VIRTÙ: Onde está a maior resistência ao projeto de reforma tributária?
No passado, vinha dos estados e municípios. Eles tinham medo de perder receitas e não queriam abrir mão de conceder benefícios fiscais. Isso diminuiu. Os estados perceberam que a guerra fiscal é disfuncional. Por isso, os 27 secretários de Fazenda estaduais estão pedindo a substituição do ICMS por um bom imposto com valor adicionado, sem benefícios fiscais e com cobrança do destino.
VIRTÙ: E hoje, quem resiste mais?
A PEC 45 tem como pressuposto uniformizar a cobrança sobre mercadorias e serviços. Como hoje há cobranças menores, principalmente no setor de serviços, há alguma resistência aí.
VIRTÙ: Por que uniformizar a cobrança?
Porque qualquer diferenciação de alíquota setorial ou por produto gera complexidade e contencioso. Por exemplo: se digo que a alíquota das empresas de telecomunicações vai ser mais alta, tenho que definir o que é telecomunicação. O mesmo para a cesta básica. E por aí vai. A cada diferenciação, um novo problema. A cobrança uniformizada é hoje o melhor padrão internacional de tributação do consumo.
VIRTÙ: O setor de serviços vai ser prejudicado com o projeto, então.
Não é verdade. O pequeno prestador de serviços, que está no Simples, vai continuar lá. O Simples não vai ser extinguido. O prestador de serviços que está no meio da cadeia também não vai ser prejudicado. No modelo atual, ele paga um imposto, como o ISS, e não gera crédito nenhum. Com a PEC 45, ele vai pagar um tributo um pouco mais alto. Porém, vai gerar um crédito integral para o tomador de serviço. Na soma entre uma coisa e outra, há uma redução na carga. O problema está no grande prestador de serviços para o consumidor final.
VIRTÙ: Ele vai pagar mais?
Hoje, quem produz mercadoria paga mais do que o grande prestador de serviço. Por que isso acontece? Por que a Netflix tem que pagar menos imposto do que uma fábrica de sapatos? Por que cinema paga menos do que caneta? Isso é certo? É preciso fazer essas perguntas.
VIRTÙ: O que é o certo?
No Brasil, as famílias de maior renda consomem mais serviços. E as de renda mais baixa, mais mercadoria. Temos um sistema que taxa menos o que é consumido pelos mais ricos e taxa mais o que é consumido pelos mais pobres. Isso não é correto. A proposta é alterar isso gradualmente. Teremos um período de transição de 10 anos para que as empresas absorvam esse efeito com tranquilidade.
VIRTÙ: Eletricidade, telefonia, o tributo sobre esse tipo de serviço vai cair?
Sim. Vai pagar uma alíquota só. O efeito dessa proposta é criar um sistema mais justo, que onera menos as famílias de baixa renda. Isso estimula o crescimento econômico.
VIRTÙ: Existem diferentes projetos de reforma tributária em discussão.
Há pelo menos três: um da Câmara dos Deputados, um do Senado e outro do Poder Executivo. O ideal é que haja convergência entre eles.
VIRTÙ: Isso é possível?
Acredito que sim.
VIRTÙ: Quais as convergências e divergências entre o projeto do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que o Senado abraçou, e o da Câmara dos Deputados?
O dele tem um escopo mais amplo. Propõe unificar o imposto de renda da pessoa jurídica com a contribuição social sobre o lucro livre, ampliar a incidência do IPVA para pegar jatinhos e lanchas, extinguir o IOF e o salário-educação para incorporar tudo no IBS. Pessoalmente, tomaria cuidado em extinguir tributos que não são sobre o consumo e jogá-los sobre o consumo. Também sou contrário à criação de um imposto seletivo que incide sobre energia elétrica, telecomunicações, combustíveis, automóveis e veículos automotores.
VIRTÙ: O projeto do Executivo nós ainda não conhecemos…
Pois é.
VIRTÙ: E a proposta do Instituto Brasil 200?
Não tem convergência nenhuma. É uma péssima ideia criar um imposto sobre transações financeiras e achar que ele é capaz de substituir tributos que correspondem a 27% do PIB. Tem vários erros.
VIRTÙ: Quais erros?
O primeiro: eles afirmam que a alíquota será de 5,6%, na verdade, 2,8% em cada ponta. Para chegar em 27% do PIB é preciso uma alíquota superior a 7,5%. Segundo: uma alíquota desse tamanho vai reduzir o volume de transações feitas pelo sistema financeiro. Terceiro: é um tributo distorcido.
VIRTÙ: Não é um imposto que funciona?
A literatura é muito clara sobre o que é um bom tributo. Ele precisa ser neutro, isto é, deve independer da forma como a economia se organiza. Ele precisa ser transparente, ou seja, o contribuinte precisa saber quanto está pagando. E ele precisa ser isonômico, no sentido em que situações equivalentes são taxadas de maneira equivalente. E o imposto sobre transação financeira não é nada disso.
VIRTÙ: É o modelo da CPMF.
A CPMF tinha uma alíquota muito baixa num período em que os juros eram altos. Então, o custo da desintermediação financeira era muito alto. Hoje, os juros são baixos e eles propõem uma alíquota alta. A desintermediação financeira seria cavalar, a arrecadação iria cair e o governo teria que ir atrás do prejuízo.
VIRTÙ: Alguns constitucionalistas, como o Ives Gandra, afirmam que a excessiva centralização da PEC 45 é uma quebra do pacto federativo e, portanto, inconstitucional. Como você vê esse ponto?
Olha só como é hoje. A legislação atual já restringe muito a autonomia e ninguém diz que é inconstitucional. Olha o ISS. É uma lei complementar federal que proíbe os municípios de receber benefício fiscal e limita a alíquota em até 5%. E ninguém diz que é inconstitucional. Temos segurança de que a PEC 45 é constitucional. É um modelo de gestão compartilhada, com uma instância máxima de governança do comitê gestor, que é paritária. União, estados e municípios vão ter o mesmo poder de voto e autonomia sobre a alíquota. Eles vão ter controle de sua gestão financeira.
VIRTÙ: Há estados se movimentando para criar alguns tipos de condições. Fala-se em excluir a União do comitê gestor.
Do ponto de vista técnico, faz mais sentido ter o comitê gestor com participação da União. Mas precisa ser paritário, com um terço para cada um.
VIRTÙ: Há também a Zona Franca de Manaus.
Políticas de desenvolvimento regional não deveriam ser feitas por meio de benefícios fiscais e, sim, por meio de recursos previstos no orçamento. No longo prazo, a concessão dos benefícios é maléfica. Primeiro, aqui no Brasil, ela só atinge indústria e centros de distribuição – e a vocação de certas regiões pode ser outra. Segundo, aquilo que dá desenvolvimento sustentável é investimento em infraestrutura e em qualificação de mão de obra. Terceiro, a atração de empresas que não estão relacionadas com a vocação do local faz com que a estrutura produtiva do Brasil seja totalmente mal alocada.
VIRTÙ: A PEC 45 se restringe aos impostos sobre consumo. Ela é a primeira de uma série de reformas tributárias?
São complementares. Há pontos técnicos que diferenciam uma questão da outra. A tributação do consumo é uma emenda constitucional, então exige alterar a Constituição e uma articulação política maior. Já, por exemplo, a taxação da renda, é uma lei ordinária, algo mais simples. O governo está preparando uma proposta para exoneração da folha de pagamento e outra sobre Imposto de Renda.
VIRTÙ: Você acha que confunde politicamente quando se trata de abordar muitos temas?
Depende do tema. A questão da tributação da folha pode fazer sentido discutir em conjunto. Ela interessa ao setor de serviços e poderia ser usada para diminuir a resistência deles em relação à questão do consumo.
VIRTÙ: E na questão da renda?
É algo que requer mais discussão. Um ponto crítico passaria pela correção de algumas distorções. É o caso da distribuição de lucros e dividendos. Ela é isenta. No caso dos profissionais liberais que recebem por meio de Pessoa Jurídica isso fica evidente. Seria preciso reestruturar esse modelo, reduzir a tributação da empresa e tributar a distribuição.
VIRTÙ: O Brasil gasta mais de R$ 400 bilhões em vantagens fiscais para o setor privado. Como essa turma vai se organizar para tentar resistir às mudanças?
Isso é só na esfera federal. Além disso, tem a estadual e municipal. Primeiro, tem que passar a reforma. Se todos esses subsídios fossem eliminados antes disso, teríamos um aumento da carga tributária. A PEC 45 acaba com esses privilégios sem aumentar a carga.
VIRTÙ: A reforma vai diminuir os contenciosos tributários?
Com certeza. Hoje, o maior número de processos diz respeito à discussão sobre o que dá créditos e sobre o que não dá. No modelo do IBS, tudo aquilo que é usado pelas empresas no processo produtivo gera créditos. Então, no que diz respeito aos impostos sobre consumo, essa discussão acabará. Há mais de R$ 2 trilhões em litígio.