O jovem reformista e liberal que assumiu a presidência da França há três anos desapareceu. Macron se mostrou adepto do intervencionismo estatal e árduo defensor do corporativismo governamental, trabalhista e empresarial francês. De olho no pleito de 2022, Macron suspendeu reformas indispensáveis para modernizar e revigorar a França.
A metamorfose do presidente da França, Emmanuel Macron, é algo estarrecedor. Desapareceu o jovem político que chegou a presidência da República em 2017 mobilizando os jovens e empolgando o País no seu movimento de renovação política, Em Marcha!.
Macron está cada vez mais parecido com um autocrata senil. Seu ímpeto para reformar a França, abrir a economia e enfrentar o corporativismo que drena a capacidade de inovar, empreender e competir do País, esmoreceu após a onda de manifestação dos “coletes amarelos”, que paralisou a França no fim de 2018.
Macron não aguentou a pressão. Entrincheirou-se no palácio presidencial e suspendeu as reformas fiscais e sociais indispensáveis para modernizar e revigorar País.
A manutenção do poder
De olho nas eleições presidenciais em 2022, Macron abandonou as reformas para defender o corporativismo. A máscara do jovem presidente reformista caiu. Restou a verdadeira feição de um líder do establishment incapaz de enfrentar o corporativismo para modernizar a França.
Na semana passada, Macron disse que comprar soja do Brasil é contribuir para o desmatamento da Amazônia. Além de uma declaração mentirosa e irresponsável, Macron mostra claramente que está disposto a fazer de tudo para cortejar o setor agrícola francês e assegurar o voto dos ruralistas em 2022.
Em seguida, Macron agiu como verdadeiro autocrata ao impedir a venda de uma empresa privada, o grupo Carrefour, para um grupo canadense, Couche-Tard. O Carrefour recebeu uma oferta de 20 bilhões de dólares que levou os principais acionistas do grupo a estudar a oferta. Mas o ministro da Fazenda da França, Bruno de La Maire, vetou a venda dizendo que “a soberania alimentar” do País estaria em risco. Nada mais falso. A venda do Carrefour representa 20,5% do mercado alimentício. Ademais, o grupo canadense não pretende acabar com o negócio do Carrefour no seu maior mercado, que é justamente a França.
O que está por trás do discurso do governo sobre a “soberania alimentar” é algo mais grave.
Primeiro: o governo, eleito defendendo a economia de mercado, mostrou que é adepto ao intervencionismo estatal na economia. Dessa forma utiliza o mesmo argumento nacionalista empregado pelos governos autocratas da Rússia e Turquia para controlar as empresas privadas. De um lado, oferece benefícios e privilégios para as empresas nacionais; do outro, tem o poder de interferir em negócios privados e impedir a venda de uma empresa.
Segundo: demonstra a falta de escrúpulo do governo em distorcer dados e fatos para proteger o capitalismo de Estado francês, que é dominado por um conluio do corporativismo governamental, trabalhista e empresarial.
Terceiro: retrata que Macron, o ex-reformista liberal, vai disputar o pleito de 2022 como o defensor do establishment e do corporativismo.
Nas palavras do ex-presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, “se quiser testar o caráter de uma pessoa, dê a ela o poder”. A metamorfose de Macron ilustra com precisão a frase desse grande estadista.
Bazar | Curadoria de conteúdo
NA FOLHA. Marcos Sawaya Jank | Macron e a falácia da autossuficiência em soja
“A proposta de autossuficiência europeia em soja é uma grande falácia, pelos seguintes motivos:
1 – a cadeia da soja é um dos melhores exemplos de alocação eficiente de recursos no comércio internacional. O comércio de soja responde por metade da produção global, índice bem superior ao observado em outras commodities —em geral, é menos de 30%. Três países —Brasil, EUA e Argentina— concentram 81% da produção e 87% das exportações, graças à sua notória eficiência;
2 – o Brasil é o maior e o melhor produtor mundial. Nossa produtividade média alcança 3.400 kg/hectare, 25% superior à obtida pela França, China (+70%) e Rússia (+100%);
3 – nossos competidores produzem uma safra por ano. Aqui fazemos duas safras sobre a mesma área, sem irrigação. Ou seja, além de 3.400 kg/ha de soja na primeira safra, conseguimos tirar outros 5.400 kg/ha de milho. Aumentar a produtividade agropecuária é o principal vetor para reduzir desmatamento futuro. A experiencia tropical brasileira é única;
4 – o principal produto que os europeus importam do Brasil é o farelo de soja, usado como ingrediente proteico para alimentação animal. A soja brasileira é a mais rica do mundo em teor de proteína, principalmente nas áreas de cerrado.” Leia a íntegra do artigo na Folha de S. Paulo.