Desequilíbrio fiscal e aumento da dívida pública significam menos investimento, renda e emprego. O desarranjo nas contas públicas não pode perdurar. Se não for esvaziada nem desidratada pelo Senado A PEC Emergencial viabilizaria o auxílio emergencial e seria o primeiro passo para dar fim à insanidade fiscal.
Estamos na primeira semana de março. Em breve chegará ao fim o primeiro trimestre do ano e o País ainda não tem o Orçamento de 2021. Não pode contar também com uma definição sobre a prorrogação dos pagamentos do auxílio emergencial (o chamado coronavoucher), bem como não há um plano coerente para reduzir o rombo nas contas públicas. A indiferença do governo e a falta de urgência das lideranças no Congresso aprofundam a cada dia a crise dupla, na saúde e na economia, mas Brasília continua com outras prioridades.
O governo indicou que deverá propor a extensão do coronavoucher por quatro meses, no valor de R$ 250 ao mês por pessoa, chegando a 45 milhões de beneficiados. O custo estimado da medida é de R$ 34,2 bilhões. A negociação em torno da política assistencial deveria ser oportunidade para aprovar as medidas de austeridade fiscal e, assim, impedir o avanço exponencial da dívida pública. Nesse ponto, contudo, as conversas emperram. Os congressistas são rápidos em dizer sim para novos gastos, mas fogem da necessidade de aprovar contrapartidas no lado das despesas. A inação em políticas de ajuste financeiro tem custos maiores do que os aparentes: ela cria incertezas no cenário econômica e retarda a retomada do crescimento.
Cenários da dívida pública
Uma análise dos riscos envolvidos está na mais recente edição do Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente (IFI). De acordo com a IFI, os gastos totais decorrentes da covid-19, incluindo despesas sanitárias e o coronavoucher, deverão superar R$ 64 bilhões neste ano. Há o risco de estouro no teto de gastos. O déficit fiscal primário do setor público deverá ficar ao redor de R$ 250 bilhões. Esse rombo, grosso modo, transforma-se em cargo adicional sobre a dívida pública. Apenas em 2030, quem sabe, o governo voltará ao azul, o que significa que, até lá, o endividamento provavelmente permanecerá em alta.
São três cenários considerados pela IFI. No mais otimista, o governo e o Congresso aprovariam reformas fiscais, a vacinação seria acelerada e o crescimento do PIB ganharia tração. As contas públicas voltariam ao azul em 2025. Assim, poderia ocorrer uma diminuição da dívida do governo, que entraria em trajetória de queda depois de ter atingido o pico neste ano, alcançando o equivalente a 91% do PIB. No cenário pessimista, a dívida permaneceria em forte alta, superando 100% do PIB em 2023 e batendo em 135% do PIB em 2030. País em desenvolvimento nenhum do mundo suporta isso, seria crise na certa. No cenário base, tido como o mais provável, a dívida passará dos 100% do PIB em 2028. Vale lembrar que nos países emergentes semelhantes ao Brasil o endividamento público raramente supera os 50% do PIB, porque são economias com histórico de instabilidades e com dificuldades para se financiar.
A PEC não pode ser esvaziada
A Proposta de Emenda Constitucional 196, a PEC Emergencial, seria votada no Senado na semana passada, mas divergências com relação às contrapartidas adiaram a apreciação do texto. Uma nova tentativa deverá ocorrer nesta semana, possivelmente amanhã, quarta-feira 3 de março. Se passar no Senado, em dois turnos, seguirá para a Câmara. A urgência em reestabelecer o Auxílio Emergencial tem levado muitos políticos a propor o fatiamento da PEC: vota-se a extensão do coronavoucher agora e depois, um dia, quem sabe, discute-se as contrapartidas. É uma temeridade risco. Historicamente, em situações semelhantes, as contrapartidas quase nunca são aprovadas ou acabam sendo esvaziadas.
Como indicou uma nota técnica do Centro de Liderança Pública (CLP), a economia estimada como a versão original da PEC seria de R$ 78 bilhões ao longo da próxima década, como mostrou a reportagem PEC Emergencial é o início da sanidade fiscal. Na versão esvaziada, a economia foi reduzida para R$ 35 bilhões. Se os instintos corporativistas ganharem terreno, o texto será ainda mais diluído.
O custo de alta dívida pública
Há gente que faz pouco caso da dívida pública. Dizem que, como a maior parte da dívida pública está denominada na moeda brasileira e a dívida externa deixou de ser problema, não existe mais o risco de insolvência como no passado. De fato, a situação hoje é mais administrável do que era nos tempos de pesado endividamento em dólares, quando, em momento de crises financeiras, o País viu-se obrigado a recorrer a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e, eventualmente, decretar o calote unilateral da dívida. É algo que, recentemente, ocorreu na Argentina. O Brasil, felizmente, afastou-se desse risco. Mas não é verdade que o aumento da dívida pública, mesmo com o endividamento sendo quase todo em moeda nacional, possa ocorrer impunemente. Caso a dívida fuja do controle há, sim, consequências severas para a economia – e elas já começam a ser sentidas.
O esgarçamento da confiança com relação ao cenário fiscal traz dúvidas sobre o futuro da economia, o que se reflete na menor disposição dos investidores em comprar títulos da dívida brasileira. Os efeitos são o aumento dos juros de mercado, cujo reflexo será a piora nas condições de crédito para o setor privado. Além disso, o maior nível de incerteza e a menor entrada de capitais externos empurram a cotação do dólar para cima. A inflação tende a subir. Os preços no atacado, a propósito, registraram uma alta acima de 30% no ano passado. Cedo ou tarde, a remarcação chegará ao varejo, caso a deterioração das expectativas não seja revertida.
O desequilíbrio fiscal e o aumento da dívida significam menos investimentos produtivos, menos empregos, menor poder de consumo para a população e menor crescimento econômico. Não se pode ter ilusão de que a disparada no endividamento do governo será algo impune. É urgente deixar a desfaçatez de lado. O desarranjo nas contas públicas não pode perdurar. A PEC Emergencial é o primeiro passo para dar fim à insanidade fiscal, mas, para tanto, ela não pode for esvaziada nem desidratada. A intervenção na Petrobras já fez um estrago considerável na credibilidade da equipe econômica. Sem reformas profundas e um plano para a retomada econômica, a credibilidade do governo continuará se esvaindo.