Estudo indica que País poderá ter ganho de até US$ 100 bilhões ao ano com a venda de créditos de carbono, caso mecanismo seja regulamentado na Conferência das Mudanças Climáticas em Glasgow
A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 26, em Glasgow, poderá representar uma grande oportunidade para o Brasil, mas também uma grande ameaça. Tudo dependerá de como o País encarar as negociações na cúpula internacional.
O encontro terá início no dia 31 de outubro e vai até o dia 12 de novembro. O governo brasileiro promete apresentar um plano convincente para dar fim ao desmatamento ilegal até 2030 e cumprimir as metas de redução nas emissões de carbono estipuladas no Acordo de Paris. Com isso, o Brasil seria uma economia neutra em carbono até 2050.
Se assim for, o País vai cumprir a sua parte no esforço mundial contra o aquecimento global e afastará o risco de ser alvo de eventuais retaliações por parte da Europa, dos EUA e de outros países. Mas ainda existe muito ceticismo com relação à capacidade — e também à disposição — de o governo conceber um plano coerente e que dialogue com as expectativas internacionais.
Outro ponto importante das discussões em Glasgow será a possível definição, depois de anos de conversas, sobre a regulamentação do mercado internacional de comercialização de créditos de carbono. Nisso também o Brasil poderá ser um dos grandes ganhadores, com o potencial de venda de US$ 100 bilhões na próxima década.
Revisão das metas
No Acordo de Paris, selado na COP 21, em 2015, a grande maioria dos países deu apoio às metas de redução de emissões de gases de efeito estufa cujo objetivo central é evitar que o aumento da temperatura global fique abaixo de 2ºC em relação ao período pré-industrial. Idealmente, a elevação não deveria ultrapassar 1,5ºC.
Desde então, foram poucas as nações que se empenharam no plano de fato, e alguns dos maiores emissores, como a China, continuam distantes das metas. A reunião de Glasgow, que deveria ter ocorrido no ano passado mas foi adiada por causa da pandemia, será o palco para que muitos países cobrem ações mais ousadas e efetivas para promover a economia verde.
As metas do acordo eram, basicamente, reduzir pela metade as emissões globais de gases de efeito estufa até 2030. Com isso, seria possível atingir a neutralidade de carbono em 2050. Mas, de acordo com as últimas estimativas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), será necessário acelerar a transição rumo a uma economia verde para que se evite a elevação das temperaturas acima do desejável.
Os países em desenvolvimento cobram dos ricos a promessa de concessão de empréstimos no valor de US$ 100 bilhões destinados a financiar projetos de sustentabilidade ambiental.
Vantagens e fragilidades do Brasil
No mundo, a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa é a queima de combustíveis fósseis. A produção de eletricidade e o uso no transporte representam mais de 70% da liberação de carbono na atmosfera.
O Brasil, contudo, possuiu uma das mais limpas matrizes energéticas do planeta. Metade da matriz energética brasileira tem origem renovável. É a vantagem de contar com o etanol para o transporte de veículos e abundância de fontes renováveis, como água, sol e ventos, para a produção de eletricidade. No que diz respeito especificamente à geração de energia elétrica, mais de 80% tem fonte renovável, contra apenas 22% no resto do mundo.
A meta oficial do Brasil, que deverá ser confirmada em Glasgow, é reduzir em 37% as emissões de carbono até 2025 e em 43% até 2030. A grande dificuldade para respeitar essas metas é combater o desmatamento ilegal. O desmatamento estava em declínio até 2016. Mas houve um avanço da devastação nos últimos anos e isso tem colocado em xeque a capacidade brasileira de atingir a meta de ser uma economia neutra em carbono. As queimadas são, desde 2017, a maior causa de emissão no País de gases causadores do efeito estufa. Trata-se de uma preocupação global não apenas por causa das emissões, mas também devido aos impactos climáticos pela diminuição na cobertura vegetal.
Os grandes produtores privados têm feito a sua parte, investindo na sustentabilidade e na certificação da origem dos produtos. Procuram dessa maneira atender às exigências dos compradores internacionais. Mas 98% do desmatamento brasileiro é ilegal e a maior parte ocorre em reservas ou áreas devolutas cuja proteção está sob responsabilidade do governo.
Sem controlar a derrubada de florestas, o Brasil terá um prejuízo duplo. Em primeiro lugar, poderá sofrer boicotes e retaliações de outros países que não aceitem importar mercadorias originárias de um país que não protege a Amazônia. Além disso, terá dificuldades para ingressar no mercado internacional de comercialização de créditos de carbono, o mecanismo usado para compensar as emissões de empresas poluentes.
O avanço no arcabouço para as transferências internacionais de crédito de carbono estará no centro das atenções na COP. Para que esse mecanismo deixe de ser uma promessa, será necessário regulamentar os dispositivos previstos no Artigo 6 do Acordo de Paris.
O Brasil tem muito a ganhar. Um estudo da International Chamber of Commerce (ICC Brasil), em parceria com a consultoria Way Carbon, estimou que o País poderá prover até 22% da demanda global pela compra de créditos de carbono. A depender das cotações internacionais, esse mercado poderia render receitas de US$ 100 bilhões para o Brasil até 2030. Um outro estudo, realizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), estimou que as receitas podem chegar a US$ 72 bilhões em 2030. Como referência, vale lembrar que as exportações do Brasil em 2020, incluindo produtos agrícolas, minerais e industrializados, totalizaram US$ 209 bilhões.
A economia verde poderá ser um grande vetor de desenvolvimento para o País, principalmente em regiões hoje pobres no Norte e no Nordeste. Mas isso exigirá a apresentação de um plano sólido e coerente. Ainda mais importante, será necessário cumprir as promessas feitas lá fora, em vez de tolerar o avanço do desmatamento criminoso.