A autonomia do BC é positiva porque blinda o banco de ingerências políticas. Maior previsibilidade traz mais investimento e mais emprego. Mas nada funcionará se os gastos públicos continuarem a aumentar sem freios. Esse é o papel do teto de gastos. Aumentar as despesas para prorrogar o auxílio emergencial aos brasileiros é fundamental, mas é possível financiar o programa sem derrubar o teto. Esse artigo aponta algumas alternativas.
A Câmara dos Deputados aprovou finalmente a lei que concede autonomia ao Banco Central. O texto segue agora para a sanção presidencial. Foi uma sinalização de que o novo presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), vai se esforçar para colocar em votação os projetos considerados prioritários pela equipe econômica. Foi também um aceno aos investidores e agentes do mercado financeiro, na tentativa de mitigar o déficit de confiança que pesa sobre a condução da agenda de reformas.
Vantagens da autonomia do PC
A lei é positiva porque deverá blindar o BC de ingerências políticas. Os diretores terão estabilidade em seus mandatos e serão avaliados pelo seu desempenho em manter a estabilidade monetária. O objetivo central do BC será preservar a inflação dentro das metas estabelecidas, mas levando também em consideração o crescimento econômico. A experiência internacional indica que BCs autônomos desfrutam de maior credibilidade. Dessa maneira, conseguem manter a inflação sob controle com o menor sacrifício possível da atividade – ou seja, sem ter que carregar na dose da taxa de juros. Esse é o tipo de reforma que, se bem executada no dia a dia, contribuirá para ampliar a previsibilidade de longo prazo no País. Resultado: mais investimentos produtivos e mais empregos.
Equilíbrio das finanças
Nada disso funcionará adequadamente caso não haja equilíbrio nas finanças públicas. Se os gastos públicos aumentarem num ritmo intenso, o BC será obrigado a subir os juros para conter a inflação. É como um carro no qual um pé – o governo – pisa no acelerador enquanto o outro pé – o BC – pisa no freio. O carro não vai funcionar direito e terá um desgaste desnecessário. BC autônomo, portanto, não dispensa a sintonia fina com o governo. Pelo contrário. Mas se o governo não fizer a sua parte, o BC poderá ser obrigado a exagerar nos juros, como era comum até pouco tempo atrás, para, assim, reafirmar sua autonomia e assegurar estabilidade monetária.
O teste do teto
O teto de gastos é hoje a principal âncora fiscal do País. Ele impede que as despesas subam numa velocidade muito superior à das receitas, como havia sido a regra até 2016. Com o teto, ocorreu uma contenção gastos não obrigatórios. De acordo com especialistas, isso foi um dos fatores determinantes para a queda na taxa básica de juros, que está atualmente no patamar mais baixo da história – 2% ao ano –, algo surpreendente para um país que era campeão de juros não faz muito tempo. O teto segurou o pé do governo, que pisou com menos intensidade no acelerador, e o BC pôde relaxar o pé do freio.
Por isso, causam preocupação as pressões de alas do Congresso e do governo de driblar os limites do teto. Em 2020, a excepcionalidade da pandemia justificou a criação de políticas emergenciais. Mas, agora, chegou a hora de começar a reestabelecer a normalidade. A dívida pública deu um salto gigantesco, o real se desvalorizou, a inflação subiu e o BC já sinalizou que deverá elevar os juros em breve. Não é momento de flexibilizar as regras do teto, sobretudo sem colocar no lugar contrapartidas de controle nas despesas públicas.
A justificativa para furar o teto é encontrar meios para prorrogar o auxílio emergencial. Por mais que seja necessária a extensão do amparo financeiro às famílias mais vulneráveis, derrubar o teto não parece ser a melhor maneira de bancar a política assistencial. Existem boas propostas com estratégias para ampliar o alcance do guarda-chuva social sem necessariamente extrapolar as restrições do teto, desde que sejam feitas contrapartidas como reformas estruturais e cortes em privilégios.
Propostas que respeitam o teto de gastos
Uma proposta elaborada pelo Centro de Liderança Pública (CLP) para o movimento Unidos pelo Brasil detalhou como seria possível criar um programa de renda básica, com pagamentos de até R$ 250 ao mês, sem desrespeitar o teto de gastos. Sem nenhum auxílio, a taxa de pessoas vivendo abaixo da linha da extrema pobreza (renda inferior a R$ 150 ao mês) poderá ser multiplicada por 4 nos próximos meses, chegando a 9,5% da população. São 20 milhões de brasileiros condenados à miséria. O conjunto de medidas sugeridas para viabilizar o programa envolve redução de renúncias fiscais, privatizações, a aprovação da PEC emergencial e a eliminação de programas assistenciais caros e pouco eficientes, como o seguro-defeso.
Outra iniciativa seria a aprovação de projetos da chamada PEC dos Penduricalhos (PEC 147/2019), dando fim aos supersalários do funcionalismo. Seria possível uma economia de até R$ 6,5 bilhões em 2021 e outros R$ 10 bilhões em 2022. No total, as reformas propostas levariam a uma economia superior a R$ 100 bilhões ao longo dos próximos seis anos, dinheiro suficiente para nocautear a pobreza extrema no País.
Na mesma linha de raciocínio, em artigo no Brazil Journal, o especialista em finanças públicas Marcos Mendes listou oito propostas para abrir espaço no orçamento e estender o pagamento do auxílio, mas sem furar o teto. No total, as medidas levariam a uma economia de R$ 46 bilhões, neste ano e no próximo. São ações como o congelamento de reajustes do funcionalismo e eliminação de benefícios fiscais. Algumas dessas propostas, aliás, constam da chamada PEC Emergencial, apresentada originalmente em 2019 — antes da pandemia. Foi um projeto concebido para dar sustentabilidade ao teto, mas que até hoje aguarda apreciação dos congressistas. Agora a PEC poderá entrar na pauta e continua sendo uma das prioridades da equipe econômica, mas seu texto terá que ser reformulado para se adequar à realidade imposta pela pandemia.
Proposta do governo
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que seria contra à prorrogação do auxílio emergencial, mas agora já se rendeu ao óbvio: ele será estendido, de uma maneira ou de outra. Melhor, portanto, cuidar para que haja o menor impacto possível. De acordo com as estimativas do governo, o custo para se pagar o benefício por três meses será de R$ 20 bilhões. Isso se o valor das parcelas ficar em R$ 200 e o número de atendidos for menor, focado naqueles realmente vulneráveis. Guedes trabalha para que haja contrapartidas, mas é incerto se será atendido pelo Congresso. No lugar de cortar gastos, há quem defenda a criação de um imposto “provisório” para bancar os pagamentos. Sim, é a mais nova tentativa de ressuscitar a famigerada CPMF.
Portanto, a aprovação da autonomia do BC marca um avanço importante para o amadurecimento da economia brasileira. Mas o governo e o Congresso precisam contribuir na preservação da estabilidade monetária. Furar o teto de gastos certamente seria um mau sinal. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, já emitiu o seu alerta: se não houver o auxílio da âncora fiscal, os juros terão que vão subir mais rapidamente para conter a inflação. A consequência será uma retomada vagarosa da economia e menos empregos.