Prefeitos terão grandes desafios em 2021. Mais da metade das capitais não tem capacidade para pagar suas dívidas; oito têm a despesa com pessoal acima da Lei; metade não tem caixa para arcar com pelo menos dois meses de despesas. Último lugar na maioria dos indicadores de sustentabilidade, no Rio de Janeiro os juros da dívida já correspondem a 9% da receita. Não há outro caminho aos prefeitos senão atuar com protagonismo na defesa das reformas tributária e administrativa.
Os prefeitos das grandes cidades brasileiras deveriam ser os maiores defensores da agenda de reformas estruturais. É nas metrópoles que ficam mais expostas as mazelas do setor público: falta de segurança, infraestrutura precária, ensino público deficiente, filas nos serviços de saúde. As dificuldades vão emergir com toda a força nos próximos meses, com a ressaca da crise provocada pela pandemia do coronavírus.
Em vez de fazer promessas inviáveis de projetos e obras que representem a criação de novas despesas, o primeiro passo para ser um bom governante deve ser o seu compromisso com o equilíbrio das finanças e com o bom funcionamento da máquina pública. Uma boa maneira de avaliar se o candidato possui tal atributo é saber se ele apoia as reformas tributária e administrativa, ambas essenciais para elevar a produtividade da economia e do setor público.
Situação fiscal
A situação fiscal é particularmente desafiadora nas duas maiores cidades do país: São Paulo e Rio de Janeiro. São Paulo é a capital mais endividada, pelo critério que mede a dívida total em relação à receita corrente líquida.
Apesar de a dívida carioca ser proporcionalmente menor do que a paulistana, ela é mais difícil de ser administrada. Isso porque o Rio de Janeiro possui muitos gastos obrigatórios, como salários do funcionalismo e aposentadorias, e menos folga fiscal em seu orçamento. Pesam também os gastos com os juros do endividamento.
Pelo indicador que mede o gasto com o serviço da dívida e a receita líquida, o Rio de Janeiro tem um comprometimento de 9%. Trata-se do maior índice entre as capitais. É como uma família cujos gastos anuais com os juros de suas dívidas sejam de 8,9% de seus rendimentos.
Lei de Responsabilidade Fiscal
Outro indicador-chave para avaliar a sustentabilidade fiscal é a relação entre o gasto com pessoal e a receita líquida. Entre todas as capitais, o Rio de Janeiro aparece na situação mais desconfortável: 79% de suas receitas são destinadas ao pagamento da folha de salários. São Paulo, em contrapartida, ostenta o menor comprometimento, com um índice de 46,3%. Isso é essencial para o governo paulistano ter uma situação menos dramática, apesar de seu endividamento elevado.
Detalhe: pela Lei de Responsabilidade Fiscal, as despesas com o funcionalismo não podem passar de 60% da receita líquida. O Rio é o caso mais extremo, mas há outras sete capitais acima do teto legal.
Como alerta o Tesouro, o nível do comprometimento da receita com folha de salários e o serviço da dívida avalia a solvência fiscal de um governo. Como essas despesas têm elevada rigidez, municípios que usam um percentual muito alto da sua receita com elas dispõem de pouco espaço fiscal para lidar com cenários em que ocorre redução da arrecadação. Assim, diz o Tesouro, essas prefeituras “podem apresentar situação fiscal mais vulnerável e maior risco de insolvência”.
Disponibilidade de caixa
Quando se observa a disponibilidade de caixa frente às despesas, Palmas é um exemplo: possui reservas para honrar 11 meses de gastos previstos. O Rio de Janeiro é o exemplo oposto: a disponibilidade de caixa é negativa, insuficiente para bancar um único mês que seja de suas atividades básicas, caso não haja o ingresso de novas receitas.
Saúde fiscal
Tendo como base esses e outros indicadores, o Tesouro confere notas à saúde fiscal das cidades. Há apenas 13 consideradas com boa saúde financeira (notas A ou B), ante 15 no ano anterior. Aracaju, Curitiba e Vitória foram os destaques positivos, porque tiveram as suas notas elevadas de B para A. Na direção oposta, Boa Vista caiu de A para C, e Fortaleza recuou de B para C. A nota de São Paulo se manteve em B nas três últimas avaliações.
A irresponsabilidade do Rio de Janeiro
Como se pode notar pelos números, os desafios enfrentados pela cidade do Rio de Janeiro não são pequenos. Ainda assim, o prefeito Marcelo Crivella tomou uma decisão com potencial de aprofundar as dificuldades. Num rompante populista, assumiu a operação da Linha Amarela, passando por cima do contrato existente com a empresa privada dona da concessão, a Lamsa. O prefeito suspendeu a cobrança do pedágio e agora trava uma disputa judicial com a empresa.
No mês passado, o presidente do Superior Tributal de Justiça (STJ), o corregedor Humberto Martins, derrubou três liminares anteriores favoráveis à Lamsa e autorizou que o município retomasse a administração da via expressa. Avalizou, portanto, a irresponsabilidade do prefeito. Detalhe: o contrato vence apenas em 2037 e não há evidências de que há razões objetivas para ele ser rompido. Criou-se uma insegurança jurídica enorme, que certamente afetará os investimentos futuros na cidade.
Em breve deverá ocorrer o leilão para a privatização dos serviços da Cedae, a estatal estadual de saneamento básico. Quem vai investir no negócio, sabendo da possibilidade de um político qualquer – e com o aval da Justiça – cancelar o contrato de uma hora para outra? E, pior, sem nenhuma indenização, como estabelecem os termos da concessão.
A Lamsa, para estender o contrato até 2037, fez um acordo que previu o investimento de R$ 250 milhões. A prefeitura quebrada terá capacidade de fazer o mesmo? Os motoristas ficaram livres do pedágio, mas logo terão que enfrentar uma rodovia deteriorada e mais perigosa.
O despropósito do prefeito Crivella já deu frutos. Dois deputados estaduais apresentaram um projeto para que o estado encampe a operação da Via Lagos. Açoitar o capital privado deveria ser a última das prioridades de um governo quebrado e carente de investimentos.
Os políticos cariocas, certamente, contam com os atributos naturais do estado, como as receitas do turismo e do petróleo, para reverter a situação. Isso pode ser ilusório. Riquezas naturais, quando não são utilizadas com inteligência, como na Noruega, podem aprofundar a pobreza, como na Venezuela. É a maldição dos recursos naturais. Um caminho muito mais promissor para o prefeito do Rio e também para os das outras capitais é cuidar para que as finanças de seus municípios sejam sustentáveis. Quase todos vão herdar cidades em situação delicada. Terão pouco espaço no orçamento para realizar investimentos. São os prefeitos, portanto, que deveriam se colocar no grupo de maiores interessados em ver aprovadas as reformas tributária e administrativa.