Exportações encontrarão barreiras ainda maiores no mercado europeu e americano, caso o País não reverta o desmatamento. Enquanto isso, chineses ampliam participação na compra de produtos brasileiros
Congressistas democratas anunciaram na segunda-feira uma proposta para que os Estados Unidos criem barreiras tarifárias contra as importações de países que não cumpram metas mais ousadas de redução na emissão de carbono. O argumento, além de acelerar a transição rumo a uma economia verde, é proteger as empresas americanas da competição desleal de países que toleram práticas predatórias ao ambiente. “Precisamos assegurar que os trabalhadores e as indústrias dos Estados Unidos não fiquem para trás e dispor dos instrumentos para o progresso nos compromissos com o clima”, afirmou o senador Chris Coons.
O presidente Joe Biden quer acelerar a transição americana para uma economia de baixo carbono. Mas, dizem os congressistas, a agenda mais ambiciosa pode penalizar os Estados Unidos, daí a necessidade de instituir a “tarifa do carbono”, que poderá incidir sobre produtos importados, como aço, alumínio e outras commodities. O alvo principal é a China, mas o Brasil certamente poderá ser afetado, caso o projeto ganhe tração. Alguns republicanos têm defendido medidas semelhantes. O protecionismo seria justificado pelo fato de que, do contrário, a produção e os empregos poderão migrar para países mais tolerantes com a poluição ambiental.
Na semana passada, a União Europeia já havia apresentado o seu projeto de tarifa do carbono, chamado de “carbon border adjustment mechanism”, o CBAM. Trata-se de um plano bem detalhado e mais estruturado do que aquele que começa a ser discutido nos Estados Unidos. Produtos originários de países que não estão cumprindo as metas de redução na emissão dos gases do efeito ficarão sujeitos a sobretaxas alfandegárias. Inicialmente, mercadorias agropecuárias deverão ficar de fora, mas o aço brasileiro já está no alvo dos europeus. Importadores de produtos com elevada pegada ambiental terão que comprar certificados para equalizar o custo pago com a taxa de carbono caso a mercadoria tivesse sido produzida na União Europeia.
Essas iniciativas já começaram a criar atritos na comunidade internacional. No centro do debate está a discussão sobre se essas tarifas são protecionistas e se desrespeitam as regras da Organização Mundial do Comércio ou não. Poderão ocorrer também retaliações comerciais por parte dos países atingidos.
Na interpretação de Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio o Desenvolvimento (Unctad), as tarifas de carbono não devem ser vistas como barreiras protecionistas, porque o objetivo delas não é criar reserva de mercado em favor da indústria local. Como afirmou Ricupero à Folha, a justificativa é a meta é de interesse da humanidade, que é o combate à emergência climática, sem que o custo caia totalmente sobre a indústria europeia.
Brasil sob pressão
A disputa nos fóruns internacionais será intensa, e o tema certamente terá debates acalorados na COP 26, a conferência da ONU sobre as mudanças climáticas que ocorrerá em Glasgow, na Escócia, em novembro. O Brasil chegará à mesa de negociações em uma posição de fragilidade. O histórico recente demonstrou retrocessos no combate aos desmatamentos e às queimadas, que são a maior causa de emissão de carbono do País.
Oficialmente, o governo Jair Bolsonaro antecipou de 2060 para 2050 a meta de zerar a emissão de carbono do País. Existe também o compromisso de dar um fim ao desmatamento ilegal até 2030. Se não seguir o prometido, os produtos brasileiros perderão espaço nas prateleiras das lojas e dos supermercados americanos e europeus. Redes de supermercados holandeses, por exemplo, manifestaram que deverão boicotar mercadorias originárias do Brasil. Grupos do Reino Unido ameaçam fazer o mesmo. Trata-se de uma exigência dos consumidores europeus, e não apenas de lobby de produtores agrícolas protecionistas.
O Brasil vai perdendo espaço nos mercados mais exigentes e vai ficando cada dia mais dependente das exportações para a China. Os chineses são os principais compradores de 11 das 15 principais commodities exportadas pelo Brasil. Nos cinco primeiros meses do ano, a China foi responsável por 70% do saldo comercial brasileiro. Até 2015, a China era responsável por aproximadamente 25% das exportações brasileiras; no ano passado, o percentual subiu para 32%.
A taxa de carbono dos europeus e dos americanos certamente vão criar reações em todo o mundo e serão acusadas de barreiras protecionistas contra os países em desenvolvimento. O Brasil, contudo, poderia ser menos vulnerável a essas tarifas, caso cumprisse as suas promessas de combate ao desmatamento. Não tem sido o caso. Ainda assim, os produtores de commodities agrícolas e minerais festejam os números recordes da balança comercial — mas a cada ano as vendas internacionais ficam cada vez mais concentradas num único mercado, a China.