Com um presidente fraco e refém de chantagens políticas, deputados e senadores ampliam as verbas para bancar os seus interesses paroquiais, enquanto as reformas estruturais não saem do papel
A promulgação da Constituição de 1988 trouxe avanços na área social e procurou remediar as mazelas da pobreza e da desigualdade legadas pela ruína do modelo econômico da ditadura militar. Ao longo dos anos, entretanto, os gastos públicos foram inchando com a incorporação de privilégios para grupos específicos e categorias organizadas.
Em parte, portanto, o avanço dos gastos públicos contribuiu de fato para melhorar a vida dos mais pobres. Mas o Orçamento foi também capturado pelas forças do corporativismo e do patrimonialismo. O resultado foi uma elevação constante do tamanho do estado nas últimas três décadas. As tentativas de impor limites cedo ou tarde acabaram sendo dribladas ou enfraquecidas. É o que começa a ser visto agora com a lei do “teto dos gastos”, aprovada em 2016.
Um aspecto mais recente da captura do Orçamento são as emendas dos deputados e dos senadores. Os parlamentares encontraram maneiras de conquistar pedaços cada vez mais significativos das verbas federais para atender aos seus interesses paroquiais, em vez de destinar os recursos em projetos em benefício da coletividade.
Essa é a análise feita pelo ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung e pelos economistas Marcos Mendes e Fabio Giambiagi, três dos maiores especialistas em finanças públicas do País, no artigo As emendas parlamentares como novo mecanismo de captura do Orçamento, publicado na revista Conjuntura Econômica. Eles argumentam que, além de o nível do investimento público ser extremamente baixo, os gastos são feitos de maneira muito pulverizada.
Anteriormente, os parlamentares incluíam centenas de emendas no Orçamento, mas o governo acabava derrubando por parte delas, até pela falta de previsão de receita. A partir de 2015, os deputados e senadores se mobilizaram e, em troca de respaldo político ao governo de ocasião, conseguiram aprovar novas regras para tornar parte das emendas de pagamento obrigatório. No ano passado, por exemplo, foi ressuscitada a “emenda do relator”, que dá ao relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias grande poder de alocação de recursos. Essa prerrogativa, lembram Hartung, Mendes e Giambiagi, foi usada na época do escândalo dos “Anões do Orçamento”, em 1993. Outro caso notório de mal uso das emendas foram as compras superfaturadas de ambulâncias para municípios no esquema revelado pela Operação Sanguessuga, em 2006.
Hartung, Mendes e Giambiagi afirmam que é natural que o Congresso participe da elaboração do Orçamento. “Faz parte do processo de negociação política em qualquer democracia”, dizem. Porém, tais emendas deveriam se guiar por três requisitos: não comprometer a qualidade do Orçamento, atender a uma lógica coletiva e ser objeto de escrutínio público. “Nenhuma das condições está sendo obedecida”, alertam.
Essas emendas já dominam 15% dos gastos livres do governo federal. É verba que acaba sendo usada para reformar pracinhas, construir centros esportivos no interior e bancar inúmeros projetos eleitorais que, independentemente dos méritos, deveriam ter outras fontes de financiamento. Ao final, o Orçamento fica ainda mais engessado e sem espaço para bancar os grandes projetos de interesse comum, em áreas como infraestrutura, educação e saúde.
O Orçamento de 2021 prevê R$ 34 bilhões para essas emendas de pagamento obrigatório. Trata-se de um volume de recursos similar à verba atual do Bolsa Família, que beneficia mais de 14 milhões de famílias. Hoje, metade do investimento federal já é feito por meio desse dispositivo.
O excesso de gastos obrigatórios, como o pagamento de salários dos servidores e aposentadorias, vem minando a capacidade de investimento do governo há algum tempo. Mas desde a crise da recessão de 2015 e 2016 o total aplicado desabou para os valores mais baixos da história recente. Eles representam hoje apenas 0,3% do PIB, como mostra o gráfico abaixo.
O avanço dos gastos com as emendas, feito sem critérios claros nem regras de governança de avaliação dos resultados, engessa ainda mais os gastos públicos e reduz a capacidade federal de aplicar recursos em projetos de maior impacto econômico e social. Segundo Hartung, Mendes e Giambiagi, o próximo governo terá de trabalhar para derrubar as emendas impositivas.
Sem ajustes profundos, como a aprovação de uma reforma administrativa ampla, simplesmente não existe espaço para acomodar ainda mais despesas. Mas no governo atual, fraco e refém de chantagens políticas, os parlamentares vão capturando frações mais polpudas do Orçamento, enquanto as reformas não saem do papel.