A divisão de ganhos com o petróleo pode ser usada para reequilibrar a distribuição das receitas e recuperar as finanças públicas.
O presidente Jair Bolsonaro usou em sua campanha um fraseado batido entre candidatos ao Planalto. O mote “mais Brasil, menos Brasília”, contudo, ajudou a forjar sua imagem de antipolítico para uma parcela dos eleitores. Agora, no governo, sua equipe econômica usa o lema para lidar com uma das questões mais problemáticas da federação: a concentração excessiva de atribuições e recursos no governo federal em relação aos estados e municípios.
Desde a promulgação da Constituição de 1988, o desequilíbrio na distribuição das receitas entre os entes federativos se expande. Hoje, quase 68% da arrecadação tributária vai para a União. Concentrados em Brasília, os recursos ficam distantes de onde os problemas ocorrem.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer rever o Pacto Federativo. No início do ano, anunciou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para desvincular as receitas, desindexar o orçamento e acabar com as despesas obrigatórias. Apresentada como uma espécie de “plano B” à reforma da Previdência, a iniciativa foi desencorajada pelos chefes do Congresso para não desviar o foco. Por surtir efeito apenas no longo prazo, também não animou prefeitos e governadores. Foi colocada em banho-maria.
A salvação pelo petróleo
Outros dois projetos, contudo, fazem brilhar os olhos dos gestores estaduais e municipais. É neles que o time de Guedes aposta para reequilibrar a distribuição das receitas e recuperar as finanças públicas. Ambos se baseiam na divisão de ganhos com o petróleo.
O primeiro diz respeito ao leilão da cessão onerosa, marcado para novembro. A União arrematará um bônus de R$ 106 bilhões com a oferta de quatro áreas do pré-sal na Bacia de Santos. O valor do contrato é fixo. O que muda nas ofertas é o percentual do chamado óleo-lucro. Para cada área, há um valor mínimo estipulado. Eles variam de 19% a 27%. Quem oferecer mais, leva.
Do total arrecadado, R$ 33,6 bilhões irão para a Petrobras. O restante do bolo, R$ 72 bilhões, será fatiado entre os governos federal, estaduais e municipais. “A divisão desse montante já está sendo negociada”, afirma o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida.
O governo precisa alterar a regra do teto de gastos para repassar os recursos. Essa é a parte mais simples da negociação. A outra diz respeito aos valores. O orçamento federal aprovado para este ano previa um déficit primário de R$ 139 bilhões. Com o cobertor curto, a União usará sua parte do bônus para cobrir o rombo. Como ele é enorme, não pode abrir mão de uma fatia muito grande dos recursos.
Os royalties
A segunda medida que a equipe econômica costura é a partilha do fundo social onde são alocados os royalties do petróleo. Com o aumento da exploração dos novos campos da região do pré-sal, o volume de recursos do fundo aumentará consideravelmente nesta década. Só neste ano, ele receberá R$ 16 bilhões.
Atualmente, esses recursos ficam apenas para a União. Com o novo projeto, chamado de Plano de Fortalecimento dos Estados e Municípios (PFE), eles passariam a ser redistribuídos. A previsão do governo é implementá-lo no ano que vem para durar pelos próximos 35 anos. “Essa proposta ainda precisa evoluir e os critérios de divisão desse fundo precisam ser estabelecidos”, salienta Mansueto Almeida.
As duas iniciativas são boas para começar a reequilibrar a distribuição das receitas de maneira emergencial. Mas, sozinhas, não bastam. É preciso também manter os olhos nas despesas. Com a maior parcela delas servindo para arcar com as folhas de pagamento dos servidores públicos, não há salvação para estados e municípios sem a reforma da Previdência. Sem sua aprovação, aliás, nenhum desses projetos seguirá adiante.
Repasses da União com contrapartida dos estados e municípios
Um cuidado essencial no processo de descentralização, que parece ser mesmo uma decisão inarredável do governo Bolsonaro, é o repasse de recursos sem a contrapartida da garantia de disciplina fiscal por parte de estados e municípios.
É um avanço e tanto que a União, que antes ficava com 100% do bônus de assinatura, entregar 30% a estados e municípios. Mas, justamente pela falta de garantia de disciplina fiscal dos beneficiados, a decisão foi repassar apenas uma vez o bônus. Não há compromisso em tornar a partilha de todos os bônus obrigatória de 2019 em diante. Agindo assim, o governo evita premiar estados recalcitrantes em colocar suas próprias finanças em ordem.