A crise do Covid 19 deveria servir como a força aglutinadora do País para a retomada da agenda da competitividade e do crescimento econômico. Mas não: Governo abandona reformas essenciais; Congresso vota “pautas-bombas”, que comprometem o futuro do País; empresários brigam por reserva de mercado para suas indústrias. Cada um quer defender seu quinhão de direitos e favores. O que ameaça a democracia não são manifestações a favor da ditadura: são atitudes mesquinhas. Elas destroem a confiança no Estado e abrem caminho para o triunfo do populismo e da barbárie.
Os inimigos da democracia não são apenas arruaceiros que fazem manifestação a favor da ditadura e do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Eles são apenas os avatares da barbárie. Os piores adversários da democracia são aqueles camuflados de seus defensores.
A democracia precisa do Estado de Direito para florescer. Governos democraticamente eleitos que insuflam o povo contra as instituições têm como objetivo gerar desordem e anarquia para justificar a implementação da tirania.
A democracia precisa de governos que prestem serviços públicos de qualidade aos cidadãos e de Poderes que respeitem as limitações constitucionais, buscando a cooperação e o entendimento entre eles para legitimar as decisões públicas. Quando o dinheiro do contribuinte é colocado à serviço da preservação dos interesses corporativistas em detrimento do cidadão, o Estado se torna um fomentador da desigualdade social. Ele colabora para destruir a credibilidade das instituições e transformar a democracia numa oligarquia que distribui privilégios, favores e benefícios para alguns segmentos da sociedade em detrimento do bem comum.
A mesquinharia de políticos e empresários
A crise do covid-19 deveria dar aos parlamentares a justificativa política para aprovar as reformas do Estado, o marco do saneamento básico e eliminar penduricalhos imorais e privilégios que contribuem para o descrédito das instituições democráticas. Mas o que se vê no Congresso são “pautas bombas”, que criam mais privilégios para o corporativismo estatal em detrimento da melhoria da qualidade dos serviços públicos.
A crise deveria servir como a força aglutinadora do País em torno das medidas essenciais para destravar as amarras do crescimento econômico, do investimento e da geração de emprego. Mas o governo desperdiçou a chance de unir o Legislativo, o Judiciário e os governadores em torno de uma pauta construtiva para fazer o Brasil voltar a crescer. Bolsonaro, que prometeu acabar com a velha política e a corrupção, tornou-se refém justamente dos caciques da velha política e do escândalo da Lava Jato, entregando-lhes cargos no governo e orçamento que superam 78 bilhões de reais.
A crise deveria também servir para unir os empresários em torno da abertura econômica, da agenda da competitividade e da retomada da produtividade no país. Mas os empresários que apoiam a democracia são os mesmos que vão à Brasília defender mais protecionismo e reserva de mercado para as suas indústrias. Suas reivindicações são responsáveis por transformar o Brasil numa das economias mais fechadas do mundo que ajudou a enriquecer algumas empresas em detrimento da perda de competitividade e produtividade do país.
A crise deveria criar um grande movimento cívico – como foi o Diretas Já – para unir o País em torno da defesa da democracia. Mas defensores da democracia vão às ruas e empregam meios anti-democráticos, como a violência, para defender a liberdade. Movimentos cívicos pró-democracia recorrem à censura para vetar o endosso de pessoas, como foi o caso do veto ao ex-juiz Sergio Moro. Nada mais anti-democrático.
A defesa do outro
Democracia implica na defesa da liberdade, do livre mercado, do Estado de Direito e da igualdade de oportunidade. Quando cada um quer dilacerar um pedaço desses princípios para justificar a defesa do seu quinhão de direitos e favores, a democracia está ameaçada não apenas por arruaceiros, mas também por atitudes egoístas do establishment. A coerência entre palavras e ações vai separar os defensores dos inimigos da democracia.
Quando os princípios e valores deixam de nortear a ação política, resta apenas a pequenez de reinvindicações, o egoísmo das ambições pessoais e o resultado fugaz de atitudes mesquinhas. O mundo fica menor e as virtudes da democracia tornam-se mero chavões de discurso hipócritas, que camuflam a falta de coragem, determinação e resiliência para defender a democracia.
No passado recente, quando o Brasil tinha estadistas dispostos a lutar sem trégua pela democracia, líderes como Ulysses Guimarães diziam “Política não se faz com ódio, pois não é função hepática. Política é filha da consciência, irmã do caráter e hóspede do coração”. As pessoas aplaudiam o seu líder e seguiam caminhando, ocupando praças e ruas em todo o Brasil, defendendo a democracia e reunindo pessoas de todas as correntes partidárias e ideológicas em torno de um único propósito: a luta por um país democrático.
As pequenas mesquinharias individuais destroem a confiança no Estado, nas leis e nas instituições democráticas, abrindo o caminho para o triunfo do populismo e, em última instância, da barbárie.