Ao contrário do que propaga Bolsonaro, os estados não são responsáveis pela alta dos combustíveis. Os reajustes refletem as cotações internacionais e também da desvalorização do real — e nisso a responsabilidade é do presidente, não dos governadores
Análise do Economia Mainstream para o Virtù News
No último ano e meio, o preço da gasolina explodiu. Enquanto a inflação geral acumula uma alta próxima a 10% nos últimos 12 meses, a inflação dos combustíveis ultrapassa os 40%. O presidente Jair Bolsonaro transferiu para os governadores parte da responsabilidade pelos reajustes, por causa da tributação nos estados. Não é bem assim.
Entenda por que a gasolina está tão cara no País e o que está por trás dos elevados aumentos nos últimos meses.
Desde 2016, a Petrobras trabalha com a política de Preços de Paridade de Importação (PPI). Tal qual uma empresa privada, a estatal tenta maximizar seus lucros, o que implica em vender combustíveis no Brasil ao preço equivalente aos internacionais, em dólar. A explicação para essa estratégia é bem simples: se a Petrobras tentasse vender combustíveis acima do preço internacional, o Brasil — que tem o setor de petróleo e refino aberto à importação — compraria do resto do mundo; se a empresa vendesse abaixo das cotações internacionais, perderia dinheiro. Acompanhar os preços dos mercados externos é a estratégia de maximização de lucro perfeita. Com a PPI, a Petrobras calcula o custo de importação dos combustíveis em diversos portos e pontos de entrega do Brasil, incluindo custos de transporte, para definir os seus preços.
O preço interno dos combustíveis hoje depende diretamente da taxa de câmbio e do preço internacional do petróleo e dos combustíveis. Por isso, é importante acompanhar a evolução de cada variável. Nos gráficos abaixo, é possível observar a evolução das cotações.
Desde janeiro de 2019, o dólar valorizou mais de 40% em termos nominais. O barril de petróleo, após a forte queda no início da pandemia devido às medidas de restrições, voltou a subir internacionalmente, e hoje já está quase 20% mais caro que em janeiro de 2019. Em real, o preço do barril de petróleo acumulou alta de 65%. Isso, por si só, já teria um grande impacto nos preços praticados pela Petrobras.
Porém, o PPI leva em conta o preço do combustível refinado, e não exatamente o do barril de petróleo bruto. Apesar de ser o principal insumo do refino, existem outros custos dentro do processo produtivo. Também é importante olhar diretamente o preço do combustível refinado no mercado internacional.
Quando olhamos o Preço de Paridade de Importação, ou seja, o preço internacional do combustível refinado em real que a Petrobras usa de referência para precificar suas vendas, vemos um aumento ainda maior: 106% de alta desde janeiro de 2019. Metade da diferença é explicada pela desvalorização do real ante o dólar e metade pelo aumento no preço internacional.
Efeito do etanol
Muito se esquece, mas o etanol anidro compõe 27% da gasolina vendida nos postos. Portanto, a variação desta commoditie afeta diretamente o preço na bomba.
De meados de janeiro de 2019 até hoje, o preço do etanol anidro mais que dobrou. Essa variação teve grande impacto na bomba. O preço do etanol subiu, em parte, pela desvalorização do real, mas também pelo aumento internacional da cotação da commoditie, como podemos verificar olhando seu preço em dólar.
Semelhante ao combustível refinado, aproximadamente metade da alta se deve à desvalorização do real e a outra metade é externa.
Qual o papel do ICMS no aumento do preço?
Segundo o presidente Jair Bolsonaro, o ICMS seria o grande culpado pela alta dos combustíveis. Será mesmo?
A resposta é não. Ao contrário dos impostos federais sobre os combustíveis, como PIS, Cofins e CIDE, que cobram um valor fixo por unidade, o ICMS é um imposto sobre consumo ad valorem, isto é, cobrado como percentual do preço de venda. Por isso, mesmo com alíquotas constantes, o ICMS pode estar pesando mais como consequência do aumento do preço na refinaria e do etanol anidro.
Ocorre que, em média, os estados não aumentaram a alíquota de ICMS. Ao todo, o componente do preço da gasolina referente aos tributos estaduais saiu de 29% em janeiro de 2019 para 28% em agosto de 2021.
Na tabela abaixo podemos ver o peso de cada componente do preço nominal da gasolina entre janeiro de 2019 e agosto de 2021.
Conclusões
A partir da análise desse conjunto de dados, é possível chegar a 6 conclusões:
- Os preços da gasolina na refinaria e do etanol anidro explodiram. Isso, sozinho, explica 84% da variação nominal do preço da gasolina na bomba. Ao culpar o ICMS pela alta, o presidente mente ao público.
- Como visto anteriormente, dada a política de preços da Petrobras, o aumento do preço na refinaria é consequência tanto da desvalorização do real quanto do aumento do preço internacional do petróleo e refino.
- Raramente comentado, o etanol anidro tem grande importância nessa história. Assim como no caso do combustível que sai da refinaria, parte da alta do etanol tem a ver com a desvalorização do real e parte é externa.
- O peso absoluto dos impostos federais se manteve o mesmo, mas caiu em termos relativos. E não, os impostos federais sobre a gasolina não foram zerados.
- O peso absoluto dos impostos estaduais cresceu junto com o preço, como é esperado para um imposto ad valorem, fazendo com que seu peso relativo se mantivesse praticamente inalterado.
- Dada a forma de cobrança, o aumento no peso do ICMS é consequência, e não causa, do aumento dos preços.
A alta internacional dos combustíveis poderia ser mitigada no mercado interno caso houvesse uma recuperação do valor do real ante o dólar. Isso não tem nada a ver com o ICMS cobrado pelos governos estaduais. É algo que depende muito mais das ações do governo federal.
Texto escrito por Alex da Matta, membro da equipe de colaboradores do Economia Mainstream, grupo de estudantes dedicados a divulgar o conhecimento econômico.
E pode acrescentar que gasolina é um combustível sujo e o governo tem a obrigação de planejar e executar uma matriz de transporte mais limpa e coletiva.