A nova proposta para o BPC é boa para quem precisa e para ao país.
Nenhum programa de combate a pobreza do Estado brasileiro tem gastos próximos ao Benefício de Prestação Continuada, o BPC. Suas despesas superaram R$ 57 bilhões em 2019, mais ou menos o dobro do gasto com o Programa Bolsa Família. Nas últimas semanas, converteu-se na trincheira predileta de quem denuncia a Nova Previdência como maldade antipobre.
A tese é sedutora porque o programa atende quem não pode trabalhar e tem renda familiar per capita até 25% do salário mínimo. Mais de metade dos beneficiários é portador de deficiência, mas o público mais afetado pela Nova Previdência recebe um salário mínimo a partir dos 65 anos.
É perigoso aderir a rótulos sem compreender o que motivou a proposta do governo. Uma reforma sem o BPC muda pouco o déficit fiscal, mas implica em graves distorções de incentivos: o trabalhador pobre seria severamente punido por contribuir para a previdência social, um bom comportamento que deveria ser incentivado. A solução proposta pelo governo merece mudanças, mas tem sido demonizada sem análise cuidadosa.
Ainda que o BPC seja excluído da reforma, como preveem os analistas, é importante entender o que estamos empurrando com a barriga.
Por que o BPC aumentou expressivamente nos últimos anos
O gasto com o BPC aumenta ano a ano. Desde 2006, ele cresceu 248% em termos reais e 69% como porcentagem do PIB. Além do número de idosos ser maior, técnicos como Paulo Tafner (IPEA) e Daniel Couri (Senado) consideram que a principal razão para o aumento é a vinculação do benefício ao salário mínimo. No embalo de generosos reajustes desde o Plano Real, o BPC cresceu junto.
A proposta de Guedes para o BPC
A principal mudança proposta não atinge portadores de deficiência. As novas regras alterariam a idade de acesso e valor do benefício. O BPC seria pago a partir dos 60 anos, 5 a menos do que o exigido na regra atual. Por outro lado, benefício cairia para 400 reais entre 65 e os 69 anos. A partir dos 70, o valor subiria para um salário mínimo.
A mudança é boa para quem precisa
Uma das críticas contra a nova regra sugere que o beneficiário típico do BPC morre antes dos 70 anos. Portanto, jamais chegaria a receber um salário mínimo completo. Não é verdade: em média, o brasileiro que alcança os 60 anos consegue superar também os 80. E mesmo que verdade fosse, seria um argumento a favor da mudança. Quem está fadado a morrer antes dos 70 – pode soar macabro, mas é banal – perde muito se espera até os 65 para receber o primeiro BPC.
O recebimento de apenas 400 reais nos 10 primeiros anos do benefício também gerou polêmica. À Toa. A nova regra pode até aumentar o valor recebido pelo beneficiário. Tudo depende da taxa que vai corrigir os descontos no decorrer tempo.
“Eu acredito que adiantar para os 60 anos melhora o bem-estar pra quem cada real faz uma diferença gigantesca.” Paulo Tafner
Para comparar valores recebidos no decorrer de vários anos, é preciso uma taxa de desconto que corrija os recebimentos ao longo do tempo. Cada agente econômico tem uma taxa de desconto. Quanto mais desesperado o agente está para receber o dinheiro rapidamente, maior será a sua taxa.
É um erro vincular o BPC ao salário mínimo
A Constituição de 1988 vinculou o BPC ao salário mínimo. Isso prejudicou o País social e fiscalmente falando.
“Do ponto de vista fiscal, a vinculação ao salário mínimo prejudica ainda mais o País.”, Daniel Couri.
O Brasil é o único país do mundo que tem um benefício assistencial de combate à pobreza na terceira idade equivalente ao salário mínimo. Aliás, o BPC é o único programa social brasileiro que faz isso. Bolsa Família não faz. Nem tabela do SUS, vale-gás e diversos outros programas voltados à população mais pobre.
O BPC também é o único programa que está na Constituição. Bolsa Família não está. Todos eles. Estar fora da Carta traz a flexibilidade necessária à eficácia dos programas de combate à pobreza no Brasil.
Somadas, a prioridade constitucional e a vinculação ao salário mínimo geram um desequilíbrio na política social brasileira. Ela é muito eficaz entre pobres idosos e tem baixíssima potência entre crianças pobres. Os beneficiários do BPC, segundo estudos, geralmente não moram com seus filhos.
É a falta de articulação política que prejudica o idoso e o deficiente
A aprovação das mudanças no BPC parece pouco provável a curto prazo. Sobra resistência do Congresso e da sociedade. É uma pena, porque seria possível reformar o BPC corrigindo incentivos e melhorando o bem-estar do beneficiário e sem gastar muito mais. Mas a falta de articulação do governo prejudica a discussão pelo bem comum.
“É possível reformar o BPC, mas esse é momento de enorme acirramento político”, Paulo Tafner
BPC é injusto com quem contribui
O que está em jogo quando se avalia um programa de Bem-Estar Social não é economia. É saber se ele é eficaz ao que se propõe. Sem mudança no BPC, o Brasil estará premiando o comportamento não-contributivo.
“É uma questão de justiça social”, Paulo Tafner
Caso a reforma passe sem o BPC, um trabalhador pobre que contribuiu para o INSS receberá um salário mínimo a partir dos 65 anos. Ou seja, a aposentadoria mínima seria igual ao BPC, em valor e idade mínima.
Além de se prejudicar por um comportamento bom (contribuir para a previdência), o cônjuge de quem contribui pode ultrapassar a renda familiar máxima prevista nas regras de acesso ao BPC. Já o cônjuge de quem recebe BPC também pode receber um BPC, pois benefícios assistenciais não entram no cálculo da renda familiar máxima nas regras do programa.
O BPC não deveria ser tratado dentro da reforma previdenciária. Ele pertence ao campo da escolha política e do desenho para o Estado de Bem-Estar Social brasileiro.