A reforma administrativa ataca diretamente três questões básicas para o desenvolvimento do País: justiça social, sustentabilidade das finanças públicas e produtividade econômica. Sem ela, portanto, o Brasil será mais injusto, terá uma dívida pública crescente a caminho da insustentabilidade e será muito menos produtivo. Não há mais como adiar essa reforma.
O governo insiste em adiar a reforma administrativa. Prevista para chegar ao Congresso neste ano, já se fala em deixá-la para 2021. A explicação seria o congestionamento da agenda política, por causa da reforma tributária e das eleições municipais.
Enquanto posterga a reforma administrativa, o governo sonda os humores sobre a possível recriação da famigerada CPFM, o antigo imposto do cheque e que agora poderá ser repaginada como imposto sobre transações financeiras. É um contrassenso. No lugar de, antes, seguir uma dieta de reeducação fiscal para caber dentro daquilo que arrecada, o governo flerta com a tentação de seguir a rota fácil de tascar uma carga adicional de tributos sobre o setor privado – que é, não esqueçamos, o que gera a riqueza da nação.
Aumentar impostos apenas dará fôlego temporário ao governo. As causas estruturais da baixa eficiência pública permanecerão intactas. Como afirma o estudo A reforma do RH do governo federal, coordenado pelos economistas Ana Carla Abrão e Armínio Fraga e também pelo jurista Carlos Ari Sundfeld. Os ajustes na estrutura do funcionalismo devem ser norteados por três dimensões: a melhoria da qualidade dos serviços públicos, o aumento da produtividade e a consolidação fiscal.
Justiça social
Enquanto as empresas e as famílias fizeram pesados ajustes nos últimos anos de crises sequenciais, o setor público continuou inchando e roubando para si uma parcela cada vez mais gorda do PIB. No governo federal, houve uma alta de 28% no número de servidores ativos entre 2003 e 2016. O total já passa de 1,2 milhão de pessoas, como mostra o estudo. A soma do quadro total de funcionários das dez empresas brasileiras que mais empregam não chega à metade do total empregado pelo governo federal – e os salários públicos são na média bem mais elevados.
Também entre 2003 e 2016, o total gasto com o funcionalismo federal subiu 56%, depois de uma alta expressiva nos anos do governo do PT.
O número total de servidores existentes no País, quando se observa os indicadores de outros países, não é desproporcional. A desproporcionalidade brasileira está nos vencimentos recebidos pelo funcionalismo. O que pesa também aqui são as aposentadorias e pensões generosas.
Assim, o gasto total em relação ao tamanho da economia chega a ser superior ao da França e ao da Suécia, e os serviços prestados não lembram nem de longe os dos franceses e suecos, dois países famosos pela generosidade de seus estados de bem-estar social. Mas no que diz respeito à qualidade dos serviços, o setor brasileiro aparece mal nas comparações internacionais.
Um dos empecilhos para aprimorar o atendimento da população é que, por causa da despesa excessiva com salários, faltam recursos para investir em treinamento e tecnologia. Dessa maneira, diminui a eficiência do serviço prestado e o setor público acaba derrubando a produtividade do país como um todo.
Quando se observa a evolução dos salários pelos poderes, o que chama a atenção é o Judiciário, como revela uma análise feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Nas duas últimas décadas, dobrou o valor médio recebido por juízes, procuradores, promotores e advogados públicos, além dos demais servidores da Justiça. Eles representam a elite da elite do funcionalismo. Nos outros poderes, os aumentos foram mais contidos.
As discrepâncias tendem a se alargar na atual crise. Uma análise feita pelo economista Daniel Duque, tendo como base os dados disponíveis até aqui, revelou que os empregados na iniciativa privada receberam em junho 21% a menos do que ganhavam antes da pandemia e trabalharam 25% menos horas. Para servidores públicos, a redução salarial foi de apenas 3% — e a carga de trabalho, 29% menor.
Sustentabilidade das finanças públicas
Uma análise do Instituto Fiscal Independe (IFI) concluiu que o setor público teria poupando R$ 32 bilhões entre 2013 e 2018, caso os vencimentos do funcionalismo tivessem acompanhado os valores da inciativa privada.
Em outro estudo, o Centro de Liderança Pública (CLP), estimou que poderia haver uma economia de R$ 60 bilhões em quatro anos, se fosse feita uma reforma na estrutura de carreira para os novos servidores. Isso porque hoje os funcionários públicos possuem salários muito elevados no início da vida profissional, na comparação com funções análogas no setor privado.
A proposta do CLP envolve, entre outras medidas, a redução de carreiras (hoje são mais de 100 categorias e mais de 250 tabelas salariais), restrições a promoções aceleradas e a diminuição do salário inicial de algumas funções. Há muito a ser economizado, portanto, antes de impor mais tributos à população.
Como produzir mais com menos
Parte importante da reforma administrativa é racionalizar as ocupações e criar critérios de mérito e desempenho para as progressões na carreira. Como já disse uma reportagem do Virtù News, a reforma precisa se escorar em quatro vigas:
- Estabelecer critérios de desempenho para demitir servidores incompetentes;
- Acabar com a promoção automática de carreira, por tempo no cargo, e não de acordo com seus resultados e méritos;
- Estabelecer critérios claros de recrutamento e de avaliação para os cargos de confiança, restringindo a nomeação baseada em critérios políticos;
- Reduzir o número de carreiras, dando mais flexibilidade para mudança de funções e coibindo o corporativismo.
Mas a reforma não se trata apenas de cortar gastos. Ela é necessária também para motivar os próprios servidores. Eles precisam ser treinados e ter acesso às melhores tecnologias de suas áreas de atuação.
Em 2019, o gasto com funcionalismo consumiu perto de R$ 1 trilhão, somando a União, os Estados e municípios. Isso equivale a 40% de tudo o que foi arrecadado em tributos ao longo do ano em todo o País.
Chegou a hora de o funcionalismo caber nos impostos arrecadados, em vez de os impostos serem adaptados ao aumento do gasto com o funcionalismo. A reforma administrativa é urgente para termos um país mais justo, com as finanças públicas equilibradas e uma economia mais produtiva.