É preciso estratégia para suavizar a transição entre o protecionismo atual e o Brasil aberto e globalizado que se impõe.
Há consenso sobre a urgência de se abrir o país ao comércio mundial. O Brasil é a terceira nação mais fechada do mundo. O Banco Mundial aponta que, com apenas 24% do PIB resultando do comércio com outras nações do mundo, o Brasil só é menos fechado do que o Sudão do Sul (22%) e o Burundi (23%). Estar ombreado com essas reconhecidas potências econômicas, tecnológicas e de justiça social diz muito sobre os malefícios de ter uma economia impermeável às correntes de riqueza que circulam pelo planeta. Se existe o consenso de que abrir a economia é uma necessidade básica, por que, então, temos sido desde sempre um país ostra, irmanado ao Sudão do Sul e ao Burundi no lado errado da via que conduz ao progresso sustentável e à paz social ?
Empresários e governos temem a abertura
A resposta não deveria ser, como efetivamente é, “por medo de ser feliz”. Simples assim. Da parte dos empresários , por temer a competição externa e pelo excesso de confiança malsã em resolver os problemas de competitividade de suas empresas com idas à Brasília em busca de privilégios. Da parte dos governos e economistas-ostras, por acreditar que os estrangeiros são sempre mais espertos do que nós e isso nos condena a perder riqueza toda vez que nos aventuramos a sentar à mesa de negociação com eles.
Resultado desse banzo tropical foi nos colocarmos na periferia dos grandes saltos de avanço civilizatório, nos encolhendo nos cantos, eternamente reféns de termos uma economia “baseada em monoculturas com preços definidos no exterior”, na definição do historiador francês, Fernand Braudel (1902-1985), em seu opúsculo póstumo “A Dinâmica do Capitalismo.”
É preciso estratégia para abertura econômica
Mas essa é a realidade que precisa ser mudada. O medo do novo tem que ser enfrentado com cuidados. Não se sai do protecionismo paternal para a abertura comercial sem salvaguardas temporárias. Paulo Guedes, ministro da Economia, definiu com clareza o desafio dessa transição: “Não se pode abrir a economia e mandar nossos empresários com bolas de ferro amarradas aos pés competir com os chineses.”
Precisamos de uma estratégia para suavizar a transição entre o protecionismo atual e o Brasil aberto e globalizado que se impõe.
A mudança de mentalidade mais urgente é ter estruturas de apoio às pessoas que arriscam perder seus empregos em setores incapazes de conviver com a dinâmica do fluxo externo de mercadorias e serviços.
Ao mesmo tempo é vital aliviar a carga de impostos e a burocracia custosa que pesa sobre os ombros das empresas brasileiras, as “bolas ferro” a que se refere o ministro Paulo Guedes.
Vencer o protecionismo e retomar a integração econômica
Um obstáculo adicional é a volta da mentalidade protecionista em muitos países que se declaram perdedores do processo de globalização, entre eles, os Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump. Se já era difícil abrir a economia brasileira quando a globalização parecia ser a receita única para a prosperidade das nações, imagine-se agora que os populismos nacionalistas de direita em várias partes do mundo aderiram à retórica do fechamento. O Brasil de Bolsonaro é uma saudável exceção, que acaba de costurar um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia.
O que está em jogo no debate brasileiro sobre política comercial é como suportar os custos de transição para colher os benefícios da abertura comercial. Ninguém ignora o ônus da abertura, por serem imediatos e pontuais, enquanto o bônus vem aos poucos, mas de forma duradoura e generalizada. Um estudo recente da Universidade de Chicago ouviu alguns dos mais reputados pesquisadores desse assunto em todo o mundo. O resultado é retumbante em favor da abertura comercial. Nada menos do que 95% do pesquisadores ouvidos no estudo disseram que os benefícios da integração econômica superam em muito os custos de transição do protecionismo rumo à normalidade do fluxo de riquezas que entram e saem de um país.
A transição: proteger pessoas e não empregos
Para aliviar os custos de transição, a resposta clássica dos governos tem sido editar medidas com o objetivo de proteger os empregos ameaçados pela competição de peito aberto com o mundo externo. O problema é que essas redes clássicas de proteção acabam anulando as vantagens da abertura da economia e o atraso local triunfa sobre o dinamismo que se desejava importar em benefício da maioria.
Para tentar evitar essa recidiva fatal, a alternativa que vem sendo defendida pela maioria dos economistas é a proteção das pessoas. Afinal, há alguém por trás de cada emprego ameaçado. Segundo essa tese, o ideal é deixar que o mercado defina quais empregos são essenciais o bastante para serem preservados e ajudar a reintegração dos donos de postos de trabalho vitimados pelo processo de abertura.
O modo mais comum de proteção às pessoas é o retreinamento. Um técnico de autopeças que perde seu emprego para a indústria alemã pode aprender rapidamente outro ofício. Seu conhecimento pode ser aplicado em outro setor que siga próspero na economia brasileira.
Este princípio já vem sendo aplicado em diversos países do mundo. Nos Estados Unidos, um órgão federal – TAA, ou Trade Adjustment Assistance (em livre tradução: assistência aos ajustes no comércio) – promove diversas políticas públicas visando suavizar os custos de transição da abertura comercial. Há ainda iniciativas municipais, como em Nova York.
O Brasil poderia seguir o mesmo caminho. A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, durante o governo Temer, fez um extenso estudo sobre os setores e regiões com maior vulnerabilidade aos efeitos de uma redução generalizada de tarifas. Comandado por Hussein Kallout, Carlos Pio e Carlos Góes, o estudo corta caminhos e vai facilitar enormemente o governo atual em suas políticas de atenuação das ondas de choque da abertura econômica.
Nova York e Detroit: um conto de duas cidades
Os Estados Unidos das últimas décadas serviram também como um laboratório do que fazer e do que não fazer para enfrentar os efeitos da abertura comercial.
De Nova York vem o bom exemplo. De Detroit, o mau.
Nova York focou em políticas públicas contra a criminalidade, com grande sucesso a partir dos anos 1980. Depois da turbulência, a cidade encontrou uma nova vocação investindo em suas universidades e na infraestrutura urbana, permitindo que a cidade se consolidasse como polo mundial de serviços.
Detroit tentou proteger sua indústria e evitar o inevitável. Derramou dinheiro público e isenções fiscais nas mãos de gestores públicos ineficientes. Cedo ou tarde, a indústria local morreu. A cidade morreu junto, sem dinheiro, com criminalidade e desemprego altíssimos e sem condições de bancar com os subsídios passados. Verba que poderia ter financiado a transição, protegido as pessoas, ajudando a cidade a sobreviver.
Nova York aceitou a mudança. Detroit tentou a todo custo manter o status quo. Fica a lição para o Brasil sobre qual é o caminho mais adequado.