O Brasil tem a maior reserva natural do mundo. Em um novo mapa do mundo, no qual a natureza tem valor central, a Bacia Amazônica poderá se tornar a “Bacia do Carbono”, polo tecnológico de produção e gerenciamento de vida.
Artigo de Julia Marisa Sekula | economista e cientista política
Mapas solucionam as nossas limitações espaciais como seres humanos e nos permitem desenhar, demarcar e organizar o único espaço físico que a humanidade tem como ponto em comum: a Terra. Tanto a luta pela demarcação de territórios como sua imposição têm sido objeto de conflitos violentos no decorrer da história. Até hoje, o nosso Brasil é repleto de exemplos disso. Contudo, mapas também têm outra função: a de guia.
Num contexto em que poder nacional não está mais relacionado a estratégias de colonização territorial, quais serão os fatores que trarão mais oportunidades para alguns países, e desafios para outros? Diante de um futuro incerto provocado pelas ameaças climáticas, como dividiremos essa terra que continua sendo a única proposta viável de vida? No meio de tanta polarização, como saberemos por onde caminhar enquanto nação? O mapa de produtividade primária apresenta uma solução. Nele, o Brasil surge imenso. Verde. Abundante.
Mapa da Produtividade Primária

O mapa da produtividade primária mostra o mundo através da simbiose de luz, água e solo – ou seja, fotossíntese, elemento que define o crescimento de alimentos (plantas) e da nossa infraestrutura florestal (serviços de absorção de carbono, ar limpo e chuvas). Diferentemente dos mapas tradicionais, que delimitam as fronteiras entre água e terra e priorizam quantidade, este é um mapa que preza pela qualidade do solo, apresentando quanto cada país produz de vida na Terra – com duas implicações relevantes.
Implicação estratégica
A primeira delas é a estratégica. A ONU estima que até 2050 – ou seja, ao longo dos próximos sete mandatos presidenciais – a população global chegará a quase 10 bilhões de habitantes. A densidade dessas populações se concentrará mais na Ásia e na Europa, que, por sua vez, aparecem menores no novo mapa por conta de sua baixa produtividade primária. Essa dicotomia acarretará, por exemplo, o aumento drástico das importações de alimentos. Muitas dessas mesmas regiões também sentirão as ameaças climáticas profundamente (a Índia, por exemplo, é o pais que mais duramente deve ser atingido no mundo). Isso gera uma demanda histórica para o Brasil e uma responsabilidade com que ele terá de lidar: providenciar a produção de alimentos, bem como a conservação e o reflorestamento da Amazônia para combater as ameaças climáticas.
Usando uma analogia (apesar de uma analogia que remonta a conceitos ultrapassados), a história dos últimos dois séculos é frequentemente contada a partir da história do petróleo. O petróleo tem sido o maquinário de desenvolvimento para alguns países, e uma fonte de conflito para outros – justamente pela escassez e pela dependência dessa commodity no mundo. As dinâmicas de um futuro de economia verde e crédito de carbono não serão diferentes. Como o mapa bem mostra, haverá polos de produção de vida no mundo, dos quais o Brasil é o mais relevante. Independentemente das crenças do governo atual (ou dos próximos), o jogo geopolítico virá. Quem definirá se desfruiremos de desenvolvimento – ou sofreremos com conflitos – somos nós, brasileiros.
Implicação econômica
A outra frente é a econômica. Quando o escritor William Gibson cunhou a frase “o futuro já chegou – só está mal distribuído”, este mapa não existia ainda. Talvez hoje teria sido “o futuro já chegou – só que está mal distribuído no Brasil”. Estamos sentados em cima da maior reserva de recursos naturais (desta vez, flora e fauna), que, além de ter um enorme potencial em mercados de carbono, proporciona, com sua biodiversidade, novas frentes em pesquisa e inovação, sobretudo na promissora área de bioeconomia. Da mesma forma que o Vale de Santa Clara, na Califórnia, se tornou o Vale do Silício, polo tecnológico de produção e gerenciamento de informação, a Bacia Amazônica, seguindo o novo mapa, poderá se tornar a “Bacia do Carbono”, polo tecnológico de produção e gerenciamento de vida.
Essa imensidão verde no novo mapa, transbordando as demarcações dos mapas tradicionais, deveria estar presente em todas as salas de aula, planos de governo, outdoors de publicidade – até (talvez, principalmente) nos papos de boteco. Hoje, não tratamos nem do mapa, nem do tema. Ignoramos ambos – e, assim, ignoramos o futuro.
Atenção permanente
Diferentemente dos mapas tradicionais, o novo mapa de produtividade primária não é estático. A capacidade de produção primária, de fotossíntese e, assim, de vida, é mantida somente quando não destruímos e/ou desgastamos a infraestrutura florestal que proporciona essa riqueza. A cada minuto – tempo para se desmatar área equivalente a um campo de futebol apenas na Amazônia, sem contar outros biomas tais como o Pantanal, o Cerrado e a Mata Atlântica –, nossa abundância diminui. Cientistas dizem que, em determinado momento no futuro próximo, caso continue o desmatamento, as florestas chegarão a um ponto de inflexão, sem retorno – que tornará a imensidão verde da Amazônia em savana. O Brasil ficará pequeno, até sumir do mapa de vez.