Depois do aumento recorde nos anos Lula e Dilma, cai o ritmo de contratação de servidores e diminui o avanço na despesa com salários. Mas ajuste estrutural ainda depende da reforma administrativa
Em 2014, no governo de Dilma Rousseff (PT), mais de 40 mil novos servidores entraram para os quadros do funcionalismo público no Executivo federal. Foi o ponto máximo de contratações da presidente que dizia que “gasto é vida” — e tanto gastou que, sem caixa, deu pedaladas nas obrigações do Tesouro. Desde aquele ano fatídico, as contas públicas, que tinham superávits primários, entraram no vermelho.
As crises recorrentes na economia brasileira quase sempre derivam do desequilíbrio fiscal. O legado de Dilma foram recessões profundas, aumento do desemprego e retrocessos nas conquistas sociais que haviam favorecido os mais pobres. O País sofre até hoje com os efeitos da ressaca da gastança daqueles anos.
A Emenda Constitucional 95/2016, conhecida popularmente como a Lei do Teto de Gastos, aprovada no governo de Michel Temer (MDB), foi concebida com o objetivo de frear o expansionismo ininterrupto de anos nas despesas públicas. O governo ficou amarrado por uma camisa de força fiscal, obrigado a não ampliar os gastos de um ano para o outro acima da inflação — com apenas algumas poucas exceções, entre elas os investimentos nas áreas de saúde e educação.
Os resultados positivos da Lei do Teto têm sido expressivos. Uma das consequências dessa amarra legal foi a contenção na contratação de novos servidores e nos gastos com o funcionalismo. Os números podem ser vistos no quadro abaixo. Depois de Dilma, os números caem a cada ano. Em 2020, foram contratados pelo governo federal pouco mais de 6.700 novos funcionários públicos e, em 2021, o número até agora ficou em 1.700.
Como resultado do arrocho do teto, caiu a taxa de reposição de aposentados. Na verdade, ela é hoje negativa: o número de funcionários que saem é superior ao dos que entram. Foi revertida, dessa maneira, uma tendência de quase duas décadas de aumento contínuo no quadro de servidores e nas despesas com os salários.
O quadro abaixo mostra como evoluíram as despesas com o funcionalismo desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O maior salto nas despesas ocorreu no segundo mandato de Lula: os gastos com o funcionalismo subiram de R$ 235 bilhões para quase R$ 308 bilhões.
Entre 2001 e 2018, as despesas totais com o funcionalismo acumularam uma alta de 447%. Foi um avanço mais do que o dobro superior ao da inflação no mesmo período, que ficou em 203%. O total desembolsado hoje para pagar os vencimentos dos funcionários do Executivo federal passa de R$ 335 bilhões ao ano, o que equivale a dez vezes o orçamento anual do Bolsa Família.
Em 2005, como lembrou recentemente o economista Alexandre Schwartsman, em artigo no Infomoney, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, chegou a apresentar uma proposta gradual para controlar as despesas. Com o tempo, o déficit público seria zerado. A ideia não foi adiante, entre outras razões, porque o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, chamou-a de “rudimentar”. Enrolado no Mensalão, Dirceu caiu, mas em seu lugar assumiu Dilma, que, como sabemos, acha que “gasto corrente é vida”.
Schwartsman mostra como o pedaço do PIB abocanhado pelos gastos correntes subiu continuamente desde então, esmagando o espaço no orçamento que poderia ser utilizado com investimentos. O PT, claro, foi contra a Lei do Teto, e Lula já prometeu derrubá-la caso seja eleito no próximo ano.
Ameaças ao teto
Há razões de sobra para criticar a gestão de Jair Bolsonaro. Mas, no que diz respeito ao teto de gastos, tem seguido a lei. O Ministério da Economia vem agindo, ao menos até aqui, para impedir que as pressões de relaxamento da regra fiscal prosperem. Se assim for, o País terá condições de reverter mais rapidamente o agravamento do déficit fiscal provocado pela pandemia do Coronavírus.
A grande questão a ser observada nos próximos meses é se um governo enfraquecido politicamente e em busca de reeleição continuará perseverando na responsabilidade fiscal. Quanto mais fraco Bolsonaro e quanto maiores as pressões pelo seu impeachment, maior o custo para saciar a sua base parlamentar. O avanço do Centrão no governo, coroado pela nomeação de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil, não sairá barato.
Resume Schwartsman: “Há bons motivos para crer que o péssimo desempenho econômico do país nos últimos anos decorra de nossa incapacidade de lidar com a despesa pública. São preocupantes as intenções de acabar com o teto de gastos”.
É preciso manter a Lei do Teto e ir além. A sua sustentabilidade depende de reformas adicionais. Um exemplo é a aprovação em definitivo da Lei dos Supersalários, que deverá ter a última votação em breve no Senado. A reforma administrativa precisa avançar mais rapidamente no Congresso.
A diminuição no número de contratações nos últimos anos foi positiva, mas, no futuro, poderá faltar gente qualificada em algumas áreas da burocracia. O ideal, portanto, não é apenas segurar as despesas na boca do caixa com torniquete fiscal, mas também fazer reformas estruturais que atualizem a estrutura de carreiras e os salários do funcionalismo. Com mais flexibilidade e produtividade, os servidores terão condições de prestar melhores serviços para a população — e sem arrebentar os cofres públicos.