O impacto intergeracional do pacote econômico de Joe Biden para os EUA traz reflexões sobre erros e acertos da PEC do Auxílio, que deverá ser votada na Câmara ainda essa semana. Mais uma vez, o Brasil perde a oportunidade de ajustar o descompasso entre os investimentos públicos aos mais jovens e gastos com os mais velhos. As reformas administrativa e tributária precisam avançar para que o setor público possa investir mais no futuro da próxima geração.
O presidente americano, Joe Biden, está prestes a conquistar uma de suas principais promessas de campanha: a aprovação de um pacote econômico no valor total de US$ 1,9 trilhão. É um valor equivalente ao PIB brasileiro.
A escala do pacote se explica pela dimensão da crise social provocada pela pandemia da Covid-19. “Go big”, pediu a secretária do Tesouro, Janett Yellen, ao Congresso. No plano há ajuda financeira para as famílias mais carentes, apoio aos desempregados, alívio para estados e municípios, dinheiro para investimentos em saúde, mas escolas públicas e muito mais.
O pacote ficou de fato grande, como queriam Biden e Yellen. Tão grande que muitos economistas, mesmo os tradicionalmente defensores dos gastos públicos, vêm alertando para o risco do volume total de recursos ter ido além do recomendável. Além do forte impacto na dívida pública, há risco de uma alta da inflação no país. Outra fonte de crítica é o fato de que o plano tende a aquecer artificialmente a economia e inflar ainda mais o preço das ações, favorecendo os mais ricos em detrimento dos mais pobres.
Uma das críticas mais contundentes foi desferida pelo economista de Harvard Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano (o equivalente ao ministro da Economia) nos tempos da presidência do democrata Bill Clinton. Para Summers, o problema não está no valor total do pacote, mas na alocação dos recursos no decorrer do tempo.
O economista resumiu as suas ideias em no artigo ‘O estímulo é admiravelmente ambicioso, mas traz riscos’, publicado no The Washington Post. Em um segundo artigo, Summers aprofundou a análise: “uma parte substancial do programa deveria ser direcionada à promoção do crescimento inclusivo e sustentado pela próxima década e além, e não apenas sustentar os rendimentos neste ano e no próximo. Com um aumento mais lento dos gastos haveria menos pressão inflacionária e ampliação da capacidade produtiva. Estaríamos tomando empréstimos para financiar investimentos saudáveis e não o consumo”.
Em outras palavras, Summers fez referência ao que os economistas chamam de impacto intergeracional do pacote de Biden. Sob o pretexto de sustentar o consumo de curto prazo, existe o risco de transferir grande endividamento para as gerações futuras e minar a capacidade de crescimento do país.
Menos passado, mais futuro
O debate a respeito do pacote econômico americano traz reflexões importantes sobre o futuro da economia brasileira, em um momento em que a Câmara está prestes a aprovar a PEC Emergencial, que agora, depois de ajustes e revisões, passou a ser chamada de PEC do Auxílio. Depois de aprovada no Senado, na semana passada, o texto deverá ser votado pelos deputados nos próximos dias. Mais uma vez, foi perdida a oportunidade de o País reequilibrar os efeitos intergeracionais de seus gastos públicos.
A última versão do texto é generosa no lado dos gastos e parcimoniosa no lado das contrapartidas. Haverá autorização para gastos de até R$ 44 bilhões com a renovação do Auxílio Emergencial, o coronavoucher, além de outras medidas de ajuda para as finanças de estados e municípios. Mas foram enfraquecidos os dispositivos no lado do controle de gastos com o funcionalismo.
Como mostrou reportagem recente do Virtù, a PEC será um primeiro passo rumo à sanidade fiscal, porque criará gatilhos de ajustes que darão mais flexibilidade à administração pública tanto a nível federal, quanto a estados e municípios. Porém, a economia prevista no decorrer dos próximos dez anos caiu de R$ 78 bilhões para R$ 35 bilhões, como indicou um estudo do Centro de Liderança Pública – CLP.
O economista Samuel Pessôa, em artigo na Folha, atentou para um detalhe revelador. Na versão final do texto foi suprimido o trecho: “deve ser observado, na promoção e na efetivação dos direitos sociais, o equilíbrio fiscal intergeracional”. Como afirma Pessôa, o parágrafo não tinha nenhuma implicação imediata, trazia apenas o simbolismo de tentar “equilibrar a escolha entre o futuro e o passado”, que, na visão do economista, está “totalmente desequilibrada” no Brasil.
Mais uma vez, o país perdeu a oportunidade de iniciar um ajuste no descompasso existente entre os investimentos públicos dispensados aos mais jovens (educação, principalmente) e os gastos com os mais velhos (com previdência, principalmente, e particularmente com os inativos do funcionalismo). Nas contas de um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Brasil gasta sete vezes mais com os seus velhos do que com os seus jovens. Na América Latina, a média é de 4 para 1, o que já é ruim. O desequilíbrio brasileiro é extremamente elevado, ainda mais tendo em vista que a população brasileira é relativamente jovem.
O Brasil é o país latino-americano que mais gasta com previdência, ao redor de 12% do PIB. Isso tende a melhorar com os ajustes previdenciários aprovados recentemente, mas de maneira muito lenta. As reformas, entre eles a tributária e administrativa, precisam ser aceleradas, para que o setor público seja mais produtivo e possa investir mais no futuro dos jovens, em vez de gastar mais de 80% de seus recursos com aposentadorias e folha de pagamento de servidores. Sobram pouco recursos para investir em educação básica, em saúde e saneamento, na infraestrutura.
Um relatório sobre o Brasil feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) identificou outros desequilíbrios. A incidência da pobreza é bem maior entre os jovens do que os idosos, uma discrepância em relação ao outros países avaliados. Além disso, no Brasil os gastos públicos em apoio aos trabalhadores concentram-se em auxílio e em subsídios, e não na capacitação profissional – mais uma vez, um descompasso entre presente e futuro.
A balança está desequilibrada no Brasil, e muito. A PEC Emergencial poderia ser mais ousada, embora seja um primeiro passo nesse ajuste. Que venham ajustes mais profundos. O país precisa gastar menos com os penduricalhos e aposentadorias generosas da elite do funcionalismo e mais com o ensino e a merenda das crianças.