A falta de governança no meio ambiente é um cabo de guerra desleal com o desenvolvimento do país. De um lado, a nossa competência agropecuária. Do outro, crimes ambientais e instituições frágeis. Quem tem saído derrotado desse conflito é o Brasil produtivo e competitivo. Os grandes vitoriosos são os grileiros, os garimpeiros ilegais e os traficantes de madeiras, representantes de um Brasil arcaico que, infelizmente, possui influência em Brasília. O retrocesso no ambiente precisa ser revertido em 2021.
A agropecuária brasileira deverá exportar US$ 100 bilhões em 2020. É de longe o setor com o maior superávit comercial, responsável pelo ingresso de dólares valiosos para irrigar a atividade econômica e o desenvolvimento social. Trata-se de uma âncora verde para a economia, que ajudou o país a atravessar um ano de recessão sem solavancos ainda mais dramáticos.
Mas 2020 trouxe também notícias preocupantes para o agronegócio. O aumento nos desmatamentos e nas queimadas chamuscaram a imagem brasileira. Os exportadores estão passando por um escrutínio mais severo, sobretudo na Europa, e aumentaram as pressões para que sejam aplicadas sanções a empresas cujas cadeias produtivas estejam de alguma maneira ligadas a atividades ilegais com relação ao meio ambiente.
Na semana passada, por exemplo, algumas das maiores companhias de alimentos do varejo mundial emitiram um alerta no qual exigem que as maiores exportadoras de soja deixem de comercializar grãos cuja origem esteja associada ao desmatamento no Cerrado. A queixa foi assinada por gigantes internacionais como a Nestlé, o Walmart e a Tesco, e o alvo são as grandes tradings de commodities agrícolas, entre elas a Cargill, a ADM e a Louis Dreyfus.
Ainda na semana passada, dois outros importantes alertas foram emitidos por entidades internacionais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o grupo dos países mais desenvolvidos do planeta, afirmou, em relatório sobre a economia brasileira, que de nada adianta o Brasil ter boas leis ambientais, se elas não são aplicadas e fiscalizadas. “A retomada do desmatamento e, em particular, a forte alta em 2019, está relacionada a um declínio dos recursos dedicados à aplicação da lei florestal em todo o vasto bioma amazônico”, afirma a entidade. A questão ambiental poderá retardar a ambição do Brasil de ser aceito como sócio da organização.
O segundo alerta partiu do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud). A ineficiência da política ambiental foi um dos fatores responsáveis pela queda brasileira no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de 79º para 84º lugar. Tanto a OCDE como o Pnud trazem dados até 2019. Tudo indica que, pelos últimos números, 2020 foi ainda pior no que se refere a devastação ambiental.
A pressão, portanto, não parte exclusivamente de radicais da ecologia ou de fazendeiros protecionistas na Europa ou nos EUA. A barra de exigências dos investidores globais foi elevada. Grandes fundos colocaram as questões ambientais, de sustentabilidade e governança (os chamados critérios ESG, na sigla em inglês) no topo de suas prioridades como gestores de recursos. É algo que não pode ser mais ignorado. A preocupação está também no centro das atenções dos organismos internacionais e dos governos do mundo desenvolvido, focados em reduzir as emissões de carbono e combater as mudanças climáticas.
Nos EUA, entidades ambientalistas e lideranças democratas já lançaram recomendações para que o novo presidente, Joe Biden, restrinja a importação de produtos originários de áreas de desmatamento. Esses grupos defendem que as instituições que financiam companhias relacionadas ao desmatamento sofram sanções. Não se sabe ainda qual será a política ambiental de Biden, mas com certeza será diversa daquela realizada por Donald Trump. O Brasil deveria estar atento.
Acordo minado
O mau desempenho brasileiro na proteção ambiental impossibilitou também o avanço no acordo bilateral com a União Europeia. O Brasil, dessa maneira, ofereceu de bandeja um presentaço para os protecionistas europeus. Era tudo o que eles queriam para minar as negociações de um tratado de livre comércio com o Mercosul. Nas últimas semanas, Parlamentares da Holanda, da França e da Áustria, entre representantes de outros países do bloco, manifestaram publicamente sua oposição a levar as negociações adiante, citando como causa o desmatamento no Brasil.
As conversas diplomáticas se arrastam por duas décadas. No decorrer desse tempo houve períodos em que o tratado esteve perto de ser fechado, mas, na hora H, sempre surgia algum obstáculo — em geral, criado por lobbies pouco interessados no livre comércio. Dentro do Mercosul, o Brasil já foi um grande entusiasta da negociação, mas a Argentina sempre se manteve mais contrária. Nunca seria fácil superar as barreiras impostas pelos protecionistas de ambas as partes, mas agora o acordo parece novamente pouco provável.
O Brasil, aliás, vem perdendo espaço como fornecedor de produtos agrícolas para a Europa. O bloco ainda é o segundo maior destino das exportações do agronegócio brasileiro, mas as vendas estão em declínio. O total exportado, que superou US$ 21 bilhões em 2014, neste ano deverá ficar ao redor de US$ 15 bilhões.
Contra fatos não há argumentos
Desde 2004, quando foi criado o programa interministerial de combate ao desmatamento, o índice mais baixo foi registrado em 2012, quando o desmatamento atingiu 4.571 km². A partir de 2015, os desmatamentos voltaram a ganhar força, mas de maneira gradual. O grande salto ocorreu a partir do ano passado, quando, coincidência ou não, o negacionista Jair Bolsonaro assumiu a presidência da República. Dados até novembro mostram que foram derrubados mais de 11.000 km² de floresta, a maior área desmatada desde 2008. Os números fazem parte do monitoramento por satélite, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Diante dos números, fica difícil argumentar que os europeus são protecionistas interessados simplesmente em preservar os privilégios de seus produtores rurais altamente subsidiados. A defesa brasileira fica ainda mais frágil em um mundo cujo comando está migrando para uma geração de líderes políticos, sociais e empresariais que colocam a proteção do meio ambiente como sendo um dos principais valores a serem perseguidos.
A combinação tóxica de uma diplomacia ideológica com a cumplicidade diante dos crescentes delitos ambientais ameaça trazer prejuízos bilionários para a economia brasileira. Os investidores internacionais dos países desenvolvidos serão a cada dia menos tolerantes com empresas que tenham negócios com fornecedores envolvidos, diretamente ou indiretamente, com a devastação de florestas nativas.
É verdade que nem todo o desmatamento feito no país é ilegal. Nas áreas que não fazem parte de reservas, a legislação permite que até 20% da propriedade seja desmatada, para dar lugar à criação de gado e à agricultura. Mas como os registros das áreas rurais da Amazônia são falhos e a fiscalização é deficiente, não existem informações confiáveis para se saber com certeza se a madeira, a soja ou a carne comercializada possuem origem legal ou não. A precariedade do rastreamento da origem das mercadorias é o principal problema apontado pelos compradores estrangeiros, que seguem padrões mais rigorosos de governança.
De um lado, competência produtiva para dentro da porteira. De outro lado, crimes ambientais, instituições frágeis e ineficiência governamental. Quem sai derrotado desse conflito é o Brasil produtivo e competitivo. Os grandes vitoriosos são os grileiros, os garimpeiros ilegais, os traficantes de madeiras – o Brasil arcaico que, infelizmente, possui representantes influentes em Brasília. A sociedade organizada precisa reagir para que em 2021 esse retrocesso seja revertido.