Ex-ministro da agricultura diz como reduzir os danos que crise retórica causou ao agronegócio brasileiro e aumentar a produtividade do campo sem derrubar mais florestas.
Ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2016-2018), o também ex-senador e ex-governador do Mato Grosso (2003-2010), Blairo Maggi é um dos maiores produtores do agronegócio brasileiro. Tem sido dele as melhores tentativas de reduzir os danos da recente crise internacional gerada principalmente pelas reações do governo brasileiro às alarmantes declarações de líderes mundiais sobre as queimadas na Amazônia. Segundo Maggi, os produtores estão apreensivos com possíveis sanções e as consequências que isso pode gerar na economia do agronegócio. O ex-ministro afirma ser contra o aumento de áreas para a agricultura ou pecuária porque hoje o Brasil tem condições de ampliar a produtividade por hectare plantado. Ele defende maior rigor na fiscalização e uma mudança de postura do Governo com relação ao Meio Ambiente. Na visão Maggi, a imagem do país no exterior terá que ser refeita, com ações junto aos importadores para mostrar que estamos comprometidos com a proteção das matas e florestas. Diz o ex-ministro: “Quando se fala de Amazônia e de proteção das florestas, o mundo inteiro é favorável. O Brasil se posicionar contra esse consenso é nadar contra a correnteza”.
Abaixo os principais trechos da entrevista.
Produtividade e crise internacional do desmatamento
VIRTÙ: Como o senhor avalia o atual quadro do agronegócio brasileiro, que deve bater mais um recorde de produção? O que tem favorecido esses seguidos recordes?
O Brasil ganha há muito tempo em produtividade. Se você observar os gráficos, verá que a quantidade de terra disponível para a agricultura tem crescido muito pouco, enquanto a produção tem crescido muito. Isso é produtividade. O Brasil não precisa desmatar mais nada para continuar crescendo na agricultura. É verdade também que ainda temos muitas áreas de pecuária com baixíssima produtividade, mas quando a agricultura chega à essas áreas ela substitui o modelo tradicional de pastagens e introduz um novo tipo de pecuária, com alimentação de grãos para os animais.
VIRTÙ: Esse ganho de produtividade pode se manter?
Diria que esse crescente da produtividade vai continuar. Nós temos duas maneiras de ganhar produtividade. Uma com a melhoria genética, com os produtos geneticamente modificados que temos por aí, e outra com a melhoria de produção através de melhoria do solo.
Nós temos, a cada ano, investido mais em qualidade de modo que os solos degradados possam produzir mais. Nisso nos diferenciamos da Europa, dos Estados Unidos e também da Argentina. As terras deles são naturalmente muito boas. São química e fisicamente boas. As terras no Brasil, que usamos para produzir, principalmente no Cerrado brasileiro, são de baixa qualidade. O clima é bom e a topografia muito adequada para produzir, mas a qualidade química do solo é ruim. Então nós temos que trabalhar isso. Praticamente, pode-se dizer que o Brasil constrói o solo sobre o qual produz o sucesso do agronegócio. Portanto, diferentemente de outros países em que a cada ano a produtividade cai um pouco por exaustão do solo, no Brasil cada ano reconstruímos o solo ainda melhor.
VIRTÙ: A crise internacional envolvendo a Amazônia gerou efeitos negativos para o agronegócio brasileiro. Como consertar o dano?
Nós estamos bastante preocupados com isso. Há uma reação por parte do mercado internacional.Os clientes dos nossos importadores colocam barreiras. Então é algo bastante delicado. Tenho ouvido e conversado com muita gente e tem muito questionamento por parte dos importadores. Como o Brasil não tem muito produto de prateleira, mas tem muito produto para parte de alimentação animal que vai virar outras coisas, então, a cadeia vem se manifestando de lá para cá. Existem, sim, conversas avançadas dando conta de um bloqueio a produtos brasileiros para forçar o Governo a ter uma política mais clara com relação à Amazônia.
VIRTÙ: Os efeitos seriam sentidos então em toda cadeia produtiva?
O Brasil é um país que produz alimentos de sobra. Nós alimentamos toda a população brasileira e ainda exportamos muita coisa, e esse “não-exportar” seria uma tragédia para a agricultura brasileira, porque você não tendo renda, não tem como produzir. Então, no primeiro momento, você não vende, não tem renda e não tem como plantar no ano seguinte. Nós teríamos um problema, inclusive, no mercado interno por falta de produtos. Seria um problema de escassez. Então essa crise que envolve a Amazônia precisa ser urgentemente tratada. O governo está começando a conversar sobre isso. Nós não estamos falando de uma reação racional. É uma reação irracional. É um efeito manada. Quando se fala de Amazônia, proteção das florestas, das minorias, dos índios, o mundo inteiro é favorável, então o Brasil se posicionar contra isso é nadar contra a correnteza. Não vai ter saída a não ser um bom diálogo e assumir compromissos de que a gente possa resolver essas coisas no futuro.
VIRTÙ: O senhor acredita ser possível ainda reverter a crise, evitando possíveis sanções de países europeus? O que poderia ser feito?
Sim, é possível. O Governo tem que agir rapidamente e as empresas exportadores também têm que fazer seu papel. Aliás, nós já estamos fazendo isso porque o Brasil, há muito tempo, tem uma certificação dos produtos, de maneira que a gente garante que a mercadoria que estamos mandando não tem na agricultura ou pecuária produto proveniente de área de desmatamento ilegal. Há algum tempo, o setor da soja assumiu a moratória. Desde então não se compra soja de ninguém que tenha feito desmatamento ilegal ou irregular. Isso é uma coisa que já está andando, o que precisa mesmo é o Governo agora fazer a parte dele que é o que estamos esperando.
VIRTÙ: A que se deve o avanço dos desmatamentos identificados por órgãos do governo? Falta fiscalização? É ação restrita de madeireiros ou produtores em situação irregular?
Esse aumento do desmatamento é meio cíclico. Entre 2002 e 2005, nós tivemos um aumento muito grande de desmatamento. Se você olhar nos gráficos vai ver que nós estamos muito, muito abaixo hoje do que aconteceu daquela época. Mas, sim, aumentou em relação onde nós já estivemos. O Governo tem que ter a sua estrutura de controle. Nós temos que passar a mensagem para esses desmatadores irregulares que não adianta fazer isso, que não terão como legalizar essa terra. Eles sempre fazem desmatamento ilegal achando que, no futuro, terão uma espécie de anistia. Mas o novo Código Florestal de 2013 não prevê mais esse tipo de situação. Então se mantermos a cobrança rígida da lei, nós vamos impedir isso. Mas, mais uma vez, é preciso haver fiscalização.
VIRTÙ: Na avaliação dos produtores, é possível aliar preservação e produção? Como isso poderia ser feito?
É o que estamos fazendo, agregar a produção com a preservação. A nossa lei ambiental ou a lei no Brasil já prevê que áreas na Amazônia só podem usar 20% do seu território. Então, mais uma vez, seguindo a lei, é isso que vai acontecer: é preservação junto com produção. O Brasil tem uma legislação própria para isso e é possível fazer. Jamais defendo a mudança da legislação ou derrubada de florestas para produzir mais. Com as áreas que já foram abertas é perfeitamente possível produzir mais. Dá para a gente trabalhar e alimentar o mundo com o que temos.
Relação com países importadores
VIRTÙ O senhor tem dito que a maneira como o governo se comunica dificultou a relação com os países importadores. Os grandes produtores podem ajudar nesse processo com os países?
Já fizemos isso há muito tempo. Se você olhar historicamente o ganho de vendas que nós tivemos no exterior é porque realmente os produtores, associações e as entidades fizeram o papel deles, foram para fora mostrar a qualidade do produto, e garantir que as questões ambientais e sociais estavam sendo oferecidas nessa mercadoria e, além de tudo, o preço competitivo que nós temos. Então como nós tivemos um retrocesso nisso, perdemos a conquista da imagem que nós tínhamos feito, vamos ter que fazer isso de novo agora. Isso é um trabalho forte tem que ser feito pelo setor produtivo e pelo governo. Voltamos dez casas e agora vamos ter que refazer isso novamente.
VIRTÙ: Na avaliação do senhor, há algum viés de guerra comercial na atual crise?
Tanto produtores europeus quantos os norte-americanos são competidores. Nós atuamos no mesmo mercado que os Estados Unidos na soja, algodão e no milho. Competimos na produção de aves com a Europa. Na produção de carne batemos de frente com a Irlanda. A França compete conosco na venda de grãos na França. Enfim, cada um dos países tem o seu interesse específico a defender. Mas a maioria deles precisa da produção do Brasil. É assim. Quem tiver mais produtividade, com preços mais acessíveis, vai ganhar mercado. Para entrar um, outro tem que sair. Quem vai sair? O mais fraco. Quem vai entrar? O mais forte. É assim que funciona e vai funcionar o mundo real.