Chuvas abaixo da média histórica e falta de planejamento ampliam a probabilidade de um corte na oferta de eletricidade. Redução na oferta derruba o crescimento do PIB e pode colocar o País em recessão
O País foi duramente castigado pela pandemia e pela instabilidade política. Agora começa a viver os primeiros dias de uma nova crise: o racionamento energético.
Tardiamente, o governo vem seguindo medidas para evitar o apagão. Os preços das tarifas subiram e deverão subir ainda mais, como maneira de coibir o consumo. Grandes empresas terão incentivos para reduzir as atividades durante os horários de pico. As usinas térmicas emergenciais, apesar de serem mais caras e mais poluentes, serão mantidas em operação por mais tempo, para assim diminuir o risco de colapso das hidrelétricas.
Essas medidas, até o momento voluntárias, serão suficientes para evitar um racionamento obrigatório? Ainda é cedo para dizer. Será necessário observar a intensidade das chuvas e os níveis dos reservatórios nos próximos meses. Mas o tarifaço nas contas de eletricidade e as restrições na oferta já pesam no bolso dos brasileiros e penalizam as empresas. A probabilidade a cada dia maior de haver cortes na oferta de energia será mais um obstáculo à retomada da economia. Havendo racionamento ou não, os brasileiros já sentem os seus efeitos.
O aumento dos custos com eletricidade elevou ainda mais a inflação. O índice de reajuste de preços medido pelo IPCA poderá bater em 10% ao ano nos próximos meses. O reajuste médio nas contas de luz dos brasileiros deverá ficar acima de 10% em 2021 e poderá atingir 20% em 2022, de acordo com as projeções dos consultores.
Usinas hidrelétricas ameaçadas
As séries históricas usadas para monitorar a hidrologia no Brasil trazem informações desde 1930. Nunca a situação havia sido tão crítica como em 2021. A falta de chuvas prejudicou especialmente a região Sudeste, onde se concentra 70% da capacidade de armazenamento de água das hidrelétricas.
De acordo com as projeções mais recentes, o nível dos reservatórios das usinas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste poderá cair abaixo de 10% em novembro. Trata-se de um patamar muito baixo, que inviabiliza a operação da maior parte das turbinas. As usinas precisam ser desligadas por questões de segurança.
Em 2001, quando houve o racionamento, os reservatórios dessa região caíram a 15% de sua capacidade. O nível atual está em 20%, de acordo com o Operador Nacional do Sistema (ONS), o pior para esta época do ano em toda a série histórica. Em anos normais, as represas chegam ao fim do período seco com ao menos 40% da capacidade.
A crise é ainda maior porque os desequilíbrios estruturais têm se agravado. Provavelmente em boa medida por causa do desmatamento e das mudanças climáticas, a intensidade das chuvas tem frustrado as expectativas há alguns anos. Assim, menos nos períodos úmidos os níveis dos reservatórios não são repostos adequadamente, o que deixa o sistema energético brasileiro exposto a crises e riscos de apagões.
Fontes emergenciais
O governo deveria ter poupado água antes e não ter deixado a situação ter chegado próxima ao colapso. Mas o negacionismo de Bolsonaro parece ter atingido também a gestão do setor elétrico.
Agora, para compensar a falta da energia das hidrelétricas, será necessário colocar em operação todas as usinas termelétricas disponíveis. Por isso a conta ficará mais cara nos próximos anos. Além disso, haverá uma ampliação na importação de eletricidade da Argentina e do Uruguai.
Mas, como adverte o consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, a oferta adicional disponível talvez não seja suficiente para fazer frente às necessidades da distribuição. “Mesmo com todas essas medidas, poderá haver blecautes ao longo de setembro, outubro e novembro”, afirma Pires.
O sistema estressado, operando no limite, fica mais sujeito aos apagões. Mesmo que não ocorra uma racionamento declarado, é bastante provável que haja quedas no fornecimento.
Cenários para o racionamento
O racionamento formal era visto como uma hipótese improvável até dois meses atrás. Isso porque, sempre que possível, é melhor remanejar o equilíbrio da oferta e da demanda de maneira programada, evitando as consequências negativas da imposição de um corte generalizado.
A piora no nível dos reservatórios, contudo, levou os analistas a refazer as contas. O Itaú emitiu um relatório no qual elevou de 5% para 10% a chance de haver racionamento. A XP em uma análise recente, subiu de 5% para 17,2% a probabilidade de corte de energia.
Mas qual será o tamanho da redução da oferta? Essa é outra incógnita. Na crise de 2001-2002, o corte foi de 20%.
Seria algo terrível para a economia. O racionamento ocorrido há 20 anos pegou o Brasil em um momento mais favorável na economia, mas o ritmo de crescimento desabou de 4,4% para 0,5%.De acordo com estimativas do Itaú, tendo como base as informações do passado, a cada 1 ponto percentual de redução forçada na oferta de energia o crescimento do PIB é diminuído em 0,2 ponto percentual. Portanto, uma racionamento de 10% pode subtrair até 2 pontos percentuais do crescimento esperado para o próximo ano — o que, muito provavelmente, colocaria o País em recessão. A consultoria RPS Capital fez um relatório no qual considera três cenários. No mais otimista, haveria uma redução de carga de 5% e o crescimento do PIB seria diminuído em 0,7 ponto percentual. No cenário base, haverá uma diminuição de 10% na oferta de energia, e o tombo no PIB será de 1,4 ponto percentual. O cenário mais negativo é aquele em que, sob a possível influência do fenômeno La Ninã, as chuvas sejam frustrantes nos três últimos meses do ano, forçando a uma redução de 15% na disponibilidade de eletricidade: o resultado seria uma subtração de 2,1 pontos percentuais na taxa de crescimento.
O racionamento bate à porta dos brasileiros e suas consequências começam a ser sentidas. A necessidade de transferência de energia de regiões mais distantes aumenta as chances de blecautes, o preço das tarifas vai continuar em alta e, mesmo assim, cresce a cada dia o risco de um novo racionamento.
No curto prazo, não há muito a fazer além de tomar medidas emergenciais. Olhando adiante, o Brasil precisa ampliar a oferta de energia estável e segura, por meio do investimento em usinas térmicas a gás natural. Assim será possível armazenar mais água nos reservatórios e tornar o sistema mais seguro. Os novos marcos do gás e do setor elétrico, dois projetos apoiados pelo movimento Unidos pelo Brasil, poderão contribuir para isso. A geração eólica e a solar também contribuem para diversificar a matriz, mas são fontes instáveis. Sofrem oscilações em decorrência dos fatores climáticos.
É verdade que nem todos os problemas começaram com Bolsonaro. É verdade também que choveu muito pouco neste ano. Mas o governo demorou a reagir. De novo, foi negacionista. Esperou pelas chuvas que talvez não cheguem no volume necessário. Aliás, as previsões do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) indicam pluviosidade abaixo da média nos próximos três meses.
O negacionismo e a incompetência de Jair Bolsonaro e sua equipe vão cobrando um preço enorme dos brasileiros.
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