Os quatro anos do governo populista de Donald Trump agravaram questões internas e externas que Joe Biden deverá enfrentar assertivamente: a gestão da crise sanitária, a retomada da economia, a credibilidade internacional e a pacificação do país. Habilidade política, civilidade e respeito às instituições democráticas não lhe faltam. Boa sorte, presidente.
A posse do presidente Joe Biden marca o início do fim do pesadelo populista que destruiu a credibilidade de instituições democráticas, acirrou a polarização e divisão no país e contribuiu para denegrir a confiança nos Estados Unidos como poder moderador da ordem internacional. Mas o sentimento de alívio com o fim da era Trump vai durar apenas algumas horas. Os problemas monumentais deixados pela herança maldita do populismo trumpista precisam ser enfrentados imediatamente.
Gestão da crise sanitária
Primeiro, a gestão da crise sanitária. Se o batismo de fogo de Barack Obama foi enfrentar a crise financeira de 2008 assim que assumiu a presidência dos EUA, o de Joe Biden será a crise sanitária. Além de tentar frear a velocidade da contaminação de vítimas da Covid, exigindo o uso de máscara em espaços públicos e distanciamento social, Biden será testado na sua capacidade de coordenar as ações do governo federal com os estados e enfrentar os desafios de logística para fazer a vacina chegar em todas as cidades do país. Além disso, será preciso usar os benefícios da lua de mel com os norte-americanos para convencê-los a tomar a vacina. O fracasso de imunizar a população pode ser fatal para a credibilidade do novo governo
Retomada da economia
Segundo, Biden terá de focar na retomada da economia. O novo pacote de ajuda financeira de quase 2 trilhões de dólares é certamente um importante incentivo. Mas o pacote de estímulo pode ser mero fogo de palha se os EUA fracassarem no esforço de imunizar a população. A economia não voltará ao ritmo normal enquanto o país for refém da Covid. Se a economia continuar a rastejar no baixo crescimento e alto desemprego, Biden terá muita dificuldade de resolver o terceiro problema: o resgate da credibilidade internacional dos Estados Unidos.
Credibilidade internacional
A política externa de Trump despertou a desconfiança de aliados tradicionais dos EUA, como a Europa, destruiu o papel e a reputação das instituições multilaterais e foi incapaz de oferecer uma alternativa concreta para manter a paz e a ordem internacional. O resultado não poderia ter sido diferente: a política internacional de Trump deixou o mundo mais inseguro, volátil e perigoso. Biden se empenhará para restabelecer o papel central norte-americano na ordem global. Além da pandemia, Biden voltará a participar dos esforços globais para atacar outros problemas que transcendem fronteiras nacionais, como terrorismo, segurança cibernética e meio ambiente.
Pacificação do país
Finalmente, Biden prometeu empenho para unir o País, resgatar a decência e a civilidade. São dois ingredientes vitais para o bom funcionamento da democracia. A pacificação do País depende, em grande parte, do exemplo de suas lideranças. As conhecidas habilidades políticas de Biden — sábio articulador, temperamento conciliador e longa trajetória no Congresso costurando acordos entre Democratas e Republicanos –, serão vitais para restabelecer o mínimo denominador comum de civilidade, decência e respeito que delimitam a fronteira onde ocorre o debate político, o diálogo e o entendimento entre os partidos e os governantes. O resgate da decência e civilidade na política é vital para restaurar a credibilidade das instituições democráticas e apaziguar um país dividido pelo ódio e barbarismo disseminados pelo populismo.
Ao deixar sorrateiramente a Casa Branca e se recusar a participar da cerimônia de transição do poder para Joe Biden, o ex-presidente Donald Trump deixou claro que governantes populistas menosprezam a civilidade, a decência e o respeito às instituições democráticas. Não é à toa que o bilhete generoso escrito pelo presidente Republicano George Bush em 1993 ao novo presidente Democrata, Bill Clinton, nos faz lembrar que civilidade e a decência são vitais para honrar a política e as instituições democráticas.
De Bush para Clinton
Dear Bill,
When I walked into this office just now I felt the same sense of wonder and respect that I felt four years ago. I know you will feel that, too.
I wish you great happiness here. I never felt the loneliness some Presidents have described.
There will be very tough times, made even more difficult by criticism you may not think is fair. I’m not a very good one to give advice; but just don’t let the critics discourage you or push you off course.
You will be our President when you read this note. I wish you well. I wish your family well.
Your success now is our country’s success. I am rooting hard for you.
Good luck—
George
Nossos votos para que Joe Biden seja capaz de restaurar esse espírito de civilidade e decência na política norte-americana. Eles são vitais para unir o País, honrar a política e reconstruir os pilares da democracia debilitados por quatro anos de um desastroso governo populista.
Assista também entrevista com Pedro Vormittag no Virtù Talks.
Bazar | Curadoria de conteúdo
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