O Brasil ainda tem um período trágico da pandemia para atravessar. O enfrentamento da pandemia é uma maratona. Requer estratégia e persistência tanto do setor público, como da população. Até que o programa de vacinação avance, os brasileiros precisam manter as regras de distanciamento e usar máscaras adequadas.
Neste momento, o Brasil é o epicentro mundial da Covid-19. A média de mortes diárias dos últimos sete dias se aproxima de 3.000 óbitos. É a maior entre os países. Os números se tornam ainda mais alarmantes quando comparados às médias mundiais de infecção e letalidade: com menos de 3% da população mundial, hoje, o Brasil responde por cerca de 30% dos óbitos e de todos os casos de Covid-19 registrados no mundo.
Esses números (absolutos e relativos) devem continuar a crescer nas próximas semanas, à medida que os países mais afetados aceleram seus programas de vacinação e nosso programa continua a conta-gotas. As projeções dos modelos epidemiológicos indicam que o total de óbitos diários apresentará uma possível estabilização e uma progressiva redução significativa apenas entre o final de abril e o início de maio, desde que as medidas de contenção — que envolvem prevenção e distanciamento social – sejam respeitadas e tenham o efeito esperado. Até lá, hospitais e UTIs permanecerão extremamente sobrecarregados e os insumos para o tratamento da doença serão escassos. Haverá mais cidades cujos sistemas de saúde entrarão em colapso. As próximas quatro a seis semanas serão provavelmente as mais difíceis desde o início da pandemia, há pouco mais de um ano.
Dados confiáveis e atualizados
Aplicativo desenvolvido pelo Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), do centro de pesquisas da Universidade de Washington, traz projeções atualizadas para o Brasil e para os estados brasileiros não apenas sobre o número de mortes, como também sobre uso de máscaras, distanciamento social, testagem e ocupação de hospitais. Os dados estão disponíveis para download.

A convulsão política contribui para desarticular ainda mais as ações de combate à crise sanitária e econômica. Os brasileiros precisam se preparar e reagir, mantendo as regras de distanciamento e usando máscaras. Sempre que se baixa a guarda da preocupação, o vírus volta a atacar de maneira inclemente.
Existe uma incerteza muito grande com relação à evolução futura da pandemia. Mesmo com o avanço da imunização, a covid-19 deverá continuar a impactar o mundo. O vírus tende a se tornar endêmico e as novas variantes podem ser ainda mais transmissíveis e agressivas, o que exige avanço constantes da indústria farmacêutica. Não se sabe com exatidão se as vacinas manterão eficácia ante as novas cepas, nem mesmo o prazo da proteção oferecido por cada uma dessas vacinas.
Cuidados básicos e prioritários
O vírus da Covid-19 é transmitido prioritariamente por vias respiratórias, ou seja, é essencialmente transmitido pelo ar. A maneira mais eficiente de conter a sua disseminação é por meio do distanciamento social. As pessoas precisam se manter isoladas, sem contato com outras pessoas, sobretudo em ambientes fechados e com pouca ventilação. Quando não for possível manter o isolamento, é fundamental o uso de máscaras. O ideal é usar as máscaras mais eficientes, as do tipo PFF2 (ou N95, na especificação internacional). Elas possuem maior capacidade de proteção e filtragem.
Essa é uma das recomendações prioritárias sugerida na carta dos economistas, divulgada na semana passada (Carta aberta à sociedade referente a medidas de combate à pandemia). Diz o texto: “Países da União Europeia e os Estados Unidos passaram a recomendar o uso de máscaras mais eficientes – máscaras cirúrgicas e padrão PFF2/N95 – como resposta às novas variantes. O Brasil poderia fazer o mesmo, distribuindo máscaras melhores à população de baixa renda, explicando a importância do seu uso na prevenção da transmissão da Covid”.
Essa política é relativamente barata. Se adotada rapidamente, contribuirá para conter a circulação do vírus e a disseminação da doença. Menos pessoas chegariam aos hospitais. É preciso ampliar leitos nas unidades de emergência, mas é muito mais rápido e menos custoso atuar na prevenção. A distribuição de máscaras de melhor qualidade seria uma medida extremamente positiva. O que se vê hoje, contudo, são profissionais como motoristas de ônibus, policiais e outros trabalhadores em funções prioritárias com máscaras de baixo nível de proteção. Sem falar nos trabalhadores que, diariamente, são obrigados a usar transporte público e mal têm recursos para adquirir máscaras apropriadas.
As estatísticas com os jogadores de campeonatos da Federação Paulista de Futebol demonstram a agressividade do vírus e as falhas brasileiras em lidar com a doença: 12 a cada 100 atletas foram contaminados no ano passado, de acordo com um estudo realizado por um grupo de pesquisadores da USP, do Albert Einstein, do HCor, do Instituto Dante Pazzanese, da UNIFESP e do Núcleo de Alto Rendimento Esportivo de São Paulo. Trata-se de um percentual equivalente ao encontrado entre os profissionais da área médica que estão atuando na linha de frente do combate ao COVID. Nos campeonatos da Dinamarca e da Alemanha, por exemplo, os índices de contágio encontrados foram inferiores a 1%. Segundo os pesquisadores, a alta de incidência pode estar associada à quebra de protocolo em atividades extracampo porque, durante as partidas, em ambiente aberto, a probabilidade de transmissão é relativamente mais baixa. Foram analisados os exames feitos em mais de 4 mil atletas, que disputaram oito torneios em diferentes categorias.
Vacinação não é passe livre
A vacinação precisa ganhar velocidade. O governo federal cometeu o erro de apostar todas as fichas em uma única vacina. Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento de administração de riscos sabe a importância da diversificação. As entregas dos imunizantes e dos insumos atrasaram e, tardiamente, o governo tenta fechar contratos com mais fornecedores. Esse atraso custará milhares de vidas e terá um efeito negativo na retomada econômica, aprofundando a crise social.
O ritmo vagaroso na aplicação dos imunizantes tem uma consequência adversa. Haverá tempo para o vírus continuar se espalhando e, possivelmente, desenvolver variantes mais agressivas contra as quais as vacinas poderão ter menor eficácia. Espera-se que, apenas no início do próximo ano a cobertura vacinal, com duas doses aplicadas, atinja 70-80% da população brasileira. Esse é o número estimado pelos epidemiologistas para desenvolver a chamada “imunidade de rebanho”. Até o momento, menos de 5 milhões de brasileiros receberam as duas doses da vacina. Isso representa menos de 3% da população, número extremamente baixo para reduzir a transmissão e a evolução da doença em nosso país. Daí a necessidade absoluta de atuar na precaução, com distanciamento e uso de máscaras.
Nos próximos meses, mesmo com o avanço na cobertura vacinal, deverá ocorrer uma nova onda de alta no número de mortes e infecções em países com altas taxas de vacinação. Isso é esperado em epidemiologia, sobretudo em uma pandemia dessa magnitude. É o que vem ocorrendo nos Estados Unidos, por exemplo. Isso porque as pessoas vacinadas relaxam na precaução e o vírus volta a se espalhar mais rapidamente, e também porque as vacinas, a priori, nem sempre apresentam cobertura de 100%. Obviamente, essas ondas tendem a ser muito menos agressivas e letais. Porém, o setor público deve estar atento a esse efeito e atuar desde já para esclarecer a população. Vacina ajuda, e muito, mas não significa um passe livre para a retomada da “vida normal”. Será necessário manter medidas inteligentes de distanciamento e prevenção ainda por um longo tempo.
O enfrentamento da pandemia é uma maratona. Requer estratégia e persistência tanto do setor público, como da população. Manaus foi um prenúncio daquilo que agora se vê em todos os estados. Em meio à desordem do governo federal, prefeitos e governadores terão papel cada dia mais relevante na proteção da população. As pessoas também precisam fazer sua parte. O Covid-19 é um vírus cruel e altamente transmissível que só poder ser eficientemente combatido por meio do distanciamento social. É doloroso ficar longe de amigos e familiares. Mas até que o programa de vacinação avance substancialmente em nosso país e as vacinas se comprovem altamente eficazes para impedir a disseminação da doença, o distanciamento social continuará a ser um dos poucos (e amargos) remédios.
Tudo isso é uma consequência direta do despreparo, desorganização e da negligência – e, acima de tudo, da falta de liderança – das nossas autoridades e instituições federais.