Bom serviço público é reflexo de boa gestão. Atualmente, 74% das cidades brasileiras apresentam dificuldade nesse quesito. De acordo com o Índice Firjan de Gestão Fiscal, os aspectos que mais pesam nesse quadro são a incapacidade das cidades de se sustentarem e o alto gasto com pessoal. A reforma administrativa é essencial para assegurar serviços de boa qualidade e evitar o colapso financeiro das cidades.
Hoje, 6 a cada 10 funcionários públicos são servidores municipais. A reforma administrativa, que agora começa a ser debatida no Congresso, não pode, portanto, ficar restrita ao funcionalismo federal. É nos estados e, principalmente, nos municípios que as políticas sociais são administradas. A boa qualidade dos serviços públicos passa necessariamente pela boa qualidade das gestões municipais. Por isso a reforma administrativa é urgente: essencial tanto para evitar o colapso financeiro das cidades como para assegurar que os cidadãos tenham serviços de boa qualidade.
Em novembro, os eleitores de 5.570 municípios irão às urnas para escolher os seus prefeitos e vereadores. A importância desses votos é maior do que muitos brasileiros imaginam. É no nível municipal que são administradas as duas principais políticas públicas de bem-estar social: educação e saúde.
A evolução da burocracia municipal
As prefeituras começaram a ganhar relevância na burocracia pública nos anos 1950, mas o grande saldo ocorreu depois da Constituição de 1988. Os governos locais receberam novas atribuições e maior parcela na transferência dos recursos dos tributos. Como consequência, contrataram mais pessoal. A maior parte do aumento no número de funcionários públicos ocorrido nas três últimas décadas se deu nos governos municipais.
Segundo o Atlas do Estado Brasileiro, do Ipea, o número de servidores das prefeituras mais do que triplicou desde 1987. O total de funcionários na ativa passou de 1,7 milhão para 6,5 milhões. As contratações se concentraram nas áreas de educação e saúde: mais de 40% dos funcionários das prefeituras são professores, médicos, enfermeiros.
Multiplicação dos municípios
Faz todo sentido que as políticas públicas sejam administradas de maneira descentralizada, com flexibilidade para se adaptarem às necessidades locais. Um aspecto problemático, contudo, dessa descentralização de poder foi a autorização politiqueira para a multiplicação do número de municípios.
Foram criadas 1.579 cidades desde 1980, um aumento de 40%. Cada uma com direito ao seu prefeito, aos seus vereadores – e à sua cota na repartição de recursos federais.
A autonomia dos municípios
O resultado do expansionismo irracional foi que uma parcela significativa dos municípios não possui condições financeiras mínimas nem mesmo para sustentar a sua burocracia. Como informa indicador de autonomia do Índice Firjan de Gestão Fiscal, 35% dos municípios brasileiros não geram receita própria suficiente para cobrir os gastos administrativos da Prefeitura e da Câmara de Vereadores. São quase 2.000 cidades que conseguem sobreviver apenas na base de transferências federais. Quando se observam as diferenças regionais, as disparidades ficam evidentes. Foi justamente nas regiões Norte e Nordeste que houve a maior parte da criação de novas cidades.
Gasto com pessoal e investimento
As condições financeiras não são determinantes para a qualidade do serviço público. Mas a restrição orçamentária representa um obstáculo adicional a ser superado – e essa dificuldade é mais comum em áreas que já são carentes.
A falta de recursos faz com que os gastos se concentrem no pagamento de salários e das aposentadorias do funcionalismo, sobrando, assim, poucos recursos para os investimentos.
Como também mostra o levantamento da Firjan, um número crescente de prefeituras gasta mais da metade de seu orçamento com o pagamento da folha de salários. Cerca de 15% delas já estouram o limite máximo de 60% da receita líquida que pode ser gasto com o funcionalismo, teto este estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na outra ponta do ranking de solidez fiscal dos municípios, apenas 15% deles ostentam uma boa capacidade fiscal para realizar investimentos.
A importância da reforma administrativa
A multiplicação do número de municípios, defendida no passado como uma estratégia para incentivar o desenvolvimento regional, criou uma legião de prefeitos e vereadores incapazes de promover boas políticas públicas e de prestar serviços minimamente adequados. Trata-se de uma parte enorme da equação que muitas vezes é relegada a segundo plano no debate sobre repartição de verbas e avaliação dos programas sociais.
A gestão municipal cumpre um papel essencial na prestação dos serviços da rede de bem-estar social do País. Para que o setor público seja mais efetivo, os governos locais terão necessariamente de ser mais produtivos. Mais da metade de todo o funcionalismo nacional trabalha nas prefeituras. São professores, médicos, dentistas, auxiliares de enfermagem e assistentes sociais que atuam em contato direto com a população.
Os prefeitos eleitos em novembro terão um desafio enorme à frente. A recessão atingiu as empresas e derrubou a arrecadação de impostos, o que vai aprofundar os desequilíbrios fiscais.
Ao mesmo tempo, o desemprego disparou. Haverá uma maior pressão por gastos sociais, especialmente na área de saúde e de assistência social.
Uma reforma administrativa abrangente, que inclua os atuais servidores, será capaz de dar mais musculatura aos governantes municipais. Vai contribuir para o equilíbrio das finanças públicas e, acima de tudo, vai criar os incentivos necessários ao desenvolvimento profissional dos servidores, que, assim, terão condições de prestar serviços melhores e com mais impacto para a população.