O Brasil poderia se beneficiar desse longo período de baixo crescimento mundial se resolvesse dois problemas: o fiscal e o da baixa produtividade.
Quando estava à frente da política econômica brasileira, durante o governo Fernando Henrique, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan costumava dizer que “no Brasil, até o passado é incerto”. O economista deixou a pasta há 16 anos. Mas a frase permanece válida. No que diz respeito às contas públicas, as incertezas sobre o passado brasileiro se transvestem de diferentes formas. São regras tributárias cheias de exceções, decisões judiciais de última instância revisadas depois de pouco tempo, leis invalidadas logo após serem aprovadas. As incertezas sobre os sistemas regulatório e jurídico afugentam investimentos. Sem segurança sobre seus retornos, investidores estrangeiros preferem apostar em outros mercados.
Mas quais mercados? Em um contexto global de economia com baixas taxas de crescimento, juros quase negativos, alta liquidez e guerra comercial entre Estados Unidos e China, o futuro também parece cada vez mais incerto. Contudo, para o economista José Alexandre Scheinkman o Brasil poderia se beneficiar do cenário conturbado se resolvesse dois problemas: o fiscal e o da baixa produtividade.
Especialista em bolhas econômicas, professor da Universidade Princeton e da Universidade de Columbia, Scheinkman acredita que essa é a grande oportunidade para o país realizar reformas fundamentais para retomar o crescimento, abrir a economia e investir em infraestrutura e tecnologia.
Há oportunidade para o Brasil atrair grandes investimentos no cenário mundial
VIRTÙ: No ano passado, o senhor mencionou em uma entrevista que o próximo presidente teria dois desafios: no curto prazo teria que ajustar o balanço fiscal e, no longo prazo, o aumentar da produtividade. Essas questões estão sendo atacadas pelo governo?
Até agora, eles atacaram a questão fiscal. No que diz respeito à produtividade, há algumas poucas coisas. A Lei da Liberdade Econômica, por exemplo, pode ter alguns efeitos. Mas é preciso fazer a reforma a tributária. No Brasil, há muitas distorções no sistema tributário. O essencial é que as atividades semelhantes sejam taxadas da mesma maneira. O projeto da Câmara dos Deputados ajuda nessa questão. O cipoal do ICMS precisa ser mexido. E a ideia de trazer a CPMF de volta precisa ser abandonada. Outro ponto importante é abrir o país para o exterior. Há muita retórica nesse sentido, mas pouca atitude. Houve, é claro, o acordo entre Mercosul e União Europeia. Isso começou no governo Fernando Henrique e tem potencial importante para a abertura comercial. Mas temos que superar a crise gerada pelo mau comportamento do Brasil na questão ambiental.
VIRTÙ: A questão do meio ambiente não está sendo usada para defender protecionismo agrícola de países europeus?
É evidente que isso existe. Há lobbies tanto no Brasil quanto na Europa por setores que acham que serão prejudicados pelo acordo. Aqui nos Estados Unidos, a questão ambiental é muito séria. Uma gigante do setor calçadista, dona de diferentes marcas de sapatos e tênis, anunciou que vai suspender compras de couro brasileiro até que as coisas fiquem mais claras. Isso é uma pressão do produtor de couro americano. Pra vender tênis pros jovens no Brooklin, essa indústria precisa ser correta do ponto de vista ecológico. O mundo funciona dessa maneira. Não adianta ministro brasileiro ficar gritando que não vai resolver.
VIRTÙ: Como você vê a possibilidade de abrir o país para trazer também mão de obra qualificada?
Há vários períodos históricos em que países se beneficiaram da imigração. Antes e depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos receberam muitos judeus que fugiam da Europa. Grandes cientistas vieram para cá, tornaram-se professores e ajudaram a formar outros grandes cientistas. Israel, por exemplo, se beneficiou de muita gente que saiu da União Soviética. Mas o problema brasileiro não é recrutar estrangeiros. É reter. É como a história da dispensa de visto para turistas americanos. É lógico que é benéfico. Mas você só vai atrair mais turistas para o Brasil se melhorar a segurança do Rio de Janeiro. O país precisa ter condições para receber as pessoas.
VIRTÙ: Estamos passando pela mais lenta recuperação econômica do país nos últimos 100 anos. Esse é um fenômeno brasileiro?
Para os Estados Unidos e para a Europa, a crise de 2008 teve efeitos profundos e a recuperação tem sido lenta. Mas isso não pode servir de desculpas para o Brasil. Podemos fazer muito para melhorar a taxa de crescimento. Precisamos estar melhor inseridos na economia global. O país está fora de muitas cadeias de produção que são importantes no mundo inteiro.
VIRTÙ: Por que isso ocorre?
Há protecionismo e instabilidade jurídica. São dois problemas que podem ser resolvidos mesmo numa situação em que o mundo está crescendo menos.
VIRTÙ: A nossa questão é mais política?
O Brasil tem ótimas oportunidades de investimento de longo prazo. Mas para atrair capital estrangeiro, precisa ter uma regulação adequada e um sistema jurídico que funcione. Não sou advogado, nem jurista. Não posso opinar sobre cada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, como economista, posso opinar sobre a volatilidade das decisões da corte. Os ministros ficam revendo suas próprias sentenças o tempo inteiro. A suprema corte americana leva décadas para revisar algo importante.
VIRTÙ: Como diz o Pedro Malan, até o passado é incerto no Brasil.
A má qualidade do processo decisório gera um custo enorme para a economia. Se o sujeito pode investir no Brasil ou em outro país com um sistema jurídico mais estável, vai para outro lugar. Se essas questões fossem resolvidas, poderíamos atrair investimentos para áreas problemáticas, como a de infraestrutura. Resolver a infraestrutura não é rocket science. As pessoas sabem como construir estradas, ferrovias, portos. Mas é necessário haver um sistema em que um juiz não possa dizer que o valor do pedágio tem que baixar 70% depois que a rodovia foi construída.
VIRTÙ: O senhor é um grande estudioso da questão das bolhas. Acha que está se formando uma nova bolha com esse excesso de liquidez e preços de ativos inflados ao redor do mundo?
As taxas praticadas pelos bancos centrais são muito baixas em relação a nossa experiência histórica, com taxas negativas em alguns países da Europa. Quando você tem uma taxa negativa, os preços dos ativos sobem muito. Então, é difícil dizer se os preços estão muito altos. E há de fato uma quantidade enorme de liquidez. Esse é um problema que a teoria monetária está enfrentando pela primeira vez.
VIRTÙ: Durante a última grande crise, o quantitative easing, ou seja, colocar dinheiro na economia, foi muito importante para evitar um agravamento. Mas dessa vez há excesso de liquidez. Qual vai ser o papel do Banco Central se houver uma crise?
Os bancos centrais estão muito limitados. Eles têm pouca experiência em ambientes com taxa zero. A política monetária foi se aperfeiçoando a partir da Segunda Guerra Mundial. Era um período de decrescimento com taxas reais bastante positivas. Foi isso que criou o inflation target. Depois, com o período da inflação, foram criados mecanismos de controle. Agora, estamos em um universo diferente. Há lugares como Europa e Estados Unidos, em que já se trabalhava com taxas de juro reais muito baixas. Também não é algo completamente desconhecido. Para o Brasil, é mais uma razão para voltarmos à história do investimento, da produtividade.
VIRTÙ: Em qual sentido?
Em um cenário mundial desses, se o país tivesse sistemas de regulação e jurídico decentes, teríamos condições mais favoráveis para atrair investimentos. O país precisa facilitar a entrada de empresas nos mais diferentes mercados. Trazer concorrência é fundamental para criar um ambiente de mais inovação e melhoria de produtividade. Uma das razões de haver tanta inovação nos Estados Unidos é que é um mercado fácil de entrar e também de sair se o negócio vai mal. Já o Brasil oferece dificuldades com regulações malucas e proteções internas. Há uma série de regras feitas para impedir o surgimento de concorrentes. É tudo uma questão de regras. É por causa delas, por exemplo, que Estados Unidos e China se tornaram players mais importantes que a Europa no setor de tecnologia.
VIRTÙ: O Brasil pode tirar algum benefício dessa disputa entre Estados Unidos e China?
Os grandes perdedores dessa guerra são os próprios Estados Unidos e China. O Brasil pode ter vantagens na venda de produtos agrícolas e também há oportunidades em tecnologia.
VIRTÙ: O que tira seu sono e o que te dá esperança na economia mundial?
Não acredito na possibilidade de uma crise como a de 2008. O que eu vejo é um período longo de baixo crescimento causado pela volatilidade na política, principalmente, na política comercial. A gente estava falando sobre a volatilidade das decisões judiciais brasileiras. Mas a atitude do governo americano sobre protecionismo é ainda pior. Um dia, o Trump diz que vai botar uma tarifa de 40% na China. No dia seguinte, diz que não vai mais fazer isso. Isso é custoso para o crescimento da economia mundial. Afeta decisões de empresas do mundo inteiro. Nenhuma indústria sabe se será mais seguro montar uma linha de produção na China, com o risco de enfrentar uma barreira americana, ou no Vietnã, onde a mão de obra é menos qualificada e a produtividade é mais baixa.
VIRTÙ: O que você vê como oportunidade?
Os avanços tecnológicos que estão acontecendo. A ciência está avançando muito. A todo momento acontecem coisas novas que podem melhorar a vida dos seres humanos. O Brasil se beneficiaria muito se participasse desse processo. Já tivemos um grupo de cientistas muito importante. Recentemente, um brasileiro do INPA (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada) ganhou a medalha Fields. A Embrapa já foi outro centro de excelência. Mas, para o Brasil se beneficiar, precisa estar em vários campos diferentes. É preciso manter o que se faz na Ciência, que agora está sob ataque, e investir para se beneficiar das oportunidades que vão aparecer no mundo.