Constranger os assombros é elemento minimamente esperado para se consolidar a ideia de que somos honestos. Pouco importa se quem fez a proposta é amigo ou faz aquilo para sobreviver
Artigo de Humberto Dantas
Pessoas olham para as outras com suas próprias réguas. Isso é comum e esperado. Vou dar um exemplo: quando dou aula para agentes do universo empresarial, alguns alunos pensam que podem me aproveitar para a solução de problemas de suas organizações em relação a análises políticas de diferentes naturezas. Quando falo para professores, a ideia é que posso disseminar questões associadas à educação política para seus jovens estudantes. E assim por diante.
Sou daquele tipo de sujeito que tenho interesse em ouvir quase tudo o que as pessoas têm para me propor. E por isso adoro uma conversa sobre possíveis parcerias e ações conjuntas. Só demonstro intransigência em dois universos: eleições e corrupção – e que fique absolutamente evidente que um não tem relação absoluta com o outro. Vou explicar ambos.
No caso da corrupção, impressiona como algumas pessoas olham para a gente e se sentem à vontade para proporem ilícitos com naturalidade absoluta. Quem me conhece sabe que minha testa começa acima das sobrancelhas e termina na nuca. Mas o fato de eu ser calvo e ter um espaço descalvado imenso não significa que ele está disponível para você escrever CÚMPLICE onde deveria existir uma franja. Assombros assim, hoje em dia, me levam para apenas um lugar: a denúncia. Não conte comigo como parceiro, tampouco imagine que lhe darei uma humilde negativa ao estilo: “minha agenda está cheia, se não eu lhe ajudaria”. Nada disso. O combate à corrupção começa em cada um de nós, e constranger os assombros é elemento minimamente esperado para se consolidar a ideia de que somos honestos. Pouco importa se quem fez a proposta é amigo, ou faz aquilo para sobreviver.
O segundo caso está associado à disputa de eleições. Certa ocasião, ainda presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo, terminei uma fala em um evento lotado e uma vereadora me chamou imediatamente para um café. Disse que se impressionara com minha capacidade de falar bem em público – pudera, sou professor faz mais de 20 anos. Fiquei envaidecido, mas imediatamente ouvi o inesperado: “Por que você não se filia à minha legenda e não faz dobradinha de deputado com o meu pai?”.
A primeira reação a um convite dessa natureza, depois da surpresa, está associada à vaidade. Contas rápidas passam pela cabeça: quantos votos preciso? Quem financiaria esse sonho? O que eu faria de diferente? Mas em meu caso a negativa vem de forma instantânea. A justificativa é muito simples: eu sou rigorosamente mais do mesmo. Se isso pode ser mentira do ponto de vista intelectual, devo tratar dessa minha arrogância na terapia. Estudei política, entendo de política, mas isso não me faz mais político que tantos outros. Na verdade, faz sim. Eu sou político. Ao participar com muito orgulho de formações, cursos, capacitações e reflexões que têm o mundo da política como tema central, eu definitivamente estou no jogo, atuo sobre ele e sou parte de tudo isso.
Mas esteticamente está o problema mais agudo. O espelho de minha casa me mostra desde que nasci um homem branco. Com quase 50 anos de idade, ele ultimamente me mostra um sujeito que se encaminha para a velhice. E isso para mim é natural, genial, bonito e delicioso, mas não me leva para a eleição. A política precisa de mais um cara sob esse estereótipo? Serei mesmo eu a representar a diversidade? No que alguém poderia dizer: com esse tipo de pensamento, certamente, você estaria representando bem certas causas. Não. Não estaria.
Dia desses um velho deputado bem à esquerda reclamou que só homens, brancos e velhos estavam na Câmara. E pensei: bela forma de o deputado se despedir, pois certamente com esse discurso ele vai deixar a eleição de lado. Nada disso, reelegeu-se em 2018. O inferno são os outros, o espelho não reflete o agente como parte do problema, e esse risco, definitivamente, eu não quero correr. Não à toa, desde 2018, sem qualquer sombra de dúvidas e até as mulheres representarem pelo menos 50% dos parlamentos para os quais eu oferto votos, só escolherei mulheres nas eleições proporcionais. Esse é meu compromisso com a democracia, com a diversidade que prego em meu posicionamento eleitoral, mesmo envaidecido com convites tão especiais que, certamente, me tirariam de um lugar que ocupo com orgulho e me levaria para o espaço onde eu seria “mais do mesmo”.
Humberto Dantas é doutor em ciência política pela USP e pós-doutor em administração pública pela FGV-SP. Coordenador dos programas de educação do Centro de Liderança Pública – CLP.
Bom dia professor !!! Aprendo muito com seus textos. Segui sua instrução de fazer : campanha porta porta na última eleição, fui mal votada, mas aprendi muito , conheci de perto a conduta da maioria .Quero aprender mais de política e, embora tendo projetos que julgo assertivo para minha cidade ,me questiono : mexer no ninho de cobras ou envelhecer em paz…
embora tendo projetos acertamos