Portaria do governo permite o acúmulo de salários com aposentadoria, furando a regra do teto para os vencimentos. O gasto anual com os penduricalhos recebidos pela elite do funcionalismo chega a R$ 2,6 bilhões. É urgente aprovar o projeto que dá fim aos privilégios
Não feliz em sabotar as reformas do setor público, o governo Jair Bolsonaro esmera-se em criar novos privilégios. O mais recente foi a portaria do Ministério da Fazenda que permitirá que aposentados e reservistas possam ganhar acima do teto constitucional.
Hoje o limite atual para os salários do funcionalismo federal é de R$ 39.200. Sempre que há um acúmulo de pagamentos aplica-se um desconto para que o efetivamente pago fique dentro do teto. É o caso, por exemplo, quando os vencimentos de um ministro são somados a aposentadorias e outros benefícios.
A nova portaria, porém, cria possibilidade para driblar o teto. Haverá um novo limite para o salário e para a aposentadoria. Assim, será possível receber a soma de ambos. O privilégio valerá para servidores aposentados, reservistas militares e funcionários públicos que acumulam dois cargos de professor.
Entre os diretamente beneficiados estão o presidente Jair Bolsonaro e o seu vice, Hamilton Mourão. Bolsonaro engordará seus rendimentos em R$ 2.344 ao mês, e Mourão, em R$ 24.311. Os vencimentos do vice subirão para R$ 63.511 ao mês — 62% acima do teto legal de R$ 39.200.
Assim, os militares de pijama e outros aposentados do serviço público que possuem cargos na administração Bolsonaro terão o direito — ou melhor, o privilégio — de receber acima do valor que deveria ser o teto. O custo adicional para os cofres públicos deverá ser de R$ 70 milhões.
Essa é mais uma entre tantas brechas criadas nos últimos anos para que a elite do funcionalismo consiga vitaminar os seus rendimentos. A maneira mais recorrente para driblar as restrições é inflar os ganhos por meio dos chamados “penduricalhos”. São benefícios como auxílio-livro, auxílio-creche, auxílio-moradia… Existe até auxílio para banda larga, além de verbas indenizatórias, seguro de saúde de vale refeição.
De acordo com a análise de uma nota técnica do Centro de Liderança Pública e do movimento Unidos pelo Brasil, o gasto anual com o pagamento desses penduricalhos alcança R$ 2,6 bilhões. É um valor que supera a verba anual do Ministério da Agricultura (R$ 2,4 bilhões).
Os super salários do funcionalismo são pagos a uma pequena fração dos servidores. Há 25.000 privilegiados que ganham acima do teto, num universo de mais de 11 milhões de funcionários no governo federal, nos governos estaduais e nos municípios.
Esses privilegiados são apenas 0,23% do total do quadro de servidores, mas tragam recursos preciosos que poderiam ser aplicados na saúde e na educação, por exemplo. Enquanto o piso de um professor do ensino público não chega a R$ 3.000, há desembargadores que faturam mais de R$ 100 mil.
O Judiciário concentra os supersalários: os magistrados representam 7 de cada 10 servidores que recebem acima do teto.
Na avaliação do jurista Carlos Ari Sundfeld, já houve várias tentativas de coibir os supersalários, mas sempre surgiram dribles e pedaladas. A única maneira de resolver a questão será regulamentar criteriosamente esse tema. Esse é o objetivo do Projeto de Lei 6726/2016, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara. O texto busca dar um fim ao privilégio de ganhos superiores ao teto legal.
O texto enfrenta resistência para avançar no Congresso, apesar de, publicamente, ser defendido tanto pelo governo como pelas lideranças da Câmara. Então não é votado por quê? Por causa da pressão crescente das organizações de magistrados e da elite do funcionalismo. Não é o tipo de briga que o corporativista Jair Bolsonaro irá comprar.
Quem terá de comprar essa briga será a sociedade civil. Diante da dificuldade de aprovação no atual governo de uma reforma administrativa ampla, é essencial avançar em projetos específicos que contribuam para aperfeiçoar a gestão pública e equilibrar o orçamento federal. O PL 6726 é um deles.
Reforma administrativa em debate
O PL dos supersalários será um dos temas em discussão amanhã (15 de maio, das 9h às 10h), no segundo debate da série “Reforma Administrativa: Por que chegou a hora?”, promovido pelo CL e pelo Unidos pelo Brasil. O encontro pode ser acompanhado pelo canal de YouTube do CLP. Estarão presentes os deputados Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público, e Tiagro Mitraud (Novo-MG), presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, além de Renata Vilhena, diretora da Fundação Dom Cabral.
O CLP tem feito sua parte. Estamos realizando uma série de lives para ouvir todos os lados: servidores, políticos e especialistas. Elas são abertas e servem justamente para fortalecer este debate. Te esperamos no próximo, que acontece esta quinta (13) às 9h pic.twitter.com/XaXC9rPMcT
— Centro de Liderança Pública (@CLP_Brasil) May 11, 2021