Metrópoles como Paris e Londres desenvolveram ecossistemas de negócios complexos e são exemplos a serem seguidos por São Paulo. Há diversas oportunidades de acesso a recursos para projetos que visam solucionar as questões do saneamento
Artigo de Luana Tavares e Andrei Covatariu
Para a maioria das pessoas, o conceito de inovação está associado principalmente a um futuro distante. E estão errados, pois a inovação faz parte da nossa vida desde o início dos tempos.
Da mesma forma, a inovação está principalmente ligada à evolução tecnológica. E isso é verdade. Parcialmente. O progresso tecnológico de hoje e as ferramentas e serviços digitais disponíveis são agora indispensáveis nos setores de serviços públicos. No entanto, a inovação não deve ser percebida apenas no nível tecnológico, uma vez que inovamos continuamente a forma como fazemos negócios, a forma como os regulamos, a forma como consumimos diferentes produtos e serviços e assim por diante. Temos feito isso desde o início dos tempos.
No setor de água, temos inovado …
…nas cidades
Embora as cidades, como forma de organização comunitária, ofereçam um imenso crescimento econômico e social, elas apresentam enormes desafios. Áreas urbanas densas enfrentam grandes problemas para fornecer acesso universal a serviços de utilidade pública, de maneira eficiente e econômica. Além disso, embora as cidades costeiras ofereçam inúmeras oportunidades econômicas (comércio, pesca, turismo), elas correm ainda mais riscos, pois as mudanças climáticas estão causando um aumento constante do nível do mar. Os problemas de Miami ou as lutas de Veneza, por exemplo, têm soluções, conforme as medidas de adaptação foram identificadas – comportas subaquáticas, adição de degraus e camadas às regiões mais ameaçadas das cidades, paredões ainda mais eficazes, bombas (embora esta seja uma medida de eficiência energética muito pobre).
Do outro lado do mundo, Cingapura é o padrão ouro para economia circular no setor de água. Embora a cidade tenha escassez de água (importa mais da metade de suas necessidades), tem um sistema complexo de coleta de cada gota de água residual, reutilização contínua e dessalinização para transformar água do mar em água potável. No entanto, o processo de reciclagem é o mais impressionante, pois a água reciclada da cidade atende a 40% da demanda de água, número que deverá aumentar para 55% em 2060.
As cidades costeiras ou áreas urbanas que cresceram em grandes cursos d’água naturais têm um enorme potencial econômico e turístico. Embora também enfrentem problemas recorrentes ou mesmo crônicos com os rios, metrópoles como Paris (com Sena) e Londres (com o Tâmisa) desenvolveram ecossistemas de negócios complexos — exemplos a serem seguidos por São Paulo.
As cidades também são o lugar perfeito para sistemas de sensores inteligentes para gerenciamento e monitoramento adequados da água (como hidrômetros complexos e inteligência artificial), percepções do consumidor (consumo comportamental) ou monitoramento da saúde pública (sensores em banheiros para análise molecular de águas residuais).
…em áreas remotas
Na maioria das situações, as águas residuais rurais são despejadas diretamente em terras ou córregos, causando inúmeros problemas econômicos, sociais e de saúde, bem como degradação ambiental duradoura de fontes de água e terras.
Mas implantar sistemas de tratamento de águas residuais centralizados adequados para essas áreas é sempre caro e, na maioria das vezes, uma decisão econômica ruim. Mas isso não deve ser o fim da história, como infelizmente costuma ser o caso.
Embora os sistemas passivos sempre tenham sido desenvolvidos por pessoas, a inovação levou a soluções descentralizadas eficientes e econômicas que tratam a água localmente e até mesmo reutilizam parte dela para fins agrícolas. Isso envolve separar a “água marrom e amarela” (resíduos do banheiro) da “água cinza” (chuveiros, pias, aparelhos de lavagem) e tratá-los separadamente. A “água cinza” é tratada em uma fossa séptica convencional, depois tratada em um pântano e usada para irrigação. A água “marrom” é transformada em um solo preto altamente fértil, enquanto a “amarela” é armazenada anaerobicamente. A mistura das duas é então usada como fertilizante.
…na agricultura
Provas de que inovação não é um termo do futuro são soluções descentralizadas para irrigação. Como algumas áreas agrícolas estão longe da infraestrutura de eletricidade e água, os sistemas de irrigação descentralizados devem ser considerados.
Os sistemas de eletricidade descentralizados de hoje evoluíram significativamente, os painéis solares estão agora mais acessíveis do que nunca. No entanto, o período de maior produtividade diária (quando o sol está alto) pode não coincidir com o melhor momento de irrigação do dia, pois a rega durante a alta radiação solar não é recomendada. Por esses motivos, recomenda-se o armazenamento de eletricidade (baterias) ou de água (em tanques de água).
Este último é ainda mais adequado para sistemas de irrigação por gotejamento (aproveitando assim a energia potencial da água nos tanques). Israel liderou essa abordagem nas últimas décadas (hoje, 85% das fazendas irrigadas do país utilizam sistemas de irrigação por gotejamento) e agora está liderando os esforços na agricultura digital.
O papel da colaboração para acelerar a inovação
Embora a maioria das soluções acima mencionadas sejam inovadoras, a resposta aos desafios básicos, por exemplo, bombas de água em áreas rurais, é conhecida há décadas. O truque é encontrar a forma adequada de gerar investimentos, chegando às regiões remotas do país. Conforme já discutido em nosso primeiro artigo, o setor público brasileiro tem investido abaixo do necessário para suprir a lacuna nos serviços de água, especialmente devido à falta de vontade política e contínuas restrições orçamentárias. Com isso, segundo o IBGE, apenas 58% da população urbana possui sistema de tratamento de esgoto, enquanto na área rural o número cai para 38%.
Além de soluções criativas, é essencial explorar diferentes formas de cooperação para superar as barreiras da vontade política e as limitações financeiras. Uma variedade de stakeholders, ferramentas e abordagens podem aumentar a capacidade de implementar ideias como as mencionadas. Para isso, é necessário empregar um pensamento sistêmico, entendendo cada um dos diferentes “motores” da inovação, conforme descrito no infográfico a seguir.
A ausência de dinheiro público direto não deve mais ser desculpa para superar a vergonhosa falta de água tratada do Brasil. Além do investimento privado esperado após a aprovação do novo marco de saneamento (cerca de R$ 700 bilhões em 10 anos), títulos vinculados a metas ESG (ambiental, social e governança) estão se tornando uma fonte adicional de financiamento relevante.
No Brasil, são diversas as oportunidades de acesso a recursos para projetos que visam solucionar questões sociais, como saúde e saneamento. Por exemplo, no mês passado, o Banco ABC, em parceria com o BID Invest (Banco Interamericano de Desenvolvimento), emitiu R$ 525 milhões em títulos sociais para apoiar empresas de médio porte, bem como entidades privadas de maior porte que atuam no setor de saúde.
Além disso, o trabalho de iniciativas de base e organizações sociais é essencial para promover o progresso neste campo. A presença destes atores desempenha um papel fundamental na condução de debates aprofundados, na sensibilização da população, na criação de iniciativas que possam estimular o interesse público e potenciar soluções sociais. Por exemplo, Water.org, uma organização sem fins lucrativos de ajuda ao desenvolvimento, fornece microcrédito a famílias de baixa renda para a instalação de banheiros em mais de 13 países, incluindo o Brasil.
Os atores internacionais também devem estar envolvidos. Assim, os líderes públicos e privados devem buscar desenvolver soluções baseadas na experiência internacional, trazida pela cooperação com embaixadas de países especializados nessas inovações — como Holanda, Israel e Cingapura.
A pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias — por meio da academia, grupos de reflexão ou institutos de pesquisa — também é essencial no processo geral de inovação nos desafios relacionados à água. Para alavancar a atividade dessas entidades, podem ser desenvolvidos hackathons e competições de ideias, para estimular soluções inovadoras.
Ter uma abordagem sistêmica para alternativas, ao mesmo tempo em que se aumenta a colaboração e o uso de ferramentas adequadas, é fundamental para vencer os desafios hídricos no Brasil. Nesse sentido, a inovação não é apenas uma abordagem criativa, mas um processo contínuo para apoiar líderes públicos e privados no desenvolvimento de soluções viáveis.
Como parte da série de Prioridades de Mudança Climática do Brasil – desenvolvida pelo Instituto CLP e VirtuNews – estamos iniciando nossas conversas sobre clima, sustentabilidade e energia com foco nas questões relacionadas à água, um elemento crítico para a vida e o crescimento econômico.
Luana Tavares passou os últimos 15 anos se dedicando ao setor de impacto social no Brasil, trabalhando com diversas organizações sem fins lucrativos com foco no fortalecimento da democracia e eficácia do Estado. Entre 2013 e 2020, dirigiu uma das organizações pioneiras e mais relevantes neste campo chamada CLP – Centro de Liderança Pública, que desde 2008 formou mais de 8.000 líderes públicos em todo o Brasil e está informando e engajando a sociedade na defesa de uma agenda nacional estrutural com o Congresso Nacional. Luana também é conselheira do Vetor Brasil e do Poder do Voto – duas organizações de impacto social focadas em aumentar a capacidade do Estado por meio de uma melhor gestão de pessoas e fortalecimento da participação cívica, respectivamente. Luana é graduada em publicidade, possui MBA – Mestre em Administração de Empresas (Fundação Getúlio Vargas – FGVSP) e possui duas especializações internacionais, uma em gestão pública e outra em desenvolvimento de liderança, na Harvard Kennedy School e na Oxford University. Atualmente, está concluindo o Mestrado em Políticas Públicas (MPP) na Blavatnik School of Government – Oxford University e desenvolvendo seu projeto de conclusão com o IEPS – Instituto de Estudos para Políticas de Saúde.
https://www.instagram.com/luana.tavaressp/?hl=pt-br
Andrei Covatariu é Pesquisador Associado Sênior do Grupo de Política Energética e especialista da Força-Tarefa sobre Digitalização em Energia da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE). Andrei foi Chefe de Relações Públicas da Enel Romênia (2019-2020), anteriormente ocupando vários cargos dentro da empresa de serviços públicos (2014-2019). Ele também foi membro do Conselho da comunidade FEL-100 (World Energy Council, Londres), um bolsista não residente em 2020 no Middle East Institute (Washington DC) e um 2021 GYCN Climate Ambassador (uma iniciativa do Grupo Banco Mundial). Andrei é bacharel e mestre em Engenharia Nuclear (Universidade Politécnica de Bucareste) e mestre em Administração de Empresas (Academia de Estudos Econômicos de Bucareste). Ele está atualmente finalizando um mestrado em Políticas Públicas (MPP) na Blavatnik School of Government, University of Oxford, com um Summer Project realizado no Belfer Center for Science and International Affairs, gerenciando o Projeto Atom da Harvard Kennedy School.
O desafio das aguas está em manter limpo e não desperdiçar. As duas prioridades requerem ações, malucas para os limitados, indiferentes e poluidores. Ousadas para os pessimistas e Realizadoras para os otimistas, interessados e em equilíbrio com a mãe natureza. A situação atual requer obras de 30 anos ou mais. Fazer novo, refazer o velho devem acontecer imediatamente, enquanto houver tempo. No caso de São Paulo, o desafio eh refazer muitas coisas que o erro do passado deixo. Existe uma realidade complexa a ser desenrolada passo a passo e fazer as mudanças obrigatórias. Políticos comuns, não são capazes de realizar estas mudanças. Pela própria mediocridade e/ou pelo calendário eleitoral. Por isto que organizações multidisciplinares, devem atuar em conjunto e constantemente por vários anos seguidos.