Governo à deriva dá espaço para aumento de gastos e multiplicação dos “jabutis”. Projeto Frankenstein para privatização da Eletrobras acende sinal amarelo sobre o risco crescente de objetivos das propostas serem desfigurados.
Ano eleitoral é ano de aumento nos gastos públicos. Sempre foi assim e em 2022 não será diferente. Jair Bolsonaro, apesar do caixa apertado, já anunciou que irá aumentar os valores pagos aos beneficiados pelo Bolsa Família. Vai também ampliar o número de famílias atendidas. É uma iniciativa bem-vinda no atual quadro de aprofundamento da pobreza, desde que se encontrem maneiras de financiar a expansão do programa e ele não se torne mais uma política populista destinada apenas a amealhar votos.
Menos louvável será se o governo seguir com a ideia de conceder reajustes para os servidores no próximo ano. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal impede que esse tipo de despesa adicional seja criada nos seis últimos meses de uma gestão, é forte a pressão das corporações para assegurar o seu quinhão no Orçamento de 2022 para aplacar os anseios do funcionalismo.
Segundo especulações de dentro do governo, o reajuste para os funcionários públicos deverá ficar em torno de 5%, se a proposta for adiante. O custo estimado, apenas em 2022, é de R$ 15 bilhões. Trata-se de um contrassenso evidente conceder esse aumento enquanto permanecem empacados no Congresso, até mesmo por falta de liderança do governo, os projetos da reforma administrativa – entre eles o PL 6726/2016, que dá fim aos supersalários acima do teto legal. O aumento no Bolsa Família deverá custar R$ 20 bilhões.
Essas e outras despesas adicionais vão caber dentro do teto de gastos ou serão criadas novas brechas para driblar a restrição? É uma pergunta ainda em aberto, cuja resposta poderá ter consequências duradouras e dolorosas.
A aprovação da Medida Provisória da privatização da Eletrobras dá mostras dos riscos a que o País estará exposto nos próximos meses. Quanto mais acuado politicamente Bolsonaro, maior a sua irascibilidade, e maior o preço cobrado pelos congressistas do Centrão. Para ver o projeto de venda da estatal aprovado, o governo fez inúmeras concessões e permitiu que os congressistas colocassem diversos “jabutis” no projeto original. O jabuti, diz o ditado, não sobe em árvore, só está lá se alguém o colocou. É a gíria do Congresso para se referir a artigos incluídos sorrateiramente nos projetos e que nada têm a ver com o texto original.
A reação lacônica do ministro da Economia, Paulo Guedes, depois da votação final da MP da Eletrobras resume bem a vitória pírrica do governo: “Infelizmente a Câmara e o Senado descaracterizaram a proposta original enviada pelo governo e a transformaram num projeto oneroso e aleijado. Mas antes isso do que nada”.
Será melhor aprovar “antes isso do que nada”? Em vez de aliviar as contas públicas e o bolso dos consumidores, a MP Eletrobras trará mais despesas. Um dos mais exóticos “jabutis” foi a obrigação de alocar em estatais os funcionários que venham a ser demitidos pelos futuros controladores da estatal. O movimento Unidos pela Energia, que congrega empresas do setor, calculou o custo em R$ 84 bilhões, boa parte em razão de emendas de última hora negociadas nos bastidores para reunir os votos necessários.
A votação acende um sinal amarelo. Há o risco de haver uma completa desfiguração de projetos importantes em tramitação, como as reformas administrativa e tributária. O economista Márcio Garcia, professor da PUC-RJ, resumiu com precisão, em artigo no Valor, o dilema enfrentado pelos defensores da agenda reformista: “Na interação com o Congresso, o jogo político torna-se cada vez menos favorável a iniciativas promotoras do crescimento econômico. A agenda de privatizações foi “hackeada” por setores populistas. A necessária privatização da Eletrobras foi transformada num Frankenstein de concessões eleitoreiras que vão onerar a conta de energia de famílias e empresas, podendo até vir a reduzir a produtividade da economia”.
São enormes as chances de outras pautas serem “hackeadas” pelos populistas. A conta, certamente, será depois socializada com a população. Vale aqui fazer um paralelo com o que ocorreu no governo Dilma Rousseff. Enfraquecida politicamente, a presidente distribuiu benesses para sustentar a sua popularidade enquanto foi possível. Deu pedaladas no Orçamento, utilizando para isso recursos dos bancos públicos, num valor superior a R$ 70 bilhões. Foi um caixa paralelo empregado para ampliar gastos além do permitido em 2014, ano em que Dilma conquistou a reeleição. Resultado? A conta foi paga mais tarde, na forma de aumento da dívida pública a ser paga pelos contribuintes. Pior, a irresponsabilidade fiscal arruinou a confiança no País, que perdeu o grau de investimento e viu desabar os investimentos estrangeiros de longo prazo.
No setor elétrico, Dilma também deixou uma herança das mais malditas. Com a Medida Provisória 579, de 2012, derrubou, na canetada, os preços das tarifas de eletricidade em 20%. Houve uma desorganização completa do setor, com revisão de contratos e aumento de subsídios. Resultado: prejuízos e custos extras estimados em R$ 198,4 bilhões, que, a partir de 2015, começaram a ser repassados para as empresas e para os consumidores residenciais.
Bolsonaro vai, portanto, dando espaço às políticas mais condenáveis dos anos petistas. Enquanto isso, Lula dá mostras de que segue preso no labirinto de seu próprio populismo. Recentemente, ele foi às redes sociais para dizer que “nós vamos revogar esse teto de gastos”. Com Bolsonaro ou Lula, será intenso o assédio exercido para relaxar os mecanismos de controle das finanças públicas.
A quem interessa o teto de gastos? Aos banqueiros? Ao sistema financeiro? Gasto é quando vc investe um dinheiro que não tem retorno. Quando vc dá 1 bilhão pra rico é investimento e quando vc dá R$ 300 pro pobre é gasto?! Nós vamos revogar esse teto de gastos.
— Lula (@LulaOficial) June 17, 2021
O populismo tem perna curta. Cedo ou tarde, a conta chega. Bolsonaro e Lula não parecem preocupados com isso. Azar dos brasileiros.