A grande maioria dos Estados brasileiros ruma ao abismo fiscal. Puxadas pelo crescente gasto com o funcionalismo, as despesas são insustentáveis. Nada afasta mais investidores do que um Estado à beira da insolvência. A reforma administrativa é urgente nos governos estaduais e municipais. Não existirá futuro sem a modernização ampla na gestão dos recursos humanos do setor público.
Os Estados brasileiros, com raríssimas exceções, rumam resignadamente para o abismo fiscal. As despesas correntes avançam numa trajetória insustentável, puxadas pelo aumento de gastos com o funcionalismo. A cada ano, o pagamento da folha de salários dos servidores ativos e das aposentadorias consome uma fração maior do orçamento disponível. Como resultado, os Estados sofrem de uma enfermidade crônica: a baixa capacidade de realizar investimentos. O resultado é a baixa qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.
No ano passado, o aumento médio com a folha de pagamento foi de 5,1% — acima, portanto, da inflação, que ficou em 4,3% (IPCA). No acumulado dos últimos nove anos, o aumento médio real (ou seja, acima da inflação) ficou em 11%, de acordo com o recém-divulgado Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, produzido pelo Tesouro Nacional. Esses são números médios.
Quando se observa no detalhe, deve-se dizer que alguns governos conseguiram apertar o cinto. Foi o caso de São Paulo, Distrito Federal, Pernambuco e Espírito Santo. Já o Rio de Janeiro conquistou a façanha de elevar em 70% (acima da inflação) os gastos com o funcionalismo entre 2011 e 2019. O número, por si só, ajuda a iluminar os motivos do colapso financeiro no Estado.
Muitos Estados pediram ajuda federal nos últimos anos e, como contrapartida, comprometeram-se a restringir contratações e controlar o reajuste de salários. Ainda assim, as despesas com servidores mantêm-se em alta. Como? Há privilégios de promoções automáticas por tempo de serviço, incorporação de gratificações e outros penduricalhos que engordam os vencimentos mesmo sem que haja qualquer relação com metas de qualidade no atendimento ou produtividade na prestação de serviços.
Lei de Responsabilidade Fiscal
A situação dos Estados não é pior apenas porque existe a Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em 2000. A LRF impõe limites a certas despesas e ao endividamento dos Estados. Problema: ao longo dos anos, os governos conseguiram encontrar brechas para driblá-la e aprovar gastos adicionais e contratar novas dívidas. Pela falta da definição clara de alguns dispositivos da LRF, existe uma grande judicialização.
A LRF precisa ser revisitada e passar por atualizações necessárias para vedar as disputas jurídicas e os contorcionismos legais ao seu cumprimento. Ainda assim, ela tem sido eficiente que ocorra um descontrole similar ao ocorrido nos anos 1980, quando o endividamento descontrolado dos governos regionais contribuiu para alimentar a hiperinflação.
Queda nos investimentos
A outra face do aumento dos gastos nos governos estaduais é a queda nos investimentos. Foi a maneira pouco virtuosa que os governadores encontraram para manter suas finanças minimamente equilibradas. Com uma parcela maior do orçamento utilizada para o pagamento de salários e pensões, diminuem os recursos disponíveis para aplicar em estradas, hospitais, treinamento, tecnologia, segurança pública. Mas a principal função de um Estado não é sustentar servidores. O sentido da existência do Estado é a proteção ampla de seus cidadãos, e para isso ele precisa investir em educação, saúde, segurança e infraestrutura. Essas são as suas atividades essenciais. Um Estado solvente não consegue prestar serviços minimamente razoáveis, muito menos reagir adequadamente à crise, como a provocada pela pandemia da covid-19.
Os números falam por sim. De acordo com os dados do Tesouro, as despesas com funcionalismo foram engordadas em R$ 21,4 bilhões de reais em 2019, levando-se em consideração todos os Estados e o Distrito Federal. E os investimentos? Encolheram R$ 7,6 bilhões. Os investimentos equivalem a menos de 5% da receita líquida dos governos estaduais. Já os gastos com folha representam 11 vezes mais: consomem em média 55% do Orçamento.
O custo da burocracia
A burocracia qualificada é um instrumento necessário para o bom funcionamento de um governo. Mas o seu custo não pode ser desproporcional à capacidade financeira do Estado. O funcionalismo precisa também ser incentivado a ser mais produtivo, a perseguir metas de qualidade nos serviços prestados. Hoje existe um conjunto de incentivos à baixa produtividade: estabilidade no cargo, promoções automáticas, benefícios por tempo de serviço.
Um estudo do economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, mostra que em 2008 o comprometimento médio dos Estados com a folha de pagamentos era de 50%. Hoje esse número já passa de 60%. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais gastam mais com os aposentados e pensionistas do que com o funcionalismo na ativa. Não é surpresa, portanto, que esses são os três Estados que protagonizaram as piores crises financeiras dos últimos anos, com impacto direto na qualidade dos serviços públicos.
No decorrer dos últimos 40 anos, como detalha Mendes, os Estados foram socorridos repetidas vezes. Mas não fizeram as reformas estruturais necessárias para lhes assegurar a sustentabilidade financeira. Vivem à espera constante de um novo socorro, e os desequilíbrios vão se aprofundando.
É uma situação insustentável. Daí a urgência de fazer a reforma administrativa, tanto na esfera federal como também nos governos estaduais e municipais. Não existirá um futuro promissor para os Estados – e nem para o governo federal – sem que haja uma reestruturação de carreiras e salários, em uma modernização ampla na gestão dos recursos humanos do setor público. Do contrário, o colapso será questão de tempo. Aliás, é o que já está acontecendo, como fica evidente no Rio de Janeiro – um Estado falido e perdido, apesar dos bilhões do petróleo e de todos os investimentos feitos para a realização da Olimpíada e da Copa do Mundo.
Felizmente, há os bons exemplos também. O Espírito Santo já viveu uma situação muito parecida com a do Rio de Janeiro, mas, depois de uma década de reformas e ajustes, é hoje um dos Estados em melhor situação financeira. A saúde nas finanças públicas se traduziu em melhora nos índices de qualidade dos serviços público e aumento dos investimentos.
Não existe dicotomia entre sanidade fiscal e desenvolvimento. Muito pelo contrário. A responsabilidade fiscal é algo básico para dirimir incertezas perante os investidores e, ao mesmo tempo, abrir espaço no Orçamento para o setor público aplicar recursos em suas atividades essenciais. Não existe fator que contribua mais negativamente para a confiança dos empreendedores privados do que um Estado mergulhado numa crise fiscal e à beira da insolvência.