Virtù conversou com Fabio Giambiagi. Na visão do economista, esse é o momento de o Brasil avançar em uma agenda pragmática e realista: perseguir políticas que contenham o déficit público e recoloquem em queda a trajetória da dívida federal. É essencial manter o teto de gastos e aprovar reformas.
Neste momento, o país precisa de reformas pragmáticas e realistas, não é hora de propostas que procurem refundar o capitalismo brasileiro, como era a ambição do ministro Paulo Guedes. Essa é a avaliação do economista Fabio Giambiagi, um dos maiores especialistas em finanças públicas do País. Foi ele um dos principais consultores do projeto da reforma tributária, um projeto ao qual dedicou mais de uma década de estudos e debates públicos, enfrentando, com frequência, a hostilidade das plateias.
O que é realista então, neste momento, segundo Giambiagi? Perseguir políticas que contenham o déficit público e recoloquem em queda a trajetória da dívida federal. Por isso é essencial manter o teto de gastos, embora sejam necessários fazer alguns ajustes, e aprovar reformas. O economista vê boas chances em aprovar a reforma tributária e, com relação à administrativa, considera que talvez seja melhor aprovar um texto que valha apenas para os novos servidores do que não aprovar nada.
Giambiagi é um dos mais prolíficos produtores de livros sobre a economia brasileira. Sozinho ou em parceria com colaboradores, publicou mais de 20 livros nas duas últimas décadas. Especialista em finanças públicas, contribuiu decisivamente para a elaboração do projeto da reforma da Previdência, entre outros projetos. Recentemente, o organizou a publicação de dois livros com análises e propostas para o desenvolvimento do País, ambos lançados no ano passado pela Editora Atlas.
Ao lado de Sergio Ferreira e Antônio Marcos Ambrózio, Giambiagi coordenou a edição de A Reformado Estado Brasileiro – Transformado a Atuação do Governo. Uma linha comum entre as análises é que o País precisa enfrentar reformas em diversas áreas. São ao todo 35 autores, como Ana Carla Abrão, Carlos Ari Sundfeld, Marcos Lisboa, Mendes, Luiz Chrysostomo, Fernando Veloso e Ricardo Paes de Barros.
Em O Futuro do Brasil, o economista convidou uma nova geração de especialistas para escrever sobre temas como educação, saúde, segurança e saneamento. São pequenos ensaios de 32 especialistas refletindo sobre a próxima década. Para o trabalho, Giambiagi buscou sugestões de nomes que em breve poderão ocupar cargos de comando na administração pública. Os textos fazem um balanço das reformas recentes, como a previdenciária, e indicam caminhos para acelerar a produtividade na economia e os avanços na área social. Fazem parte do time de colaboradores Ana Luiza Souza Mendonça, Guilherme Tinoco, Pedro Jucá Maciel, Cíntia de Araújo, Diogo Mag Cord e Rudi Rocha.
A seguir, uma síntese dos principais temas da conversa com Giambiagi.
A hora da política
Nós técnicos tendemos a achar que basta termos uma ideia boa para ela se transformar em política pública. Mas outras pessoas também têm as ideias delas, e tudo é permeado pela seara política para ver o que é viável.
Mal ou bem, apesar das frustações, parece inquestionável que o Brasil avançou desde a redemocratização. Foram três blocos de avanços: a democratização, a estabilização monetária e depois as políticas sociais.
Mas de 2010 em diante a política fracassou como espaço de negociação de propostas para encontrar rumos para o país. O país precisa encontrar o caminho do diálogo para avançar na agenda de reformas. Aprovamos a reforma previdenciária, foi uma boa reforma. Mas há dificuldades para um diálogo racional em torno do apoio a políticas comuns.
Não há espaço para avanços ambiciosos até 2022, mas, a partir de 2023, o país terá que superar essa polarização absurda.
A verdade é que, nas últimas três eleições, o debate político foi absolutamente raso. Isso acaba dificultando depois a aprovação de reformas. Tira a legitimidade do processo.
Empobrecimento da política
Acabamos de assistir a algo parecido nos EUA e em outros países, mas os EUA já são uma país desenvolvido. Para o Brasil as consequências são maiores.
Na ciência política, é o que chamamos de coalizações bloqueadoras. Um grupo não consegue aprovar nada, mas se alia a outros grupos para que outras propostas também não sejam aprovadas. Nada avança.
Na minha experiência em defesa da reforma da Previdência, muitas vezes os políticos sabiam que a situação era insustentável, mas não apoiavam publicamente a reforma por causa da questão política.
Consenso mínimo e prioridades de curso prazo
Em 2015, tínhamos um déficit público nominal do setor público equivalente a 10% do PIB que foi sendo reduzido e caiu para 6% do PIB em 2019. Antes da pandemia, a expectativa era de que o déficit continuaria caindo. Mas em 2020 ele voltou a se aproximar de 10% do PIB e deverá ficar em torno de 7% do PIB em 2021.
O país precisa neste momento de propostas pragmáticas e realistas, não é hora de propostas que procurem refundar o capitalismo brasileiro, como era a ambição do ministro Paulo Guedes.
O que é realista então? Reduzir o déficit público, para que volte para 6% do PIB em 2022, para assim apontar para uma tendência de queda da dívida pública no futuro.
Nesse contexto, seria necessário manter o teto de gastos e aprovar algumas reformas. Em 2023, parece-me inevitável alguma revisão do teto de gastos. Isso não significa acabar com o teto, mas em vez de um limite fixo ele poderá se mover um pouco ao longo do tempo. Mas o país precisa manter a ideia de algum limite fiscal, senão tudo irá por água abaixo. Se quisermos aumentar gastos, como no auxílio emergencial, outros gastos precisam cair.
Reforma tributária e reforma administrativa
Acredito que dê para avançar na reforma tributária. Já estamos discutindo isso há muito tempo. É uma discussão mais madura do que era há cinco anos.
Com relação à administrativa, melhor aprovar algo do que não aprovar nada. Embora não seja ideal, poderá acontecer algo similar com o que ocorreu com a reforma previdenciária do funcionalismo público, que valeu apenas para os novos entrantes.
Os quatro pontos prioritários, então, seriam: manutenção do teto de gastos, aprovação das reformas tributária e administrativa, além de fazer algumas privatizações. Teria um grande simbolismo privatizar os Correios, e quem, sabe a Eletrobras, apesar de, neste caso, as resistências políticas serem maiores.
Políticas sociais
Não é verdade que o governo não tenha políticas públicas para os menos privilegiados. Há a aposentadoria para os trabalhadores rurais, o seguro-desemprego, o Bolsa Família. Mas falta uma política para os informais. Precisa ser uma política com os incentivos adequados. Precisa também ficar dentro do arcabouço fiscal do teto de gastos. Para ser bem-sucedida, a política assistencial deve seguir as lições do Bolsa Família. O programa foi evoluindo aos poucos, a partir de outras políticas assistenciais. O importante é ter uma política que seja bem pensada e duradoura.
Mas são todas questões técnicas e complexas que exigem uma grande capacidade de negociação política.
O déficit de liderança
Os países, assim como as pessoas, podem errar. Mas ao longo dos últimos dez anos o Brasil cometeu muitos erros de condução política. O maior déficit de todos no País é o déficit de liderança. A Margaret Thatcher está longe de ter sido uma pessoa simpática, mas soube apontar a direção para qual a Inglaterra deveria seguir. Felipe González colocou a Espanha em um novo patamar. No Brasil, tivermos o exemplo de Fernando Henrique Cardoso.
Falta discussão no Brasil para que haja legitimidade para as reformas. Faz parte da arte da política não dizer as coisas em toda a sua crueza, mas não podemos ter uma campanha em que se discutem bobagens porque depois teremos que encarar todas essas questões difíceis. Então falta ainda um amadurecimento.
Fuga do Brasil
Acompanhei de perto a Venezuela quando trabalhei no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) antes de Hugo Chávez. Foi triste o que ocorreu. Meus conhecidos abandonaram o país, levando toda a família. Aconteceu algo semelhante ocorreu na Argentina, embora com menos intensidade. Existe um grande desalento na juventude. No Brasil, me entristece profundamente ver o início de uma tendência semelhante. Recentemente, três amigos decidiram se mudar, cansaram do Brasil. O dramático é quando a juventude começa a migrar. Felizmente o fenômeno aqui não é na mesma magnitude do que ocorreu na Venezuela e na Argentina, mas temos errado muito. Há um limite para isso.