Mesmo com economia saudável e vitórias nas urnas, Canadá mostrou ao partido Liberal que as políticas verdes não são tão populares.
O slogan vencedor da campanha presidencial de 1992 nos EUA — “É a economia, estúpido” — , mostrou não funcionar no Canadá. Apesar da vitória do partido Liberal, o país provou, nas urnas, que as políticas verdes não são populares em todas as regiões.
As eleições canadenses, realizadas na última segunda-feira (21), garantiram um segundo mandato para o primeiro-ministro Justin Trudeau e seu Partido Liberal. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar de uma nação cuja economia vai tão bem quanto no Canadá, com crescimento do PIB em 3% na última medição e o 10º lugar no IDH mundial, um desemprego baixo recorde de 5,6% e apenas 8% de pobres, a urna mandou recados por lá.
Queda de popularidade do governo
O primeiro recado é que, após uma “lua de mel” relativamente longa com o eleitorado, a popularidade do governo caiu e o noivado acabou. Existe insatisfação na província de Quebec, no Leste, onde o partido separatista avançou, e no Oeste, onde os conservadores conquistaram a preferência dos votos com ampla margem.
Com as cédulas de Quebec, os assentos do partido Quebecois saltaram de 10 para cerca de 32. As urnas das províncias de Alberta e Saskatchewan, no Oeste, escolheram os conservadores e fizeram com que suas cadeiras no parlamento saltassem de 95 para 122.
Como o sistema permite eleger apenas um candidato em cada uma das 338 regiões, isso beneficiou Trudeau, já que o Partido Conservador do Canadá superou liberais na porcentagem de votos totais, em 34,4% contra 33,1%. Este é o número da polarização no país.
O “imposto verde”
Para a insatisfação do Oeste com o governo central pesou, entre outras coisas, a adoção de um “imposto verde” sobre os combustíveis. Desde abril deste ano, passou a ser aplicada uma taxa do equivalente a cerca de R$ 0,50 a cada galão de gasolina nos estados de Ontario, Manitoba, New Brunswick e Saskatchewan, onde mora cerca de metade da população do país. O Oeste tem histórica insatisfação com o governo central e se considera desassistido em suas políticas.
O premiê defendeu a medida como colocar “um preço” sobre a poluição, mas líderes conservadores, que governam as regiões afetadas, aproveitaram para alavancar o medo de que a taxa possa causar recessão em uma economia amplamente dependente do consumo de combustíveis fósseis. Por mais que se importe com ecologia, o cidadão comum liga mais para o próprio bolso e, mesmo sem uma ameaça próxima no horizonte, puniu na urna a mera possibilidade de crise econômica.
Envolvimento em polêmicas
Não fez nada bem a Trudeau, tampouco, seu envolvimento em polêmicas. A primeira delas, no começo do ano, girou em torno de sua visita à Índia. Desprestigiado pelas autoridades locais, o premiê ainda vestiu os coloridos trajes do país, uma festa para as lentes dos fotógrafos. Outro golpe à sua imagem foi a revelação de que usou a chamada “blackface” (pintura do rosto de negro) em pelo menos três ocasiões, o que é considerado gravemente racista na América do Norte.
Em seu discurso da vitória, Trudeau declarou ter ouvido o recado das urnas, mas garantiu que a maioria do Canadá votou nas políticas verdes e que elas prosseguirão aplicadas. Já seu rival Andrew Scheer, conservador, disse que a maioria da população preferia um governo conservador e seu recado foi bem claro ao liberal: “Senhor Trudeau, quando seu governo cair, os conservadores estarão prontos e vão ganhar”.
Uma pergunta pertinente é como uma parcela importante do eleitor canadense, altamente escolarizado e bem informado, se deixou levar pelo canto de sereia conservador por causa de um imposto tão baixo, na tentação de atrasar a inevitável conta que os danos ambientais apresentarão às futuras gerações? A verdade é que a causa da ecologia é um discurso bonito e com o qual todos concordam, mas ainda não é uma bandeira que garante voto a quem a levanta.