Riscos globais, respostas locais: como a perspectiva de desaceleração global pode impactar nossa economia
Segundo o FMI, a economia mundial deve acelerar para 3,5% de crescimento em 2020, ante 3,2% em 2019, liderada pelos países emergentes (excluindo a China). Essas projeções são apresentadas na última edição do World Economic Outlook, de julho passado, mas o próprio FMI reconhece na mesma publicação que os riscos de baixa para a atividade econômica prevalecem, e os lista: perturbações em cadeias comerciais e tecnológicas globais, mudanças abruptas na percepção de riscos (associadas a tensões comerciais), pressões desinflacionárias, fatores ambientais e geopolíticos. Outras instituições, públicas e privadas, mais cautelosas, embutem desaceleração em seus cenários centrais para 2020.
Complicando o quadro, os banqueiros centrais, em seu simpósio anual em Jackson Hole, nos EUA, sinalizaram que, com taxas de juros básicas já próximas de zero e, em certos casos, já tendo ampliado consideravelmente seus portfólios de ativos, teriam limitações para atuar de forma anticíclica caso o mundo entre em outra recessão.
O impacto da desaceleração global no Brasil
Para nossa economia, que ainda não se recuperou plenamente da recessão de 2015-2016, a perspectiva de desaceleração global representa um desafio adicional, seja pelo tradicional canal do comércio exterior, pelas interconexões do setor financeiro ou evolução dos preços de matérias primas – de acordo com o padrão visto nos últimos anos, uma redução de um ponto percentual no crescimento mundial tende a ter impacto de igual magnitude no crescimento brasileiro.
A questão que se coloca, portanto, é o que pode ser feito no âmbito da política econômica, para limitar o contágio da iminente desaceleração global e assegurar que não venhamos a entrar em novo período recessivo. A política econômica tem duas alavancas para influenciar a atividade econômica no curto prazo, que são seus instrumentos fiscais e monetários. Em um país com endividamento público baixo, e/ou que imprima a moeda de reserva global, a política fiscal pode ser utilizada de forma anticíclica, em adição aos estabilizadores automáticos (como os aumentos de certos gastos sociais) que atuam em períodos recessivos. O ideal, nesses casos, é que o estímulo fiscal seja direcionado para incrementar o investimento, notadamente em áreas que geram efeito positivo sobre o PIB potencial, como a infraestrutura. Em países altamente endividados, a responsabilidade pela resposta recai sobre a política monetária. Isso se aplica mais naturalmente a economias que, em contraste com EUA e certas economias europeias, ainda trabalham com patamares de taxas de juros distantes de zero.
Mas querer não implica poder. Para reduzir a taxa de juros de forma responsável é preciso ter uma margem em relação à meta de inflação e também não exibir grandes fragilidades macroeconômicas. No gráfico acima, consideramos, no eixo vertical, a diferença entre a inflação observada e a meta. Já no eixo horizontal, a diferença entre a taxa de desemprego e sua média histórica. Os bancos centrais usualmente calibram a política monetária, que atua sobre a economia com defasagem, com o objetivo de alinhar a trajetória esperada da inflação às metas. A ideia é que países com inflação abaixo da meta contem com fatores inerciais favoráveis. Da mesma forma, economias que operam com margens amplas de capacidade ociosa tendem a não exibir pressões de demanda sobre a dinâmica de preços. Assim, as economias plotadas no quadrante sudeste do gráfico acima estão bem posicionadas para reagir via política monetária, dada a combinação de inflação baixa e ociosidade elevada. No caso da nossa região, esse países são Brasil e Chile. Na Colômbia parece haver também espaço para flexibilização da política monetária. No México, apesar de o nível da inflação e do desemprego constituir uma restrição para corte de juros, a desaceleração da atividade e a recente queda da inflação levaram o BC a reduzir a taxa básica em agosto (a partir de um patamar elevado).
O impacto em economias dependentes do financiamento externo
Um ambiente global externo mais incerto tende a ser caracterizado pelo aumento da aversão ao risco e redução dos fluxos de capitais para economias emergentes. Isso tende a ter impactos mais intensos naquelas economias que são mais dependentes do financiamento externo. Para checar as condições externas, o gráfico abaixo mostra pares ordenados compostos pela diferença entre a inflação e a meta (eixo vertical) e entre o saldo em conta corrente e a média histórica (eixo horizontal).
Também nesse gráfico, pontos no quadrante Sudeste sinalizam menores restrições à flexibilização monetária. O Brasil aparece novamente bem posicionado, em contraste com os outros países da região. O saldo em conta corrente reflete basicamente a diferença entre poupança e investimento agregados. No caso brasileiro, em que pese a des-poupança do setor público, a debilidade do investimento contribui para um déficit em conta corrente por volta de 1% do PIB, ante uma média histórica próxima a 2%.
Essas evidências sugerem que, como em 2009, o BCB teria espaço para reagir ao pior ambiente externo com flexibilização monetária adicional. É verdade que a recente depreciação do real levanta dúvidas quanto à magnitude e ritmo dos cortes adicionais na Selic. No entanto, assim como em 2009, com expectativas de inflação ancoradas e uma condução prudente da política monetária, em ambiente de preços de commodities em declínio, deve ser possível oferecer algum suporte à ainda frágil recuperação da nossa economia, sem colocar em risco a meta para a inflação.