A reforma administrativa cuida de três questões essenciais ao desenvolvimento do País: justiça social, sustentabilidade das finanças públicas e produtividade econômica. Sem ela, o Brasil será cada vez mais mais desigual. Não há mais como adiar essa reforma.
O governo brasileiro custa muito e produz pouco. Assim como uma empresa ineficiente e anacrônica, o setor público precisa fazer ajustes para aumentar a sua produtividade e oferecer melhores serviços aos cidadãos. Terá que reavaliar processos, rever a sua organização e incentivar o desempenho de seus colaboradores. É aí que se insere a reforma administrativa, que começa, finalmente, a ganhar a devida atenção no debate público.
Num país cheio de carências como o Brasil, cabe ao governo cumprir um papel essencial na redução de obstáculos ao desenvolvimento e na diminuição das desigualdades. Deveria ser assim, mas não é. Muito se fala da falta de recursos para políticas públicas. É verdade: mais dinheiro poderia ajudar. Mas é verdade também que seria possível fazer muito mais e melhor com o total arrecadado pelo governo atualmente. A carga tributária, equivalente a 33% do PIB, já é uma das maiores entres os países em desenvolvimento. Quando se soma o déficit público, o total absorvido pelo governo do setor privado, na forma de impostos e aumento de sua dívida, ultrapassa 40% do PIB ao ano — nível europeu, com produtividade padrão Brasil.
A reforma administrativa foi um dos temas prioritários da cobertura do Virtù em 2020. Foram análises e reportagens que delinearam os principais objetivos da reforma, os resultados a serem alcançados e, também, as resistências a serem vencidas. Não será um projeto fácil de ser aprovado. A elite dos servidores, além de profundamente corporativista, mantém uma influência muito grande sobre os políticos. Uns dependem dos outros. Essa trama de interesses que sabotam o país só será superada se houver pressão da sociedade civil.
As vigas centrais da Reforma
No editorial As quatro vigas das reforma da reforma administrativa, Virtù elencou aqueles que deveriam ser os princípios básicos para orientar o projeto: estabelecer critérios de desempenho para demitir servidores incompetentes; acabar com a promoção automática de carreira; estabelecer critérios claros de recrutamento e de avaliação para os cargos de confiança; e reduzir o número de carreiras no serviço público.
Hoje impera o protecionismo de carreiras e funções, as promoções automáticas por tempo de serviço independentemente do mérito, a falta de avaliação e a falta de adaptabilidade. Os bons servidores acabam perdendo o ânimo para serem mais criativos e produtivos. É um arranjo institucional que mina a eficiência da máquina pública. Por isso, como afirmou outro artigo do Virtù, a reforma deve focar na valorização dos bons servidores.
Haverá também um impacto positivo para as finanças públicas, como analisou Virtù em ’Reforma administrativa ou penhasco fiscal?’. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou que a economia pode passar de R$ 80 bilhões ao ano, se forem seguidos critérios como a revisão de salários iniciais dos funcionários e a reposição de aposentados. Trata-se de dinheiro suficiente para dobrar programas assistenciais como o Bolsa Família.
Em Portugal, até pouco tempo atrás, a situação era bem parecida com a brasileira. O setor público estava inchado, com salários mais elevados do que o da iniciativa privada, e regras bem distantes das que existem nas empresas. Depois da crise de 2009, quando o país correu o risco de ser expulso do euro, houve uma mobilização nacional que tornou possível a aprovação da reforma.
Artigo do Virtù tratou das lições da reforma portuguesa para o Brasil. Os ajustes portugueses envolveram uma redução drástica no número de carreiras, com a criação de incentivos à flexibilidade adaptativa dentro das funções no serviço público. Chegaram ao fim as promoções automáticas, e o quadro de funcionários começou a ser enxugado por meio de uma queda na reposição de pessoas que se aposentavam. Os ajustes contribuíram para a redução do endividamento português, o serviço público ganhou produtividade e o país voltou a crescer.
Virtù Talks
A reforma administrativa foi tema de entrevistas com alguns dos maiores especialistas do país no assunto, alguns dos quais trabalhando diretamente nas propostas de renovação. É o caso da economista Ana Carla Abrão. Ao lado do jurista Carlos Ari Sundfeld e do economista Arminio Fraga, ela coordenou o estudo A Reforma do RH do Governo Federal.
Em uma de suas conversas com o Virtù, Ana Carla analisou a necessidade da reforma para aprimorar a qualidade dos serviços públicos, que, apesar dos gastos elevados, figuraram mal nos comparativos internacionais. Em outra entrevista, a economista comentou a proposta de reforma apresentada pelo governo. Na opinião dela, a iniciativa foi um fato positivo para deslanchar o debate, mas o projeto do governo é tímido e insuficiente: vale apenas para os novos servidores e deixou diversas categorias de fora.
O debate terá que amadurecer no Congresso. Desse ponto de vista, vale destacar o papel da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, empenhada em fazer essa agenda avançar em 2021. Virtù entrevistou o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), o presidente da Frente. Na conversa, Mitraud explicou a abrangência necessária para a reforma cumprir os seus objetivos centrais e quais os possíveis impactos para o país.
Outro entrevistado que tratou do tema foi o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung. De acordo com Hartung, tendo em vista o tamanho do Estado na economia brasileira, é essencial ter um governo mais eficiente para elevar a produtividade. Responsável por ajustes profundos no setor público capixaba quando foi governador, Hartung afirma que apenas com muito diálogo e negociação será possível vencer as resistências e conquistar a aprovação da reforma administrativa.
Diálogo é o nome do jogo. Foi assim com a reforma da Previdência, e assim terá que ocorrer com a administrativa. Apenas com muita negociação política, em meio a um debate transparente com a sociedade, haverá a oportunidade de construir o consenso em torno de um texto que possa ser votado e aprovado.
O setor privado está cansado e sufocado. Não suporta pagar mais impostos. O governo precisa usar melhor os recursos e ser mais produtivo. A aprovação da reforma administrativa seria uma ótima notícia para a retomada econômica pós-pandemia.