A produção agrícola em alta deverá bater novo recorde neste ano, os preços das commodities estão em alta e as exportações vão atingir US$ 100 bilhões. Os bons números, no entanto, escondem o atraso tecnológico da maior parte das propriedades rurais: apenas 20% usam consultoria técnica e menos de 30% possuem acesso à internet.
No horizonte desolador da economia brasileira, no qual há poucos pontos luminosos, o agronegócio continuará a brilhar em 2021. A produção de grãos deverá superar 260 milhões de toneladas, de acordo com a estimativa do IBGE. Será o terceiro ano seguido de recorde.
Numa conjugação favorável, a produção está em alta e os preços também. A retomada da economia mundial tem contribuído para valorizar o preço das mercadorias exportadas pelo Brasil. As exportações deverão superar os US$ 100 bilhões.
Os números impressionam, mas obscurecem uma realidade pouco conhecida. A grande maioria dos produtores rurais permanece distante de assessoria técnica e de equipamentos básicos da agricultura moderna, como mostra o Atlas do Espaço Rural Brasileiro, lançado recentemente pelo IBGE. Mas, se a história recente é um indicativo, o agronegócio possui um potencial imenso para expandir a produtividade e ampliar a geração de riquezas.
Em termos de divisas obtidas no comércio externo, os valores passavam longe dos atuais. As exportações ficavam ao redor de US$ 1 bilhão nos anos 1970, ou pouco mais de 1% do valor atual.
Houve, nesse período de 50 anos, duas ondas marcantes na expansão agrícola. A primeira, iniciada ainda nos anos 1960, teve como prioridade alimentar a população brasileira, que crescia rapidamente nos anos de industrialização do pós-guerra. Foi o início da Revolução Verde, ditada pela popularização de novas técnicas agrícolas, desenvolvimento de sementes, mecanização e o uso intensivo de adubos e agrotóxicos. Depois, nos anos 1990, a expansão ganhou um novo impulso, dessa vez para “alimentar o mundo”, como relata o Atlas do Espaço Rural.
A forte demanda mundial por alimentos, sobretudo na Ásia, incentivou o avanço – não raro predatório – das fronteiras agrícolas. Hoje o Centro-Oeste responde por quase 50% da produção de soja, milho e outros grãos.
O avanço espetacular do agronegócio esconde o atraso na maior parte das propriedades agrícolas, no que que diz respeito ao acesso aos equipamentos e às técnicas mais avançadas de produção. É incipiente também, informa o IBGE, as práticas da agricultura sustentável.
Segundo o Atlas do Espaço Rural, apenas 20% das propriedades contam com algum tipo de consultoria técnica, seja ela prestada por entidades públicas, cooperativas ou empresas privadas. O percentual, baixíssimo, não é muito diferente ao de uma sondagem realizada já vinte anos. A maioria absoluta dos produtores rurais (80%) trabalha sem nenhum tipo de orientação a respeito de melhores formas de plantio, sementes ou equipamentos. A agricultura produtiva e tecnológica é o dia a dia da pequena parcela mais desenvolvida dos fazendeiros, em geral os grandes produtores voltados ao mercado externo.
Impressiona como, em pleno século XXI, persiste o despreparo tecnológico da absoluta maioria dos mais de 5 milhões de estabelecimentos rurais. Menos de 30% deles possuem acesso à internet, o que significa dizer que a grande parte deles não dispõe de uma ferramenta básica de informação. Espera-se que, com a instalação das redes de 5G, essa realidade comece a mudar, como foi no caso da energia elétrica. A cobertura dos estabelecimentos com eletricidade atingiu 83%, e era pouco superior a 20% em 2015. Outro indicador do atraso: pouco mais de 20% dos produtores utilizam maquinário como tratores e colheitadeiras, e, no Nordeste, o percentual é de míseros 3%.
Terra menos produtiva
A adubação do solo, essencial para elevar a produtividade, é feita com frequência em 42% das propriedades, enquanto apenas 33% utilizam agrotóxicos. O uso abusivo de defensivos por certo causaria preocupação, pelo seu impacto na saúde e no ambiente. Mas, por outro lado, a baixa utilização pode significar uma produção acanhada, condenando os pequenos fazendeiros a viver na miséria.
Como ressalta o IBGE, um quarto das propriedades fazem uso de técnicas convencionais, nas quais há muita perda de solo. A produtividade brasileira poderia ser ainda maior. Há muito ainda para ser explorado nas áreas já ocupadas, não havendo a menor necessidade de avançar nos desmatamentos de regiões virgens.
A história de sucesso do agronegócio é, portanto, fruto de um número relativamente pequeno de propriedades superprodutivas. Persiste um quadro de profundas desigualdades regionais, e, também, entre os grandes e os pequenos proprietários. Basta dizer que 8 em cada 10 dos 5 milhões de produtores rurais vivem nas trevas, sem consultoria técnica, sem internet, sem maquinário.
Os desafios apresentados pelo documento do IBGE são essencialmente dois: de um lado, a prevalência, em boa parte das propriedades rurais, de práticas antiquadas e em desacordo com os padrões da agricultura sustentável; de outro, o absoluto atraso de um Brasil agrícola que ainda não chegou nem mesmo aos 1970, do ponto de vista de acesso à tecnologia elementar.