O desafio de nos desfazermos das nossas formas de ver o mundo, mesmo quando estamos diante das informações corretas.
Existe um paradoxo no mundo atual. Nunca tivemos acesso a tantas informações, no entanto somos, na média, incapazes de acertar respostas para questões gerais sobre educação, saúde, renda, pobreza. Essa constatação pode ser ainda pior. Imagine que fossem marcadas três alternativas para uma questão em três bananas, sendo que uma delas associada à resposta correta. Numa situação hipotética como essa, um grupo de chimpanzés teria uma probabilidade de 33% de pegar a fruta com a alternativa certa, superando a proporção das respostas de americanos, finlandeses, japoneses, alemães e, muito provavelmente, brasileiros. Chimpanzés não lêem, nem têm acesso a informações, mas são melhores que nós para acertar sobre questões gerais.
Cenários como esse, com excesso de informação e dificuldades de os cidadãos comuns interpretarem corretamente dados sobre questões centrais em uma democracia, governos, certamente, saem atrás na disputa pela opinião pública. O caso do Brasil, com altos índices de desemprego, economia patinando e a necessidade urgente de reformas para deslanchar o nosso desenvolvimento torna a atividade de mobilização e convencimento da sociedade e até mesmo do Congresso Nacional um entrave a mais. E esse entrave tende a ser maior quando erramos na comunicação com a sociedade, como temos presenciado recentemente.
Mas onde está a outra parte do problema? Por que a maior oferta de informação não necessariamente corresponde a cidadãos mais bem informados, capazes de ler e interpretar corretamente uma questão? A resposta está na nossa dificuldade de nos desfazermos das nossas formas de ver mundo, mesmo quando estamos diante das informações corretas. Gostamos de histórias, e preferimos aquelas mais dramáticas que saem na imprensa ou são relatadas nas redes sociais e outros fóruns. Mas elas tendem a despertar mais a interpretação por meio de institutos, e eles erram e muito.
Os dez principais erros na maneira de interpretar informações
nçado este ano no Brasil, o livro do médico e cientista Hans Rosling mapeou o que, para ele e sua equipe, são os dez principais erros na maneira de interpretarmos informações factuais. “Factfulness: o hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos” argumenta que os erros de interpretação são resultado do nosso hábito de usar mais o instinto que a razão, mesmo quando estamos diante das informações dispostas em gráficos e tabelas. Esse não é um problema trivial nos dias atuais, quando, por exemplo, governos precisam justificar decisões para a sociedade. Não bastam os dados ou informações corretas. É preciso estimular o cidadão, a imprensa e demais agentes da sociedade a compreenderem corretamente as informações. Rosling argumenta no livro que o uso dos instintos distorce tanto a nossa compreensão do mundo que, por uma simples escolha aleatória, os chimpanzés poderiam acertar mais respostas sobre as questões gerais do que seres humanos.
“É a visão do mundo superdramática que leva as pessoas às respostas mais dramáticas e negativas para as minhas perguntas factuais. Constante e intuitivamente nos referimos às nossas visões de mundo quando pensamos, tentamos adivinhar ou aprendermos sobre o mundo. Desse modo, se uma pessoa tem uma visão do mundo equivocada, então sistematicamente ela terá palpites errados. Mas essa visão superdramática não é causada simplesmente por um conhecimento ultrapassado, como eu imaginava antigamente. Até mesmo as pessoas com acesso às informações mais recentes entendem errado o mundo. E estou convencido de que isso não é culpa da mídia diabólica, propaganda, fake news ou fatos errados.” | Trecho do livro Factfulness de Has Rosling, Ola Rosling e Anna Rosling Rönnlund
Hans Rosling é considerado um dos pais da visualização de dados no mundo. Ele e familiares fundaram em 2005 o Gapminder, organização sueca sem fins lucrativos com objetivo de ajudar as pessoas a interpretarem dados sobre o desenvolvimento global. O livro recém-lançado no Brasil lista os dez instintos mais comuns que nos levam a interpretações erradas. Nos trechos abaixos recorremos, no geral, às descrições dos instintos apresentadas por Rosling e sua equipe, mas com pequenas adaptações no texto.
Instinto de Separação
Faz com que imaginemos uma divisão entre grupos, onde há apenas uma variação suave dos dados; diferença onde há convergência e conflito onde há concordância. Esse instinto distorce fortemente os dados e leva a erros interpretativos.
Orientação: a realidade frequentemente não é nem um pouco polarizada. Geralmente, a maioria dos casos está no meio, onde supostamente deveria haver separação segundo a história que nos chegam.
Instinto de Negatividade
O instinto de notar mais os aspectos ruins que os bons. Três coisas acontecem nesse caso: a lembrança errada do passado; relatos seletivos feitos por jornalistas e ativistas; e a sensação de que, quando está tudo ruim, é cruel afirmar que estamos melhorando.
Orientação. Quando as coisas estão melhorando, frequentemente não ouvimos nada a respeito. Isso nos dá uma impressão excessiva de negatividade do mundo ao redor, o que é bastante estressante. Espere sempre por más notícias porque é assim que as pessoas preferem relatar as histórias.
Instinto da Linha Reta
Ao olharmos um gráfico de linha reta é praticamente impossível não imaginar uma linha reta que se prolonga para além do término da tendência, para o futuro. Mas nem sempre é assim. Há fenômenos sociais, políticos e econômicos que não ocorrem em uma linha reta indefinida.
Orientação: As curvas dos dados sobre os eventos vêm naturalmente em diferentes formas. Muitos aspectos do mundo são bem representados por curva em forma de S, e não em uma linha reta.
Instinto de Medo
O medo pode ser útil, mas somente se for direcionado para as coisas certas. O instituto de medo é terrível para compreender o mundo, pois faz com que dediquemos atenção aos perigos improváveis que nos dão mais medo e negligenciamos o que é realmente mais arriscado.
Orientação: lembre-se que não necessariamente coisas assustadoras são as que representam mais riscos. Nossos medos naturais de violência, cativeiro e contaminação fazem com que sistematicamente superestimamos esses riscos, deixando de prestar atenção no que realmente importa.
Instinto de Tamanho
Tirar as coisas de proporção, ou avaliar equivocadamente o tamanho das coisas, é algo que nós, humanos, fazemos naturalmente. É instintivo olhar para um número isolado e se equivocar sobre a sua importância. Também é instintivo se enganar sobre a relevância de um caso único ou de uma vítima identificável. Essas duas tendências são os dois aspectos cruciais do instinto de tamanho.
Orientação: Quando um número solitário parecer impressionante (pequeno ou grande) lembre-se que você poderia ficar com uma impressão oposta se ele fosse comparado ou dividido por algum outro número relevante. Ponha as coisas em proporção, repare nas médias e nas variações.
Instinto de Generalização
Todo mundo automaticamente categoriza e generaliza o tempo inteiro, de forma inconsciente. Não é uma questão de ser preconceituoso ou esclarecido. Categorias são absolutamente necessárias para que possamos funcionar e entender o mundo. Elas estruturam o nosso pensamento. Enquanto o instinto de separação divide o mundo entre “nós” e “eles”, o de generalização faz com que “nós” pensamos que todos “eles” são iguais.
Orientação: quando uma categoria é usada numa explicação, lembre-se que essa categoria pode ser enganadora. Não podemos impedir a generalização. O que devemos tentar evitar é a generalização incorreta. Questione suas categorias, procure ver se eles não são fruto de preconceitos e visões distorcidas.
Instinto de Destino
É a ideia de que características inatas determinam os destinos de pessoas, nações, religiões ou culturas. É a ideia de que as coisas são o que são por motivos inelutáveis, inescapáveis: sempre foram assim e nunca mudarão. As coisas são, portanto, constantes e imutáveis.
Orientação: muitas coisas, incluindo pessoas, países, religiões e culturas parecem constantes apenas porque a mudança está acontecendo lentamente. Mudança lenta ainda assim é uma mudança.
Instinto de Perspectiva Única
Nós achamos ideias simples muito atraentes. Gostamos desse momento de lampejo, gostamos de sentir que realmente compreendemos ou sabemos algo. E é fácil cairmos nessa lenda, partindo de uma ideia simples que arrebate atenções ruma a uma sensação de que essa ideia explicam muitas outras.
Orientação: uma única perspectiva analítica pode limitar a sua imaginação. Lembre-se que é melhor olhar para os problemas a partir de muitos ângulos, e obter entendimento mais precico para encontrar soluções práticas. Amplie a sua caixa de ferramentas (para suas análises e estudos).
Instinto de Culpar
É o instinto de descobrir uma razão clara e simples que explique por que algo ruim aconteceu. Aparentemente, é uma coisa natural para nós decidirmos que, quando as coisas dão errado,deve ser por causa de algum indivíduo mal com más intenções. Gostamos de acreditar que as coisas acontecem porque alguém quis, que indivíduos têm poder e influência: de outro modo, o mundo parece imprevisível, confuso e assustador.
Orientação: quando um bode expiatório está sendo usado, lembre-se que jogar a culpa num indivíduo frequentemente tira o foco de outras possíveis explicações e bloqueia a nossa capacidade de evitar problemas semelhantes no futuro. Resista a apontar o dedo.
Instinto da Urgência
“Agora ou nunca!” Provavelmente já ouvimos alguma coisa assim antes de um vendedor, de um ativista. Ambos empregam muitas das mesmas técnicas. “Aja agora ou perca para sempre a oportunidade”. O chamado à ação faz com que você pense menos criticamente, decida mais rapidamente e aja agora.
Orientação: Quando uma decisão parecer urgente, lembre-se que ela raramente é. Dê passos curtos.