A quarta via é a constituição de uma ordem republicana em que as pessoas compreendam naturalmente seus respectivos papéis na realidade política do País. A quarta via é a consciência, o resultado é uma tentativa de resgate da política, feita por políticos
Artigo de Humberto Dantas
Estou rodando o interior do Paraná. Cidades ricas, prósperas e baseadas no agronegócio em boa parte dos casos. Fácil demais entender o que faz com que um cidadão empreendedor que vive de exportação, ou de alimentos inflacionados, admire tanto Bolsonaro. Se falarmos de gente que teve estudo de menos e trabalho demais, e essa labuta tiver se transformado em dinheiro abundante, aí vai ficar ainda mais simples entender. Não estou dizendo que admiro esse sujeito, tampouco que estou com ele, mas consigo o entender. Some a isso tudo o fato de que esse sujeito é rústico como o titular do Planalto. Pronto. A conta fecha. Conservadorismo, piadas sexuais, grosseria, adoração por carro, futebol, pesca e churrasco. Nem todos que gostam disso tudo são bolsonaristas, mas as probabilidades aumentam. O estereótipo está montado.
Faz alguns anos, enquanto eu era comentarista na Rádio Estadão, também repetia que entendia o que fazia um sujeito votar no PT. Bastava ir às periferias de São Paulo, e visitar o Nordeste naquele instante e dez anos antes. A conta fechava, e frequentador do Nordeste desde 1977 e professor nas periferias da Grande São Paulo desde 2001, fiz a conta e entendi o resultado. Mérito ou não de Lula e de sua turma, conjuntura favorável ou resultado do governo, não importa: o brasileiro elevou seu padrão de vida. E isso foi generalizado. Tanto que tem gente morrendo de saudades.
As duas principais vias da política hoje não existem à toa. Não é difícil entender por que as pessoas gostam de um ou de outro – muitas talvez gostem dos dois. Diversas outras variáveis entram nessa conta, e o que faço aqui é um exercício simplório de observação para chegar à provocação maior. Mas quando somamos as intenções de voto em Lula e em Bolsonaro, chegando a cerca de 70% dos votos, eu particularmente vejo que isso faz muito sentido se pensarmos com a cabeça de quem ganhou ou está ganhando.
Se sobram cerca de 30 pontos, o que acontece é esperado: sem um dono pra essa fatia do bolo, vai sobrar boca e faltar recheio. Muito político, cercado de aduladores que constroem fantasias alucinantes ou fazem cálculos para lucrarem com desistências, se apresentará ao eleitorado e aos mais críticos mostrará que carrega consigo duas anomalias mais ou menos presentes. A primeira é a miopia, a segunda a loucura. Sem enxergar bem e desalinhado do mundo, tudo parece possível. Não quero que essas pessoas se ofendam, e acredito severamente que tais aspectos alheios ao convencional vão ajudá-las com o caráter intrépido de enfrentar um Lula e um Bolsonaro nas urnas. A questão, no entanto, é: dá pra vencer? Os ousados vão dizer: sim. Quem era Bolsonaro em 2017? O que Lula mudou para ganhar em 2002? Menos… Bem menos. O mundo não é assim. Lula e Bolsonaro são filhotes de duas conjunturas perfeitas, a de 2002 que favoreceu o petista e a de 2018 que beneficiou o militar. Foi isso, mas também recursos, estratégias perfeitas, a crença de ambos em seus projetos, a capacidade de arrebanhar gente, um tanto de loucura e outro bom bocado de miopia. Tá lá.
Assim, a terceira via tem que acreditar. E não será qualquer um que terá como se arrogar esse apelido. Nanicos dificilmente serão. O Pimenta da esquerda ou o Eymael, por exemplo, provavelmente vão morrer tentando. Não é desses que estamos falando. O Ciro Gomes, e seu perfil desagregador talvez também esteja longe disso – o talvez da frase eu credito à minha bondade. Improvável que o mundo resolva olhá-lo a partir de uma perspectiva tão diferente daquela de outros carnavais. Assim, a terceira via é alguém que deseja ser, sem sabermos ao certo quem ela será. E quando isso estiver decidido talvez ela seja viável, para 2026. Será? Não dá mesmo tempo? O lance tem que ser certeiro, absoluto, e preciso demais. Mas perceba: se ela vingar e se alavancar, será artificial, forjada, construída de um modo a decodificar o que uma parte atomizada e dispersa do eleitorado quer. Será que existe discurso capaz de arrebanhar isso tudo? Estratégia? Campanha? Tempo? Estrutura? Dinheiro? Não sei, mas existe algo interessante nisso tudo: esperança, fé e desejo de alguns. E aqui está o ponto central: de que jeito? Infelizmente do mesmo de sempre: precisamos achar alguém que nos SALVE da polarização, e muitos vão dizer que eleição é assim, a construção de uma esperança. Está bem. E lá vamos nós de novo atrás de um salvador da pátria. Com um detalhe: a peça vai precisar ser boa o suficiente para não espalhar os demais políticos que estão entre a super popularidade de Lula e a força oficial de Bolsonaro – a tal força da máquina.
Perfeito. Tá certo. E se a terceira via parece inviável, por que o título do texto apela para mais uma? A quarta via é a constituição de uma ordem republicana em que as pessoas compreendam naturalmente seus respectivos papéis na realidade política do País. Utopia pura… Mas fôssemos minimamente politizados e as alternativas seriam mais naturais. Lula e Bolsonaro incomodariam menos do que parece, Moro talvez sequer existisse, pois em repúblicas justiceiros oficiais não prosperam. Pseudo esquerdistas com semblante coronelista idem. E ainda menos a onda de milagres do gestor trabalhador que depois que abraçou a urna nunca mais a largou. E agora? Pois é: se não for o pai de cada brasileiro, tampouco o mito, será um terceiro. Terceiro milagre para um país que não cansa de construir narrativas fantasiosas e terceirizar esperanças. A quarta via é a consciência, o resultado é uma tentativa de resgate da política, feita por políticos, que contam com respeito. E não existe nada fora disso, a não ser fantasia.
Humberto Dantas é doutor em ciência política pela USP e pós-doutor em administração pública pela FGV-SP. Coordenador dos programas de educação do Centro de Liderança Pública – CLP.