Inflação, juros em alta e baixo crescimento. Já sabemos para onde caminha o Brasil se a falta de ação do governo continuar a corroer o ânimo dos investidores e a solapar a retomada econômica. É preciso assertividade para manter o teto de gastos, retomar superávits fiscais e destravar as reformas.
Nas finanças públicas, 2020 foi um ano para lá de atípico. Em um verdadeiro esforço de guerra destinado a evitar o colapso da economia, o Brasil abriu os cofres como poucos países no mundo. Ainda não foram fechados os números finais, mas o déficit nas contas do setor público ficou ao redor de R$ 900 bilhões no ano passado.
As ações de contenção da crise envolveram medidas como os investimentos na saúde, a suspensão da cobrança dívidas e a expansão do crédito federal. Sem falar no auxílio emergencial, pago a mais de 60 milhões de brasileiros. O custo fiscal dessas iniciativas atingiu o equivalente a 12% do PIB brasileiro. É um número impressionante. Representa o dobro da média mundial em gastos para o combate à crise e o triplo da média dos outros países na América Latina.
O esforço emergencial foi, até certo ponto, bem-sucedido: a economia sofreu uma recessão menor do que a estimada inicialmente, e milhões de brasileiros foram salvos do desemprego e da miséria. Mas essa montanha de gastos aprofundou o desequilíbrio nas contas do governo e elevou brutalmente a dívida pública, que já supera 90% do PIB, bem acima da média dos países em desenvolvimento, algo ao redor de 60% do PIB.
Resumo: o ajuste fiscal, que já não era simples de ser feito, será agora ainda mais desafiador. Isso vale não apenas para o governo federal, mas também para estados e municípios. Esse foi um dos temas aos quais Virtù mais dedicou atenção ao longo de 2020, pela sua relevância para o desenvolvimento econômico e social do País.
O cenário fica ainda mais desafiador por causa da falta de urgência demonstrada por Jair Bolsonaro nos últimos dois anos, como destacou um editorial de Virtù: “Sem estratégia que traga celeridade e priorize a aprovação de reformas estruturais para reequilibrar as contas públicas, o Brasil mergulhará em nova crise econômica e social”. Os sinais de alerta se avolumam a cada dia, como lembra o texto, minando a confiança dos investidores.
Em Três ações para evitar o abismo iminente, Virtù sintetizou as medidas que deveriam ser priorizadas: manter o teto de gastos; retomar os superávits fiscais; e destravar as reformas. Trata-se de um roteiro mínimo para evitar um futuro de crises e crescimento medíocre.
A sociedade civil terá que se manter atenta e atuante tanto na defesa das reformas como na denúncia de projetos que sabotem o equilíbrio fiscal. Uma dessas pautas-bomba é o chamado Refis da Covid, tema de um editorial recente. Diz o texto: “Atravessar a gravidade do momento requer do Congresso focar todos os esforços em reduzir o gasto público, e não em propor projetos para aumentar o rombo financeiro do País. O Refis é um benefício fiscal que reflete a tentação de mergulhar o Brasil no abismo”.
Os estados e municípios também terão de fazer a sua parte. Muitos ainda não concluíram a reforma de suas previdências. Um dado preocupante é que vem crescendo o número de governos que estoura o teto de gastos com funcionalismo estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 60% da receita corrente líquida. Uma consequência disso é que sobram menos recursos para realizar investimentos e aprimorar os serviços públicos, segundo informa a reportagem Como impedir o suicídio fiscal dos estados.
Artigos e entrevistas
Os desafios na área fiscal foram analisados em artigos e entrevistas por alguns dos maiores especialistas do país. Foi o caso, por exemplo, do texto Orçamento 2021: é hora de decidir, assinado por Felipe Salto e Daniel Couri, ambos do Instituto Fiscal Independente (IFI). Como resumiram os autores: “Podemos dividir o problema em duas dimensões: equacionar as contas de 2021, a primeira, e dissipar as nuvens que turvam as expectativas de médio prazo sobre a dinâmica da dívida, a segunda”.
Em Os enormes e urgentes desafios no front fiscal, Josué Pellegrini, também do IFI, destacou que “um cenário desejável seria aproveitar o impasse e aprovar ampla e gradual reforma do Estado, nos três níveis de governo, com cronograma previamente estabelecido para os diferentes componentes do plano. O objetivo central seria melhorar a qualidade da tributação e do gasto, bem como reduzi-los como proporção do PIB, ao longo do tempo”.
Em uma das Virtù Talks, o economista Alexandre Schwartsman comentou os riscos para o País caso os desequilíbrios fiscais não sejam contidos. Os brasileiros serão castigados com mais inflação, juros em alta e baixo crescimento econômico. O assunto também foi abordado na conversa com o economista Marcos Mendes. Não é possível adiar por muito mais tempo a tomada de decisões destinadas a restabelecer o ajuste fiscal. A indefinição do governo e a falta de ação corroem o ânimo dos investidores e solapam a retomada econômica, diminuindo a criação de empregos e reduzindo as oportunidades para os brasileiros. Que 2021 traga boas doses de urgência e bom-senso às lideranças políticas.