O volume de investimentos em fundos ligados a iniciativas ambiental e socialmente responsáveis cresce vertiginosamente. E o Brasil está na contramão dessa tendência.
As imagens de queimadas na Amazônia colocaram em cheque o comprometimento do País com o tema da sustentabilidade. Recentemente, números do INPE comprovaram que, em 2019, o desmatamento na região foi o maior dos últimos 10 anos. A resposta de Bolsonaro foi dar de ombros e declarar que o problema é “cultural” e “não acabará”.
A realidade brasileira contraria uma tendência internacional: de 2 anos para cá, não existe mais possibilidade de não colocar a agenda ambiental em primeiro lugar e o motivo é econômico. Segundo o diretor global de infraestrutura da KPMG, Richard Threlfall, não se investe mais dinheiro em projetos que não tenham a marca do compromisso ambiental.
“Se o Brasil ou qualquer outro país não colocar sustentabilidade em primeiro plano, terá problemas em entregar o que se propõe a entregar”, disse Threlfall, em evento do iFHC em São Paulo.
O volume de investimentos em fundos ligados a iniciativas ambiental e socialmente responsáveis teve um crescimento vertiginoso a partir de 2016, partindo de US$ 5 bilhões em 2009 e chegando a US$ 25 bilhões em 2019, o que indica a tendência global das aplicações.
Exportações
Os incêndios não ameaçam apenas a vocação do País para a ecologia, mas também a pauta exportadora: as imagens que circularam são o pretexto que países competidores precisavam para resguardar produtos locais e beneficiar seus bens nacionais. Queimadas não apenas diluem esforços da preservação: são péssimas para os negócios.
De acordo com o economista da UFRGS Leonardo Xavier, o consumidor europeu é especialmente sensível às questões ambientais e tem disposição de alinhar seu consumo às necessidades de um mundo em transformação climática. Ele não comprará produtos cuja produção dependa do desmatamento. “O consumidor europeu influencia tendências em outros países”, diz.
Pecuária x Meio ambiente
Os incêndios na região servem especialmente para abrir espaço para campos de criação de gado e cultivo de ciclo curto, como a soja. Uma utilização que até pode conviver com a preservação da floresta, mas que tradicionalmente vem contribuindo para sua devastação.
Para Mariana Barbosa, advogada especialista em legislação ambiental do escritório Pinheiro Neto, outras formas de explorar a floresta são mais amigáveis com a conservação, como é o exemplo da Natura, que investe no extrativismo de produtos locais como a castanha, usada como matéria prima de cosméticos.
“Vale investir em pesquisa para que o desenvolvimento da Amazônia não passe pela pecuária, mas por outras tecnologias e formas de explorar a floresta. É possível aliar desenvolvimento econômico e preservação de maneira mais rica, a exemplo do que a Natura faz com a castanha e outros ativos”, defende.
Natura
Com receita anual de R$ 7 bilhões e 7 mil colaboradores, a Natura investe na extração do açaí e de outras espécies nativas, como andiroba, murumuru e ucuuba em Abaetuba, no Pará, desde 2006. Os óleos e sementes extraídos das plantas são matéria-prima de produtos para pele, cabelo e de beleza. Naquela região, as queimadas que sucediam a colheita de cana-de-açúcar e outros cultivos de ciclo curto deram lugar à preservação da floresta e até mesmo ao reflorestamento de áreas já degradadas, com o replantio das espécies locais. Queimar mato pode ser o mesmo que queimar dinheiro.
Crédito
Não preservar a floresta também deve restringir financiamentos agrícolas por meio dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio. Segundo o advogado especialista em operações de financiamento do agronegócio, Tiago Lessa, os chamados green bonds, títulos de dívidas para financiar ações sustentáveis, como os títulos ESG, adquiridos por grandes empresas interessadas em se vincular a ações sustentáveis, podem servir como um estímulo para a produção agrícola sustentável.
“Cria-se, assim, um ciclo virtuoso. O produtor rural que cumpre o Código Florestal tem acesso ao crédito, quem não o faz não consegue empréstimo para produzir”, explica. É uma política que por enquanto segue apenas no campo das possibilidades e faltam ações concretas para criar tais garantias.