Critérios para trazer lastro e sustentabilidade financeira necessários aos investimentos em startups
O mundo das empresas de tecnologia sofreu um abalo sísmico com o decepcionante IPO do Uber, Lyft e a tentativa fracassada abertura do capital do WeWork. As ações do Uber estão sendo negociadas 30% abaixo do preço de lançamento na bolsa e o Lyft, 40% abaixo. O que há em comum entre as três empresas? Elas perdem muito dinheiro e não há perspectiva de se tornarem lucrativas no horizonte próximo. Mas isso nunca foi, sozinho, empecilho para o sucesso de uma empresa no Vale Silício. A Amazon fez seu IPO em 1997 e só teve lucro 14 anos mais tarde, no ano passado. Depois de se tornar empresa negociada em bolsa em 2015, o Twitter demorou três anos para apresentar alguma rentabilidade. A Tesla, do visionário Elon Musk, fez IPO em 2010 e nunca soube o que é ficar no azul. O que mudou então? O capital anda arisco e os investidores fecharam a fonte do dinheiro fácil que financiava ideias criativas sem lastro.
Jessica Lessin, a influente editora da newsletter The Information – leitura obrigatória para aqueles que investem e que se interessam por empresas de tecnologia – descreveu os três pontos fundamentais que devem balizar os investimentos nessa nova fase de escolhas mais criteriosas de negócios
Fundadores resilientes
Escolha o fundador da empresa pelos motivos certos. É unanime a constatação do papel fundamental do fundador para fazer o negócio triunfar. Afinal, os dois únicos ativos de uma startup são o fundador e uma boa ideia. O problema é que a “grande visão” não é mais suficiente para garantir o sucesso. A qualidade fundamental, para transformar a “grande visão” num grande negócio é a resiliência; virtude essencial, mas até então pouco valorizada por investidores.
Bons aliados.
Construa boas relações. Quando se cria uma empresa, é preciso cultivar boas relações com investidores, com o mercado e com a mídia. A opinião favorável de um investidor importante ou uma notícia positiva em um veículo de prestígio podem ajudar a empresa atravessar os momentos difíceis e corrigir erros cruciais, como mudar o CEO da companhia.
Foco no DNA, não na escalada
Crescer não é uma estratégia. É evidente que o crescimento do negócio é importante, mas não pode ser uma estratégia de crescer perdendo rios de dinheiro por tempo indeterminado. Isso já fez sentido. Não faz mais. Crescer a qualquer custo é sinal de que modelo de negócio é simplório e pode facilmente ser replicado por concorrentes. Esse é o caso do Uber e Lyft. O primeiro foi o pioneiro do transporte de carona paga e o segundo apenas copiou o modelo, iniciando uma competição de quem é capaz de escalar mais rápido. Jessica Lessin argumenta que o fator determinante do negócio de sucesso é a diferenciação – algo que a startup é capaz de fazer muito melhor do que os outros “Só os diferenciados sobrevivem”, diz Lessin, reverberando o título de um livro do lendário fundador da Intel Andy Grove: “Só os Paranoicos Sobrevivem”.
As recomendações de Lessin servem de epitáfio para fase de expansão financeira sem lastro na realidade do Vale do Silício. Essa fase de exuberância irracional teve na Theranos sua última supernova. Para quem perdeu esse capítulo recente da história do Vale Silício: a Theranos chegou a valer 9 bilhões de dólares vendendo a ideia de uma máquina capaz de realizar com apenas uma gota de sangue do dedo do paciente todos os testes de laboratório que, como se sabe, exigem encher quatro a seis pequenos frascos à vácuo extraindo sangue por uma veia. Era tudo falso. A Theranos foi fechada no ano passado e sua fundadora, Elizabeth Holmes, indiciada por fraude e formação de quadrilha, pode ser sentenciada a 20 anos de prisão. A Theranos se espatifou espetacularmente, mas não foi a única startup do Vale do Silício a chegar a valer bilhões movida apenas pela enorme lassidão dos investidores e a má consciência comum resumida pela frase em inglês “fake it till you make it” — ou seja, finja (confiança, competência e otimismo) e vá em frente até dar certo ou ser desmascarado.
A lista de Lessin é também a prova, mesmo que tardia, de que no mundo real uma boa ideia só triunfa se levada adiante com resiliência por um visionário de caráter, imbuído de um propósito legitimo. Nem o Vale do Silício conseguiu negar Aristóteles.