Governo põe em risco a aprovação de reformas essenciais para a modernização do Estado brasileiro ao enviá-las ao Congresso em um mesmo pacote.
O ditado popular diz que “quando tudo é prioridade, nada é prioridade”. Pois esta é justamente a impressão que se tem quando o governo anuncia, de uma só vez, cinco reformas cruciais para o país em um único pacote. O ministro Paulo Guedes disse que enviará ao Congresso a reforma administrativa (que mudará as carreiras no setor público); um projeto que permitirá aos governantes cortar gastos obrigatórios; o programa de ajuda financeira aos estados (conhecido como Plano Mansueto); o pacto para repartição dos recursos do pré-sal com estados e municípios e uma proposta de flexibilização orçamentária para dar mais racionalidade ao uso dos recursos públicos.
Essas medidas constituem o coração da modernização do Estado brasileiro. Por serem extremamente importantes, exigem atenção e cuidado especial por parte do governo e dos parlamentares reformistas para evitar que as resistências políticas, os interesses imediatistas e o núcleo duro dos oposicionistas –que recorrerão aos recursos regimentais no Congresso para frear as mudanças –, triunfem em frear, diluir ou dilapidar as medidas.
De fato, a vitória da aprovação da reforma previdenciária ensina a importância do foco e da mobilização do governo e do Congresso em torno de um projeto prioritário para assegurar a sua aprovação sem desvirtuar a proposta original. Por isso, é estranha a atitude do governo de enviar cinco reformas de uma só vez ao Congresso. Parece que não há senso de prioridade e que, se o governo aprovar duas ou três dessas medidas, se dará por satisfeito. É aí que mora o perigo do pacote. Três medidas têm alto impacto econômico e baixo custo político.
Plano Mansueto, Pacto Federativo e PEC emergencial
A primeira é o Plano Mansueto, um programa de renegociação da dívida dos estados. Até mesmo os governadores do PT querem um plano para renegociar suas dívidas e viabilizar seus governos. O Plano pode ser aprovado por lei complementar, o que é muito mais fácil (necessita de maioria simples) para assegurar os votos no Congresso.
A segunda medida é o Pacto Federativo, que trata da repartição dos recursos do pré-sal com estados e municípios. As divergências em torno dos critérios da repartição dos recursos já foram resolvidas e o projeto deve caminhar no Congresso sem sobressaltos. Deve ser baixa a resistência política no Congresso para aprovar essa injeção de receita nos cofres dos estados e municípios.
A terceira medida é a “PEC emergencial”. A “emergência” resume em se criar uma regra para burlar o teto do endividamento dos estados e municípios que os proíbe de aumentar o seu endividamento para pagar gastos correntes. Sufocado pelo custo crescente das despesas obrigatórias e da queda das receitas – fruto da longa recessão econômica e do baixo crescimento de 2018 –, a PEC emergencial traz um alívio imediato para o caixa dos estados e municípios.
A quarta e a quinta são as medidas mais importantes. Elas representam mudanças transformadoras no Estado brasileiro. Se aprovadas, tem alto impacto na melhoria da gestão pública, mas também um alto custo político para aprová-las.
PEC “DDD”
O projeto de Desvinculação, Desindexação e Desobrigação orçamentária (PEC “DDD”) é vital para destravar o orçamento público. Hoje, 90% do orçamento constitui despesas obrigatórias com pessoal, aposentadorias, benefícios e gastos com educação e saúde. O constante crescimento dos gastos orçamentários acima da receita drenou os investimentos dos governos, principalmente dos estados e municípios. A realidade mostra que qualquer assunto que trata do orçamento suscita calorosos debates. Mexer na alocação de despesas e receitas implica em mudar a relação de poder entre governantes, parlamentares e agentes públicos. Não é uma tarefa simples.
Reforma Administrativa
A quinta medida é a reforma administrativa. Ela pretende reformar as carreiras do setor público, reduzindo o número de cargos e funções, introduzindo conceitos de mensuração de desempenho dos servidores, flexibilizando o princípio de estabilidade (o que permitirá a demissão do servidor por mau desempenho ou reestruturação administrativa). A reforma visa valorizar os bons servidores, permitindo que ascendam na carreira e sejam bem remunerados. Mas a proposta certamente vai gerar muita resistência na ala que não quer mudança nas regras que acabam com privilégios e vão cobrar resultado de desempenho dos servidores.
Ao empacotar medidas de grau de complexidade técnica e política distintas, corre-se um sério risco de se aprovar as medidas de efeito de curto prazo e de não se votar as reformas estruturantes, como é o caso da PEC da desvinculação orçamentária e a reforma administrativa. Sem a aprovação dessas duas medidas, o Estado brasileiro continuará atolado na crise que o levou a se tornar um ente caro, grande, ineficiente e incapaz de prestar serviço público de qualidade.