PL das debêntures, que agora segue para o Senado, poderá adicionar R$ 27 bilhões ao ano os investimentos em projetos de logística, saneamento e telecomunicações.
A crise passou longe do setor imobiliário. Muito pelo contrário. Nos primeiros cinco meses do ano, houve um aumento de 127% nos financiamentos com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) em relação ao mesmo período do ano passado. Foram liberados R$ 77,4 bilhões em recursos para a compra de casas e apartamentos. Nos últimos 12 meses, 631 mil unidades foram vendidas, o dobro do registrado nos 12 meses anteriores.
O crédito contribui para a aceleração de projetos e a contratação de trabalhadores. Nos últimos 12 meses, a construção civil abriu 317 mil vagas. No total, o setor emprega 2,4 milhões de brasileiros com carteira assinada, além de gerar milhares de empregos indiretos.
Os bons números, em plena pandemia, só são possíveis por causa de dois fatores. Em primeiro lugar, as taxas de juros estão em patamares historicamente baixos, uma consequência de anos de ajustes econômicos. Mas o vigor da construção civil se deve também a um outro fator específico: as reformas regulatórias feitas na década passada que ampliaram a segurança jurídica dos contratos, deram mais garantia para os compradores e os incorporadores, e possibilitaram o aumento no volume de recursos disponíveis a um custo menor.
A construção civil, apesar do enorme déficit habitacional que existe no País, dá exemplos de como um ambiente institucional confiável, segurança jurídica e estabilidade econômica são elementos capazes de produzir resultados mágicos. Espera-se que o mesmo possa ocorrer na infraestrutura, depois da aprovação dos novos marcos regulatórios do saneamento e do gás natural. Está em análise no Congresso também novos marcos para o setor de energia elétrica e para as ferrovias, entre outros. Em comum, todos esses projetos procuram atrair capital privado e incentivar a competição.
Nos tempos de rápido crescimento econômico, até o final dos anos 1970, o Brasil investia muito em infraestrutura. Mas eram projetos em essência concebidos e administrados pelo governo. O modelo ruiu, deixando um legado de dívidas e estatais ineficientes. Com as privatizações, a partir dos anos 1990, o setor privado assumiu o protagonismo em muitas áreas. O volume de recursos investido, contudo, segue aquém das necessidades do País. O investimento em infraestrutura como proporção do PIB ficou ao redor de 2,3% entre 1993 e 2018, enquanto na China ele representa 7% do PIB, e na Índia fica em 5,5%, como informou a reportagem Pequena reforma com impacto enorme na infraestrutura.
Para superar os gargalos e o déficit de investimentos, o volume de capital aplicado precisa subir para ao menos 3,2% do PIB. Se isso ocorresse, seriam elevados em R$ 200 bilhões ao ano os recursos para obras de logística, água, esgoto, energia e telecomunicações.
Não há recursos públicos disponíveis para suprir essa demanda. Por isso, será necessário desobstruir os canais de crédito privado. Um importante instrumento para que isso possa acontecer serão as chamadas debêntures da infraestrutura, que serão criadas graças ao Projeto de Lei 2646/20. Trata-se de um dos 25 projetos defendidos pelo movimento Unidos pelo Brasil. O PL acaba de ser aprovado na Câmara e segue agora para o Senado.
De acordo com as estimativas apresentadas na análise técnica do Centro de Liderança Pública, esse novo instrumento financeiro poderá atrair recursos ao redor de R$ 27 bilhões ao ano. No longo prazo, os investimentos adicionais poderão elevar a taxa do crescimento do PIB em até 1,25 ponto percentual até 2025.
As novas debêntures da infraestrutura serão semelhantes às incentivadas, lançadas em 2012, mas a principal diferença é o fato de que o novo instrumento financeiro será destinado a investidores institucionais, como fundos de pensão. Nas incentivadas, o foco foram as pessoas físicas. Outra diferença: a companhia emissora das novas debêntures recebe o incentivo fiscal, ao contrário das debêntures incentivadas, em que o benefício é dado ao investidor que compra os títulos emitidos.
O deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), relator do projeto, e Natália Marcassa, secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, falaram sobre a importância da nova lei durante uma live promovida pelo Centro de Liderança Pública — CLP. “Houve uma revisão no papel do BNDES, que será mais modelador de projetos e menos supridos de recursos”, disse Jardim. De acordo com o deputado, as debêntures incentivadas captaram R$ 34 bilhões em 2019, acima dos R$ 25 bilhões viabilizados pelo BNDES para a infraestrutura. Segundo Natália Marcassa, um dos objetivos das reformas será ampliar os prazos dos financiamentos para períodos como 25 anos ou mais. Disse ela: “É um mercado para títulos privados que vem se formando no Brasil, que vem se somar ao financiamento público”.
Os emissores das debêntures de infraestrutura poderão deduzir do lucro tributável até 30% do valor dos juros pagos no ano. A dedução é ampliada para 50% caso a emissão das debêntures destine-se a financiar projetos de desenvolvimento sustentável, como energia renovável, controle de poluição e conservação da biodiversidade terrestre e aquática.
O Brasil não pode parar, a despeito da falta de liderança de Jair Bolsonaro. A aprovação de projetos como a PL das debêntures e dos novos marcos regulatórios serão decisivos na retomada econômica, com mais produtividade, criação de empregos e redução da pobreza.
Artigos e entrevistas do Virtù sobre o assunto:
Café com o CLP sobre PL das Debêntures – Arnaldo Jardim e Natália Marcassa
Pequena reforma com impacto enorme na infraestrutura
Debêntures de infraestrutura e a nova lei de licitação
Sérgio Suchodolski | Como atrair capital para a infraestrutura