No decorrer dos anos, as distorções nos salários e benefícios do funcionalismo fizeram da administração pública um fator de concentração de renda no País. A reforma administrativa é decisiva para reduzir tal desigualdade. No cálculo dos economistas Daniel Duque e Pedro Trippi, seu impacto também pode poupar R$ 1,2 trilhão aos cofres públicos até 2034.
O governo, quando cumpre adequadamente as suas funções, deve ser um grande equalizador de oportunidades dentro de um país. As políticas públicas mitigam as injustiças e promovem a equidade. No Brasil, nem sempre é assim. Um exemplo está no funcionalismo.
A atual estrutura de carreiras e salários criou uma divergência crescente entre os rendimentos da elite dos servidores e os vencimentos dos outros funcionários públicos. É crescente também a vantagem dos salários públicos em relação aos privados. Tudo somado, a administração pública tornou-se um fator de concentração de renda.
Desequilíbrio em ascenção
O desequilíbrio decorre das distorções criadas ao longo dos anos em favor de grupos corporativos organizados. Além de salários elevados em relação aos pagos na iniciativa privada, há vantagens como as promoções automáticas por tempo de carreira e não atreladas a critérios de desempenho, os pagamentos de verbas indenizatórios e as férias em dobro para algumas categorias – com direito a vendê-las e embolsar o dinheiro. Para reverter a situação, só existe uma maneira: aprovar uma reforma administrativa ampla, válida para todos os servidores, capaz de corrigir desatinos e incentivar o desenvolvimento profissional dos bons funcionários públicos.
Desigualdade dos fatores
Na comparação com outros países, o Brasil não possui um número de servidores desproporcionalmente elevado. Fica pouco acima da média da América Latina e abaixo da média das nações mais ricas. O disparate brasileiro é outro. Ele está no alto custo do funcionalismo. Mesmo com um número relativamente baixo de funcionários, o Brasil gasta, proporcionalmente, mais do que a grande maioria dos países desenvolvidos.
Um trabalhador do setor público federal ganha 67% mais do que um trabalho do setor privado com qualificações semelhantes, revelou um estudo recente do Banco Mundial. Foi a maior diferença encontrada entre mais de 50 países analisados na comparação.
A desigualdade, contudo, não está apenas na comparação entre o setor público e o privado. Dentro do funcionalismo também há profundas desigualdades. Os servidores municipais ganham muito menos do que a elite do funcionalismo federal — sobretudo aquela aninhada nos altos postos do Judiciário e do Ministério Público.
Desigualdade no setor público
Uma nota técnica do Centro de Liderança Pública (CLP), assinada pelos economistas Daniel Duque e Pedro Trippi, dá a dimensão. Como se pode ver no quadro abaixo, a desigualdade dentro do setor público é bem mais acentuada do que a existente no setor privado. Pelo índice de Gini, quanto mais perto de 1 for o número, maior a desigualdade.
Observando-se apenas os números do setor privado, a desigualdade brasileira fica abaixo de 0,4 na maior parte das regiões. A desigualdade de renda maior está no setor público. É um contrassenso. O governo, no Brasil, contribui para alargar o desequilíbrio de rendimentos.
O desequilíbrio fica ainda mais acentuado por causa dos adicionais incorporados aos salários. Já houve inúmeras tentativas de barrar abusos, como a imposição de tetos aos vencimentos. Em vão. O valor máximo dos rendimentos mensais deveria ser de R$ 39.293,32, que é o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, não é o que ocorre. Sempre aparecem brechas legais para autorizar o pagamento de penduricalhos a títulos de “gratificações” ou “indenizações”, além de venda de férias e jetons.
A estimativa modesta é que, apenas com esses penduricalhos, sejam gastos R$ 2,6 bilhões ao ano. Pode ser ainda mais, segundo contas extraoficiais que estão ainda sendo feitas pelo governo. Além de caro, o expediente alarga a distância entre os cidadãos comuns e a elite dos servidores.
Reforma reduzirá desigualdade
Como afirmam Daniel Duque e Pedro Trippi, faltam estímulos e critérios de avaliação para que o setor público seja mais produtivo. “O atual sistema é pouco adequado para a prestação de serviços de qualidade com eficiência, tendo várias distorções e incentivos ruins os quais impactam negativamente a produtividade do servidor”, afirmam os economistas. “Há décadas não se realiza uma mudança significativa no que se refere à estabilidade demasiadamente ampla, a progressão automática e a falta de uma avaliação de desempenho efetiva, sendo todos esses desafios a serem enfrentados para a modernização do serviço público no Brasil.”
Na avaliação deles, a reforma deveria ter, como princípios: a eliminação dos benefícios distorcidos; a criação de diferentes categorias de servidores para assim haver maior flexibilidade de adaptação às demandas; e o incentivo à produtividade por meio de metas e critérios de desempenho.
A reforma, além de reduzir os desequilíbrios que aprofundam a desigualdade social no país, traria também ganhos fiscais. No cálculo de Duque e Trippi, o impacto poderá superar R$ 1,2 trilhão de recursos poupados aos cofres públicos até 2034.
A reforma administrativa é urgente e imprescindível – e não apenas por questões fiscais. Sem ela, o Brasil será um país mais injusto. Ao reduzir distorções salariais e criar incentivos para a melhoria na qualidade dos serviços prestados pelos servidores, a reforma na administração do setor público contribuirá decisivamente para reduzir a desigualdade – o que deveria ser uma das principais funções do governo, mas que não tem sido a realidade no Brasil.