Artigo de Daniel Duque analisa o que faz da Noruega o país mais desenvolvido do mundo no eixo saúde. Donos de uma das maiores expectativas do planeta, os noruegues têm estilo de vida saudável e eficiente sistema público de saúde.
Este é o terceiro artigo de uma série que analisa os indicadores sociais da Noruega, líder do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) há 16 anos, em comparação com o Brasil, que perdeu cinco posições em 2020. Em textos anteriores, foram tratados dois componentes das condições de vida em ambos os países: renda e educação. Este terceiro artigo analisa a saúde.
Expectativa de vida
A expectativa de vida mundial ao nascer é o principal indicador analisado no IDH como medida da qualidade de saúde de um país. No mundo, vive-se em média 72,5 anos. Na União Europeia, 80,9 anos. Já na Noruega, a expectativa de vida chega a 82,3 para ambos os sexos.
A expectativa de vida na Noruega era a melhor do mundo já em 1850, em torno de 50 anos, como mostra o gráfico acima. Surpreendentemente, tal valor esteve acima ao do Brasil até a década de 1940. Até cerca de 1890, a expectativa de vida oscilava a cada ano, mas mantendo tal média. A partir de então, ele passou a aumentar continuamente até hoje.
Um dos principais objetivos da política de saúde pública na Noruega é colocá-la entre os três países do mundo com a maior expectativa de vida. A diferença entre os países com alta expectativa de vida é pequena, principalmente se desconsiderarmos as mulheres japonesas, que têm a maior expectativa de vida do mundo. No entanto, ainda assim, os noruegueses se encontram mais próximos da 10ª posição do que da 1ª, atrás de países menos ricos, como a Espanha.
Sistema de saúde
O sistema de saúde público da Noruega é considerado um dos melhores do mundo. Todos os hospitais públicos são administrados pela divisão de saúde do governo. Hospitais e seguros de saúde privados são muito caros.
Enquanto a política de saúde é controlada centralmente, a responsabilidade pela provisão de saúde é descentralizada. As autoridades em nível municipal organizam e financiam os serviços de atenção primária, enquanto o governo central tem responsabilidade gerencial e financeira pelo setor hospitalar. Todos os hospitais públicos são administrados por quatro Autoridades Regionais de Saúde (RHA) supervisionadas pelo Ministério da Saúde e Serviços de Assistência.
No entanto, os serviços não são totalmente gratuitos, ao contrário do SUS no Brasil. Os residentes devem gastar do próprio bolso anualmente pouco mais de 2.000 mil coroas norueguesas (cerca de R$ 450), valor a partir do qual os cuidados de saúde são totalmente cobertos pelo governo. Para se ter referência no Brasil, a despesa per capita com saúde, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017/18, foi equivalente a pouco mais de R$ 500 anuais em média.
Vale ressaltar, no entanto, que, na Noruega, todas as crianças menores de dezesseis anos e mulheres grávidas recebem assistência médica totalmente gratuita. Além disso, todos os residentes, além de requerentes de asilo, têm direito a um clínico geral como médico de família. Cada profissional administra seu próprio sistema de agendamento, mas as pessoas podem cadastrar um de sua preferência gratuitamente, se disponível, até duas vezes por ano. Tal sistema ocorre de maneira semelhante, ainda que com menos efetividade, no Brasil, e em geral é seguido por diversos países com sistemas públicos de saúde bem sucedidos.
Tendo em vista tais diferenças, também é possível observar grandes discrepâncias nos gastos governamentais em saúde como proporção do PIB.
Arquivo digital de saúde
Cada indivíduo no sistema de saúde norueguês tem um arquivo digital de saúde – recurso ainda muito distante da realidade do SUS. Tal registro inclui anotações feitas pelo clínico geral e informações de hospitais, especialistas e outros institutos de saúde, além de resultados de exames. Os indivíduos podem acessar seus próprios registros online. Além disso, os usuários têm o direito de saber quem acessou o arquivo.
Com relação aos serviços odontológicos, apenas as crianças e idosos em situação de vulnerabilidade recebem tratamento gratuito. Com algumas exceções, como aqueles com condições médicas raras, os adultos devem pagar integralmente tal custos, que não são baixos.
Estilo de vida
Os noruegueses são uma população extremamente ativa. Gostam de aproveitar seus finais de semana e feriados em atividades ao ar livre. É o estilo de vida conhecido como friluftsliv. Durante as férias, os principais programas, além de viagens, são trilhas no verão e esqui no inverno.
Alimentação
O peixe fresco é amplamente consumido em todo o país, principalmente o salmão, mas também há forte presença de grãos, nozes, vegetais e frutas vermelhas. A dieta nórdica típica inclui, ainda, uma grande quantidade de carne vermelha, frequentemente carne de caça. Não são muitos os vegetarianos e veganos.
Os noruegueses sempre consumiram grande quantidade de doces, mas o país conseguiu reduzir em 27% o consumo de alimentos com alto teor de açúcar nos últimos dez anos. Além da mudança natural no padrão de consumo dos noruegueses, nos últimos anos o esforço do governo tem sido de implementar políticas de saúde voltadas para redução do consumo desses alimentos, como o imposto sobre chocolate e sobre bebidas açucaradas, que aumentaram 83% e 42% em janeiro de 2018, respectivamente.
O governo também regula as propagandas para crianças e adolescentes, já que 55% das crianças entre 9 e 13 anos têm consumo de açúcar maior do que o recomendado e 85% têm consumo de gordura saturada maior do que o recomendado.
Desafios da saúde pública
Nas últimas décadas, tal como em outros países nórdicos, a depressão e uso de drogas têm sido um dos maiores problemas de saúde pública, atingindo grande parte da juventude.
O suicídio foi a terceira causa de morte prematura em 1990, mas caiu para o sétimo lugar em 2013, ainda que tenha permanecido com o nível de anos de vida perdidos semelhante. Entre países da OCDE, a Noruega está em torno da 10ª posição na proporção de suicídios, atrás de países como o Japão, que lidera no indicador, Suécia e Estados Unidos. No entanto, a posição é ainda desconfortável, principalmente frente a países mediterrâneos, como Grécia, Itália e Espanha, que estão no fim dessa lista. Brasil, da mesma forma, tem uma proporção próxima da metade registrada em média na Noruega.
O impacto dos transtornos por uso de drogas aumentou consideravelmente, passando de 0,7% para 2,4% de anos de vida perdidos. É o maior aumento entre as principais causas de morte. Ao contrário das tendências para outros fatores de risco, a morte prematura por uso de álcool e drogas aumentou 47% entre 1990 e 2013. Entre as pessoas de 15 a 49 anos, o uso de álcool e drogas foi o principal fator de risco para morte prematura em 2013.
Em termos de consumo de álcool, Brasil e Noruega estão mais próximos do que se imaginaria: ambos estão empatados na 70ª posição em consumo total de álcool, com 7,4 litros consumidos por ano por habitante acima de 14 anos. No entanto, o número de consumidores é extremamente diferente nos dois países: quase 80% dos noruegueses bebem álcool regularmente — (8ª posição, atrás de países como Vietnã, Alemanha, Irlanda, Suíça e Austrália) –, no Brasil, 40% da população (80ª posição) bebe regularmente. Ou seja, no Brasil, quem consome álcool o faz em uma quantidade consideravelmente maior do que na Noruega.
Acidentes de trânsito
O maior consumo de álcool no Brasil por parte daqueles que têm hábito de beber pode ajudar a explicar a grande diferença entre os países nos número de acidentes de trânsito. Na Noruega, os acidentes de trânsito caíram do 8º para o 14º lugar entre 1990 e 2013, com a introdução de inúmeras intervenções baseadas em evidências que reduziram as mortes prematuras por acidentes. Depois de décadas com uma mortalidade mais alta do que a OCDE para acidentes, especialmente para as faixas etárias mais jovens, a Noruega registra atualmente uma taxa de apenas 2,7 mortes por 100 mil pessoas em acidentes de trânsito, contra 19,7 no Brasil.
Em síntese, a Noruega é um país que valoriza a saúde da sua população. Sua meta é ostentar uma das três maiores expectativas do mundo. Os noruegueses se destacam pelo estilo de vida saudável e também pelo seu eficiente sistema público de saúde.