com regime próprio, ficaram de fora dos cálculos).
Já um estudo feito pelo economista Daniel Duque, líder de inteligência técnica do Centro de Liderança Pública (CLP), estimou que a economia adicional na próxima década poderá ser superior a R$ 31 bilhões, caso os ajustes e a reestruturação funcional passem a valer desde já para militares, juízes, procuradores e outras carreiras de poder.
A economia de recursos contribuirá para equilibrar as finanças públicas. É um ponto importante no projeto. O objetivo central do projeto, porém, deve ser a transformação da gestão dos recursos humanos no funcionalismo. Assim como ocorre no setor privado, devem haver mecanismos efetivos de avaliação de desempenho e incentivando a melhoria no resultado final dos serviços prestados à população na segurança pública, na saúde, na educação e na Justiça. Privilégios como promoções por tempo de serviço e dissociadas de mérito tendem a criar uma cultura perversa de corporativismo e baixa eficiência.
Como indica a pesquisa XP/Ipespe, a opinião pública esclarecida compreende a importância da reforma administrativa e dá, em sua maioria, o apoio ao projeto. O momento agora é de reunir um apoio amplo para uma reforma digna de seu nome e evitar retrocessos.