Calculadora interativa do CLP mostra quantos anos cada pessoa precisa trabalhar para alcançar a remuneração da elite do funcionalismo.
Deverá ser votado finalmente nesta semana o Projeto de Lei 6726/2016, cujo objetivo é regulamentar de uma vez por todas o pagamento de verbas indenizatórias e outros ganhos adicionais dos servidores públicos. Espera-se, com isso, acabar de uma vez por todas com o privilégio dos supersalários. Aprovado no final de 2016 no Senado, o PL aguarda desde então a votação na Câmara. Já são quase cinco anos de adiamentos. Mas, com a aprovação do regime de urgência para a apreciação do texto, abre-se finalmente a oportunidade para que ele seja levado ao plenário. Foi um compromisso assumido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O teto constitucional para o salário de um servidor deveria ser o pagamento de um ministro do Supremo Tribunal Federal, que é hoje de R$ 39.293,32. Deveria. A elite do funcionalismo vem se beneficiando, há anos, de uma série de brechas e dribles legais para engordar os seus vencimentos. Esses servidores conseguem acumular verbas indenizatórias de todo tipo (educação, transferência, alimentação, saúde, banda larga), vender férias (afinal, alguns chegam a ter o direito de 60 dias de descanso ao ano) e encontrar maneiras diversas de receberem pagamentos para além de seus salários. A maior parte dos beneficiados encontra-se nas carreiras jurídicas, no governo federal e nos estados.
Segundo uma nota técnica do Centro de Liderança Pública (CLP), existem aproximadamente 25 mil servidores que ganham acima do teto. O pagamento médio para além do limite legal é de R$ 8,5 mil. De acordo com o IBGE, o rendimento médio dos brasileiros ocupados é de R$ 2.532. Portanto, apenas esse adicional ganho pelo topo do funcionalismo representa mais do que o triplo daquilo recebido pela grande maioria dos brasileiros.
Ainda segundo o CLP, o custo para os cofres públicos dos pagamentos extra teto são de R$ 2,6 bilhões ao ano. O relator do PL na Câmara, deputado Rubens Bueno (Cidadadia-PR) avaliou que os ganhos poderá ser da ordem de R$ 3 bilhões. Mas, ainda segundo Bueno, estimativas de um estudo feito pelo Senado indicam que a economia poderá chegar a R$ 10 bilhões ao ano, quando se consideram os efeitos nas contas de estados e municípios.
O fim dos supersalários do funcionalismo poderá, portanto, liberar R$ 10 bilhões para que o setor público invista em projetos sociais e obras de infraestrutura. O Bolsa Família, que protege 15 milhões de famílias miseráveis, custa R$ 35 bilhões ao ano. A poupança trazida pelo fim dos supersalários e penduricalhos pagos a 25 mil pessoas na elite do funcionalismo poderia ser usada, por exemplo, para reajustar os valores pagos a milhões de pessoas que vivem na pobreza e viram o valor de seus benefícios ser corroído pela inflação nos últimos meses.
O CLP e o movimento Unidos pelo Brasil lançaram uma calculadora interativa que permite verificar, de forma didática, a distância salarial que separa a maioria da população em relação aos supersalários do setor público. A calculadora pode ser acessada neste link: https://calculadora.unidospelobrasil.com.br/. Trata-se de uma ferramenta ilustrativa, para dar maior visibilidade às disparidades salariais existentes no País e dentro do próprio setor público.
O salário base de um enfermeiro ou de uma enfermeira do setor público de Minas Gerais, por exemplo, é de R$ 5.063,65. O valor representa 13% do teto para o funcionalismo. Uma pessoa que esteja na ocupação há cinco anos levará 1.946 anos para chegar ao topo da remuneração permitida, levando-se em conta o ritmo atual de progressão na carreira dessas categorias. Na elite do funcionalismo, contudo, o teto é alcançando em poucos anos — e muitos logo arrumam artifícios para receber acima do limite legal. Os cálculos usam a base de dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais).
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Em uma outra comparação, os promotores do Ministério Público do Mato Grosso em estágio inicial de carreira recebem um piso salarial de R$ 30.404,41. Em menos de dez anos de trabalho, esse servidor já poderá ter chegado ao teto remuneratório de R$ 39,3 mil.
Teto dúplex
De acordo com o relatório sobre o PL dos supersalários apresentado por Rubens Bueno, há mais de 20 tipos de pagamentos considerados indenizações, direitos adquiridos ou ressarcimentos. A proposta não acaba com todos os penduricalhos, mas cria limites para os pagamentos. As regras deverão ser válidas para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em todas as esferas de governo (federal, estadual, distrital e municipal).
A aprovação do PL 6726, se confirmada, poderá ser um passo inicial na reforma administrativa do setor público. Mas que não haja ilusões: mesmo com a nova lei, haverá novas tentativas de burlar o teto. A criatividade é infinita.
Exemplo: uma controversa portaria editada em abril permitiu que servidores aposentados que estejam em cargos públicos acumulem os vencimentos, independentemente do teto. Na prática, o governo criou um teto duplo, já apropriadamente apelidado de teto dúplex. Os principais beneficiados são os militares da reserva que ocupam funções civis no governo Bolsonaro, como os ministros Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) e Augusto Heleno (Segurança Institucional).
Dessa maneira, com uma canetada o governo criou novos privilégios que vão custar R$ 562 milhões até 2023, de acordo com uma estimativa feita pelo Ministério da Economia. Congressistas vêm reunindo apoio para derrubar a portaria. Que assim seja. Um país onde há uma massa de 30 milhões de pessoas sem trabalho ou subempregadas — e onde a miséria e a desigualdade voltaram a aumentar — não pode se dar o luxo de sustentar os privilégios da casta no topo do funcionalismo.
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