Uma análise crítica dos indicadores dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU revela que o Brasil tem se distanciado das metas acordadas em diversas áreas. Uma delas é a que diz respeito ao combate à pobreza. Preocupa a falta de urgência do governo. Sem reformas e sem melhores políticas sociais, o país regride até mesmo em aspectos como o combate à pobreza extrema, que parecia estar próxima de ser erradicada.
Os anos seguidos de recessão e baixo crescimento estão fazendo o Brasil regredir em um dos aspectos mais positivos da década passada: a redução da pobreza. Os números mostram uma piora a partir de 2014. Sem a retomada econômica e a criação de empregos, tudo ficará mais difícil. Fundamental também será aperfeiçoar os benefícios sociais, para que eles alcancem os mais vulneráveis de fato. Do contrário, o país não conseguirá atingir a meta de erradicar a pobreza até 2030.
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU
Há cinco anos, o Brasil, ao lado de outros 168 países, foi um dos signatários da Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). O acordo contempla 17 objetivos, dos quais derivam 169 metas, a serem alcançadas até 2030. O documento envolve temas diversificados, entre eles segurança alimentar, saúde, educação, igualdade de gênero, água e saneamento, crescimento econômico, violência, redução da pobreza e da desigualdade.
A adequação das propostas à realidade brasileira ficou a cargo da Comissão Nacional dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, com a contribuição de 75 órgãos federais em um trabalho coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Uma análise crítica da evolução dos indicadores revela que o Brasil terá dificuldades para cumprir diversas metas, se a trajetória de deterioração dos indicadores econômicos e sociais não for revertida – e logo. É o que se conclui da leitura de um boletim analítico que acaba de ser divulgado pelo Ipea.
Retrocesso no combate à pobreza
Uma área de retrocesso evidente é a que diz respeito ao combate à pobreza. Desde 2015, quando a Agenda 2030 foi assinada, os indicadores demonstram uma piora. Trata-se de um reflexo da crise na economia e também do esgotamento das atuais políticas públicas.
Como mostra o gráfico abaixo, houve retrocesso em todas as faixas de renda analisadas da população mais pobre.
As metas internacionais estipulam a erradicação da extrema pobreza pelo critério de renda per capita familiar de US$ 1,90 ao dia, pelo critério do poder de paridade de compra internacional. Como essa faixa inferior de rendimento já estava a caminho de ser extinta no Brasil, o país se comprometeu com um objetivo mais ousado: usar como linha de pobreza o valor de US$ 3,20 ao dia (equivalente a R$ 238 por mês). A meta de erradicação da miséria será considerada cumprida se, até 2030, apenas 3% dos brasileiros estiverem abaixo dela. Hoje, contudo, o número é muito maior: foi de 12,7% em 2018, último dado disponível no estudo preparado recentemente pelo Ipea.
O número de pessoas extremamente pobres saltou de 9 milhões, em 2014, para 13,5 milhões, em 2018. Projeções indicavam que estava ocorrendo uma ligeira melhora a partir do ano passado, mas, com a recessão da Covid-19, o cenário piorou drasticamente. A pandemia aprofundou a pobreza, embora ela esteja mascarada pelo pagamento do auxílio emergencial. O benefício terá de ser suspenso, em razão de seu elevado custo fiscal, e a miséria deverá crescer acentuadamente no próximo ano, de acordo com a avaliação dos especialistas.
Como diz o boletim analítico do Ipea, o Brasil tem se distanciado das metas. Isso é um reflexo de fatores como a piora no mercado de trabalho, a precarização do emprego, a queda nos rendimentos. A meta para a taxa de desemprego é mantê-la abaixo de 7%, mas o percentual de pessoas sem ocupação hoje é o dobro disso. Houve também um aumento da informalidade.
Mais emprego e melhores políticas sociais
O combate à pobreza envolve ações em duas frentes. Em primeiro lugar é urgente destravar o crescimento econômico, porque apenas dessa maneira haverá a criação de empregos, e com melhores salários. Em segundo lugar, aperfeiçoar as políticas sociais.
Com relação ao crescimento econômico, ele só ganhará força se houver confiança entre os empreendedores para a retomada dos investimentos produtivos. Para tanto, será necessário fazer andar a agenda de reformas (sobretudo a administrativa e a tributária), acelerar as concessões e privatizações, além de enfrentar o desafio fiscal, dirimindo as crescentes incertezas com relação ao financiamento da dívida pública.
No que diz respeito às políticas sociais, chegou o momento de rever benefícios antigos e pouco eficientes e centrar esforços naqueles que mais contribuem para a redução das desigualdades. Essa é a ideia de algumas propostas em discussão, inclusive uma em estudo no governo. Seria uma ampliação e um aperfeiçoamento do bem-sucedido Bolsa Família.
Movimento Unidos pelo Brasil
Um dos projetos em debate é a proposta apresentada pelo movimento da sociedade civil Unidos Pelo Brasil, coordenado pelo Centro de Liderança Pública (CLP). Ela prevê que programas existentes sejam reformulados, como a fusão do abono salarial com o salário mínimo. O seguro-desemprego e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) passariam a fazer parte de um único programa de ajuda a pessoas que perderam o trabalho.
O plano foi concebido com a coordenação do especialista Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do Bolsa Família. Um de seus objetivos centrais foi ampliar o alcance, mas sem furar o teto de gastos nem criar novos desequilíbrios nas finanças públicas. A receita adicional viria em parte, da eliminação dos supersalários no funcionalismo e dos ganhos obtidos com a reforma administrativa. O Brasil precisa reagir. Preocupa a falta de urgência do governo e de algumas lideranças políticas. Sem reformas, o país deixa de avançar e, na realidade, volta ao passado. Regride até mesmo em aspectos como o combate à pobreza extrema – uma mazela que, até não muito tempo atrás, parecia estar próxima de ser erradicada.