O vasto litoral brasileiro oferece oportunidades para o desenvolvimento social, com a exploração de antigas e novas atividades econômicas, entre elas a produção de energia eólica. Elevação no nível do mar, entretanto, é um risco que poderá afetar o turismo
Artigo de Luana Tavares and Andrei Covatariu
O Atlas Mundial coloca o Brasil em 16º lugar entre os países com maior litoral. Isso se traduz em desafios, especialmente representados pela elevação do nível do oceano, mas também em múltiplas oportunidades econômicas, sociais e ambientais, como desenvolvimento de energia offshore, aumento do comércio internacional, segurança alimentar global ou turismo. Por essas razões, a “economia azul” do Brasil é e deve permanecer um dos principais vetores da estabilidade e do crescimento econômico do país nos próximos anos.
Potencial energético
A exploração offshore passada e presente do Brasil é sinônimo de extração de petróleo e gás. Embora algumas das projeções pareçam promissoras, a agenda global de mudança climática e os esforços do mundo para mudar para fontes renováveis exigirão uma diversificação dos ativos de energia offshore do Brasil.
Os investidores já começaram a explorar o imenso potencial eólico offshore natural do Brasil, respondendo por um total de 126 GW. Avaliações preliminares confirmaram que o terreno subaquático é relativamente raso (menos de 50m), o que significa que turbinas fixas podem ser instaladas (que são mais fáceis e baratas de implantar do que turbinas flutuantes) com pouco impacto sobre a biodiversidade local. Esse potencial também tem despertado a atenção da indústria do hidrogênio, já que o hidrogênio verde pode ser um novo e importante subsetor econômico a ser desenvolvido até 2030. A energia das marés no Brasil também tem um grande potencial, pois a projeção do potencial natural estimado chega a 92 GW, a figura que começou a atrair investimentos e colaborações.
Produzir eletricidade mais perto da costa não beneficiaria apenas as comunidades e pequenos negócios ali localizados. Os portos, sejam operados para turismo ou para fins industriais, serão beneficiados, pois testemunharão grandes transformações, na tentativa do setor de transporte de descarbonizar suas operações. O hidrogênio pode desempenhar um papel importante nessa tentativa, já que esta é sem dúvida uma das mais importantes utilizações em massa do hidrogênio no futuro. Até então, o engomar a frio — o processo de fornecer energia elétrica da costa aos navios atracados, para reduzir as emissões — deve ser amplamente introduzido, o mais rapidamente possível.
Aumento do nível do oceano e proteção costeira
O último relatório do IPCC define claramente o maior risco de aumento do nível do mar, já que muitas cidades e terras costeiras terão problemas crescentes de inundações, gerando o deslocamento de milhões de pessoas.
Uma análise da ONU de 2015 revelou que 18% da população do Brasil vive no litoral, enquanto as atividades econômicas na região respondem por 70% do PIB do Brasil. A elevação do nível do mar já está causando modificações físicas e biológicas nas estruturas costeiras naturais e construídas pelo homem no Brasil, com casos já extremos registrados. Inevitavelmente, esse fenômeno também afetará o turismo, principalmente nas principais cidades litorâneas como Rio de Janeiro e Recife.
Apesar da ameaça bíblica, medidas de adaptação já são adotadas por cidades costeiras em todo o mundo. Eles incluem a construção ou adaptação da infraestrutura existente (paredões, dunas de areia, regulamentos sobre licenças de construção e recuo costeiro, realocação), criação e restauração de zonas úmidas (aterramento ou plantio), gestão de culturas (diques, paredões, realocação de safras agrícolas ou mesmo mudar para agricultura flutuante ou aquicultura).
Aquicultura sob pressão
O peixe é mais saudável. Segundo especialistas, 100 gramas de peixe fornecem quase toda a dose diária de selênio necessária, o que contribui para o fortalecimento do sistema imunológico humano. Esse é um dos principais motivos pelos quais o consumo global de pescado por pessoa aumentou de 9 kg para 20,5 kg, entre 1961 e 2018 (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). A proteína de pescado tem melhor desempenho na economia do que outros produtos de origem animal, com crescimento médio anual de 1,5% ao ano. No Brasil, foram produzidas 803 toneladas de pescado em 2020 com um faturamento médio de R$ 5,6 bilhões. Um mercado que gera cerca de 1 milhão de empregos diretos e indiretos.
Embora ter uma alimentação mais saudável seja uma necessidade mundial e também gere crescimento econômico, o aumento da dieta à base de peixes tem um grande efeito no ecossistema marinho, mudando assim o funcionamento da indústria de aqüicultura. Além disso, o aumento da temperatura média dos oceanos e mares, causado pelo aquecimento global, impacta diretamente no aumento do nível de acidificação da água e, consequentemente, reduz as taxas de reprodução marinha. Por isso, garantir o equilíbrio na quantidade de peixes consumidos e nas taxas de reprodução de cada espécie requer atenção especial.
Para tanto, várias questões cruciais devem ser levantadas. A indústria pesqueira está trabalhando para a sustentabilidade do ecossistema marinho? O quanto a indústria pesqueira produz e quais são os calendários de pesca adequados, baseados em janelas de reprodução para diferentes espécies? As leis disponíveis regulam de forma adequada e sustentável a indústria pesqueira, em relação ao equilíbrio do ecossistema? Em caso afirmativo, elas são diligentemente reforçadas?
Da mesma forma, a indústria pesqueira no Brasil ainda oferece inúmeras oportunidades econômicas e sociais. Como a pesca no sul é industrializada, a região nordeste tem um grande potencial para mudar gradativamente o modelo baseado em pescadores convencionais para uma prática mais automatizada. E, ao contrário do que pode parecer, tal mudança pode gerar empregos e não reduzi-los, já que a pesca adicional contribuirá para a segurança alimentar mundial, a partir do aumento do comércio internacional do Brasil.
Evitar os efeitos perigosos das mudanças climáticas não será uma tarefa fácil para o Brasil. No entanto, a economia azul do país oferece enormes oportunidades para a economia nacional, ao mesmo tempo que preserva os ecossistemas naturais únicos, dando ao país a possibilidade de converter a passividade atual em uma abordagem proativa para liderar a ação climática global.
Luana Tavares passou os últimos 15 anos se dedicando ao setor de impacto social no Brasil, trabalhando com diversas organizações sem fins lucrativos com foco no fortalecimento da democracia e eficácia do Estado. Entre 2013 e 2020, dirigiu uma das organizações pioneiras e mais relevantes neste campo chamada CLP – Centro de Liderança Pública, que desde 2008 formou mais de 8.000 líderes públicos em todo o Brasil e está informando e engajando a sociedade na defesa de uma agenda nacional estrutural com o Congresso Nacional. Luana também é conselheira do Vetor Brasil e do Poder do Voto – duas organizações de impacto social focadas em aumentar a capacidade do Estado por meio de uma melhor gestão de pessoas e fortalecimento da participação cívica, respectivamente. Luana é graduada em publicidade, possui MBA – Mestre em Administração de Empresas (Fundação Getúlio Vargas – FGVSP) e possui duas especializações internacionais, uma em gestão pública e outra em desenvolvimento de liderança, na Harvard Kennedy School e na Oxford University. Atualmente, está concluindo o Mestrado em Políticas Públicas (MPP) na Blavatnik School of Government – Oxford University e desenvolvendo seu projeto de conclusão com o IEPS – Instituto de Estudos para Políticas de Saúde.
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Andrei Covatariu é Pesquisador Associado Sênior do Grupo de Política Energética e especialista da Força-Tarefa sobre Digitalização em Energia da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE). Andrei foi Chefe de Relações Públicas da Enel Romênia (2019-2020), anteriormente ocupando vários cargos dentro da empresa de serviços públicos (2014-2019). Ele também foi membro do Conselho da comunidade FEL-100 (World Energy Council, Londres), um bolsista não residente em 2020 no Middle East Institute (Washington DC) e um 2021 GYCN Climate Ambassador (uma iniciativa do Grupo Banco Mundial). Andrei é bacharel e mestre em Engenharia Nuclear (Universidade Politécnica de Bucareste) e mestre em Administração de Empresas (Academia de Estudos Econômicos de Bucareste). Ele está atualmente finalizando um mestrado em Políticas Públicas (MPP) na Blavatnik School of Government, University of Oxford, com um Summer Project realizado no Belfer Center for Science and International Affairs, gerenciando o Projeto Atom da Harvard Kennedy School.
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