A sensação de segurança é enganosa e perigosa, porque a taxa de transmissão do vírus permanece elevada no País e o número de mortes segue elevado. Brasil está no topo da lista entre os países com maior número de óbitos em relação ao tamanho da população
Em São Paulo, como em muitos outros estados brasileiros, já não existem mais restrições de horários para o funcionamento dos restaurantes, bares e estabelecimentos comerciais. Caíram os limites de ocupação dos ambientes fechados, embora seja obrigatório o uso de máscaras e a recomendação para que as pessoas mantenham distanciamento. Mas, nos dias mais quentes, os bares ficam repletos de gente muito pouco preocupada com o vírus que já matou 4,4 milhões de pessoas no mundo e mais de 570 mil no Brasil.
Em breve, eventos esportivos, shows e espetáculos culturais serão retomados com capacidade plena. As escolas também retornam aos poucos à normalidade. A vida, assim, parece finalmente voltar ao “antigo normal”, depois de um ano e meio de uma difícil e traumática adaptação ao “novo normal”.
Uma ótima notícia é o avanço no ritmo de aplicação de vacinas. Na terça-feira, foram injetadas mais de 3 milhões de doses, recorde em um período de 24 horas. A média móvel semanal subiu para 1,9 milhão de vacinados ao dia. Ao todo, no Brasil, mais de 120 milhões de pessoas receberam ao menos uma dose da vacina e 52 milhões já receberam as duas doses, o que equivale a um quarto da população. Ao contrário do que se vê em outros países, por aqui apenas uma pequena minoria rejeita os imunizantes.
Há sem dúvidas razões para um certo otimismo. Mas, ao mesmo tempo, não chegou o momento de baixarmos a guarda. A pandemia ainda não está sob controle, como mostra uma nova onda de aumento de internações em várias regiões do planeta e, especialmente, em algumas cidades brasileiras. As vacinas vêm se mostrando eficazes contra as diferentes variantes do COVID-19, porém nenhuma delas assegura 100% de proteção, sobretudo aos grupos mais afetados pela doença (ex.: idosos e doentes crônicos). Além disso, ainda não se tem um retrato preciso do tempo de cobertura (tempo de proteção) oferecido por cada imunizante e sempre haverá uma parcela da população que ficará mais suscetível aos quadros graves.
Agora, por exemplo, tem ocorrido um aumento no número de casos entre idosos no Rio de Janeiro. A notícia passou a ser explorada pelos negacionistas que lançam diversas dúvidas sobre a eficácia das vacinas. O oportunismo é ainda maior quando ocorre a morte de pessoas famosas, como o caso do ator Tarcísio Meira. Não se pode esquecer que as pessoas de mais idade e com comorbidades continuam a fazer parte de um grupo ainda vulnerável, mesmo depois de receber as duas doses do imunizante. Algumas pessoas desse grupo já receberam as vacinas há algum tempo, o que pode contribuir para a redução no nível de proteção. Até por isso, muitos países – incluindo o Brasil – estudam a aplicação de uma terceira dose da vacina.
A ciência ainda tem muitas dúvidas sobre a doença e não existe um tratamento 100% eficaz contra os casos severos, que são sempre tratados de maneira sintomática. Os laboratórios e os centros de pesquisa ao redor do mundo estão fortemente empenhados em criar medicamentos para combater a infecção, mas ainda não apareceu um remédio que realmente atue “contra o vírus”. Quando um paciente em estado grave precisa ser entubado, a probabilidade de morte é sempre alta, chegando a 50% dos casos em alguns países.
No Brasil, a circulação do vírus ainda está longe de ter sido controlada. A taxa de transmissão permanece próxima de 1, ou seja, cada 100 pessoas, em média, transmitem o vírus para outras 100 pessoas. A média diária de mortes se mantém acima de 800. É o menor número desde janeiro, mas ainda elevadíssimo em comparação a outros países. Em termos de óbitos relativos ao tamanho da população, o Brasil aparece entre os piores do mundo, como indica a comparação que pode ser feita no site Our World in Data. São quase 2,7 mil vítimas fatais a cada 1 milhão de habitantes, contra, por exemplo, — 2,1 mil na Itália e 1,9 mil nos Estados Unidos.
Provavelmente serão necessárias doses complementares de imunizantes e o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes para que a população possa conviver com o vírus de maneira mais segura. Como no caso da Influenza, deverão ser necessárias vacinações constantes, sobretudo para proteger os grupos de risco. Ainda é cedo, portanto, para imaginar que a batalha tenha terminado. A sensação de segurança é enganosa — e muito perigosa.