Artigo de Flora Pinotti Sano | Advogada especializada em propriedade intelectual, Tutela Digitale, Bolonha
“If you’re not in Google, you don’t exist”, diz uma das frases mais conhecidas do mundo digital. Mas e o contrário? E se, ao se digitar um nome no Google, os resultados associados trouxerem à tona casos negativos, até mesmo processos judiciais de um passado remoto?
Esse é o xis da questão do chamado direito ao esquecimento, reconhecido pela primeira vez em 2014 pelo Tribunal de Justiça Europeu e que será debatido amanhã pelo STF.
Tal direito nasceu e se desenvolveu no mundo digital e, originalmente, poderia ser definido como o direito de um indivíduo de requerer aos motores de pesquisa a remoção de resultados que contenham dados pessoais.
Um dos pressupostos para este pedido seria a obsolescência dessas publicações ou, em outras palavras, a inexistência de um interesse público na manutenção de tal conteúdo acessível a todos os usuários da internet.
Ressalta-se que não faz parte do direito em questão a eliminação da informação de sua fonte, ou seja, do lugar onde foi originalmente publicada. O que se tem é a possibilidade de desindexação do link ao conteúdo original das ferramentas de busca, de modo que, digitando-se o nome de um sujeito em um buscador, os resultados não tragam mais referências a determinado evento.
Dessa forma, é precipitado dizer que o direito ao esquecimento é uma afronta à liberdade de expressão e ao direito à informação (visto que o conteúdo original permanece intacto). É possível adotar meios-termos capazes de satisfazer a um só tempo o interesse público e o desejo de um indivíduo de virar a página de sua história.
Nesse sentido, tal figura jurídica foi incorporada em um dos marcos legislativos mais celebrados dos últimos tempos na Europa, o General Data Protection Regulation (GDPR), que regula o direito à privacidade e à proteção de dados. Ali se estabelece que, a priori, os cidadãos europeus têm direito a requerer a restrição do acesso a seus dados pessoais e que o ônus de provar que se trata de informações de relevância pública caberia aos responsáveis pela publicação.
A proteção da esfera privada, porém, jamais é absoluta, e a avaliação da admissibilidade do direito ao esquecimento deve ser feita sempre caso a caso, considerando, entre outros aspectos, a data de publicação do conteúdo original – e se, com o passar do tempo, o interesse público na manutenção de tal conteúdo on-line diminuiu; a gravidade ou notoriedade do fato em questão (um crime hediondo com repercussão mediática, por exemplo, perderia a relevância social muito mais lentamente que uma infração administrativa); a notoriedade do indivíduo envolvido e a evolução do processo (se o indivíduo foi condenado ou não, se o caso já percorreu todas as instâncias etc.).
Vê-se, assim, que o famigerado direito ao esquecimento não configura necessariamente uma afronta à liberdade de imprensa, como se tem ouvido por aí, mas é uma mera consequência do excesso de informação característico do mundo em que vivemos; na era digital, uma vez na rede, qualquer conteúdo se torna eterno e irremediável.
Amanhã, no Brasil, caberá ao STF impor alguns limites.